A ocupação residencial das beiras de rios e fundos de vales urbanos e a destruição das matas ciliares

Sabe-se que a taxa de urbanização no Brasil cresceu muito nos últimos anos. O êxodo rural e suas causas, mudanças demográficas, disponibilidade de serviços, de lazer, oferta de trabalho, de oportunidades, entre diversos outros fatores relacionados exerceram forte impacto na atração de pessoas para as áreas urbanas.

Por volta de 1970 houve a chamada transição demográfica, quando a maioria da população deixou de viver na área rural e passou a habitar nas áreas urbanas.

Porém, as áreas urbanas não estavam preparadas para atender ao crescente número de famílias e habitações, especialmente as áreas periféricas, em geral carentes de planejamento e infraestrutura. Muitas se formaram, inclusive, decorrentes de ocupações irregulares ou em áreas de risco.

A consciência ecológica também não era tão vívida e os reflexos negativos do mau uso dos recursos naturais não eram tão evidentes.

Enfim, o processo histórico da época permitiu que o uso e ocupação do solo se desse de maneira desordenada, não planejada ou regulamentada e sem maiores preocupações com os reflexos socioambientais. Povoar áreas, no passado, era por si sinônimo de progresso.

O desmatamento de áreas verdes, a impermeabilização dos solos urbanos (casas, calçadas, vias pavimentadas, etc.), o soterramento ou drenagem de áreas úmidas ou banhados, comprometeram estruturas naturais que agiam como esponjas que reduziam a força erosiva das enxurradas e a elevação repentina do nível dos rios.

As próprias mudanças climáticas, em uma abordagem mais ampla, já alteraram o regime de chuvas, modificando a relação das atividades humanas com o clima, trazendo consequência visíveis.

Segundo Suetônio Mota (1999), no livro Urbanização e Meio Ambiente, o meio urbano é formado por dois sistemas intimamente relacionados: o sistema natural, composto dos meios físico e biológico (solo, vegetação, animais, água...) e o sistema humano ou antrópico, que envolve as atividades sociais.

Resumindo, o crescimento urbano no Brasil se deu de maneira desordenada, desconsiderando a necessidade de harmonização das atividades humanas com as características naturais do ambiente, o que gerou problemas naturais (enchentes, deslizamentos, assoreamento e erosão, crises hídricas, desmatamentos, perda da biodiversidade, etc.) e sociais, pois homem e natureza estão em um ambiente integrado, cujas causas e consequências das ações ou fenômenos se inter-relacionam mutuamente, potencializando os efeitos.

Esta situação está dada. Foi o resultado de um processo histórico e político, como por exemplo, a formação de muitas das cidades brasileiras, e consequentemente, da região.

Para trazer exemplos regionais, Irati, Rebouças e Rio Azul, tiveram sua fundação e desenvolvimento, em grande parte, atrelados à implantação da ferrovia. Além de ser um elemento que promoveu a integração logística entre São Paulo e Rio Grande do Sul, contribuindo com a economia e os fluxos comerciais, também permitiu a maior circulação e atração de pessoas, inclusive na construção da mesma, bem como, a formação de povoados em suas margens.

Na foto, de autoria de Aderbal Pavloski, fica retratada a construção ou manutenção de um trecho desta ferrovia. O detalhe importante é a intensiva utilização de pessoas no trabalho. Ou seja, a ferrovia ainda se consistia em uma fonte de atração pela geração local de emprego e renda, fomentando o comércio e o serviço nos povoados que se urbanizavam.

Como bem expressa Wszolek (2008, apud Andrade 2010), “os vagões de trens que aqui passaram levaram sim a nossa natureza (nossos pinheiros, nossas exuberantes imbuias, nossos majestosos cedros...), e isso é lamentável. Mas, em contrapartida, os mesmos vagões trouxeram muitos sonhos, seja dos comerciantes ou donos de serrarias, que viam ali a possibilidade de prosperidade econômica, dos próprios fazendeiros que passavam a obter novos mercados para seus produtos, ou então, dos imigrantes de diversas etnias, que buscavam a “terra prometida”. Essa união de sonhos, nem sempre concretizados, culminará na consolidação de mais uma etapa do processo de formação do município de Rebouças” assim, como de diversos municípios da região.

Além da ferrovia, outro aspecto do processo histórico marcante na formação das cidades foi a chegada dos imigrantes europeus e de migrantes de outras regiões. Bandeirantes paulistas em busca de ouro, aquisição de terras por coronéis da época, caravanas de pioneiros estimuladas pelo Governo Imperial, além de imigrantes, principalmente poloneses e ucranianos, foram os primeiros a se estabelecerem, geralmente próximos a rios, que por sinal deram nome a muitas das cidades. Rio Azul, Rio Claro (atual Mallet) e povoados. Sem mencionar também que muitas cidades foram rota dos tropeiros na travessia de Viamão (RS) a Sorocaba (SP), tanto pela rota principal quanto pelas interligações com rotas alternativas.

Além deste processo histórico e político, e por que não, econômico, que moldou a formação das cidades, posteriormente outros elementos proporcionaram ou contribuíram com o desenvolvimento espontâneo das cidades, pela ocupação (aos olhos atuais) irregular de áreas de preservação, pela destruição ambiental, etc., entre eles, destacam-se:

· A falta de infraestrutura e de investimentos públicos;

· a lacuna de normas orientadoras em relação aos investimentos privados;

· a ausência de uma visão ambiental, técnica e cientificamente respaldada;

· a necessidade social e humana, sobretudo das populações periféricas, de se instalarem onde fosse possível ou conveniente conforme se desenvolviam as cidades e seus atrativos; entre outros fatores.

De acordo com Mota (1999), somente a urbanização acentuada de áreas de risco, de fundos de vales, das margens de corpos de água, de per si ocasionam alterações em diversos fatores ambientais, como por exemplo:

1) condições climáticas: temperatura, ventos, precipitação, umidade;
2) topografia e geologia: escoamento mais rápido das águas, instabilidade do solo, incidência de sol, empobrecimento do solo;
3) fatores hidrológicos – a água é fator importante na localização e desenvolvimento de cidades;
4) características ambientais – a diminuição da cobertura vegetal; empobrecimento do solo, erosões, assoreamentos, etc.

A densidade demográfica é outro fator de grande relevância no processo de urbanização e na deterioração das condições ambientais, pois contribui com os problemas de favelização, potencializados pela falta de equipamentos sanitários e demais infraestruturas urbanas, colocando pessoas em áreas de risco, em áreas de acentuado declive, que deveriam ter a vegetação preservada, no entorno de corpos hídricos, que acabam sendo poluídos e assoreados.

Podemos isolar deste contexto uma situação comum na maioria das cidades brasileiras: a destruição das matas ciliares e a ocupação das margens dos rios e dos fundos de vales.

Segundo o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, mesmo intermitente, de 30 metros, para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura, seguindo em escala crescente até 500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros.

Da mesma forma, impõe a preservação de áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em largura mínima de 50 a 100 metros e de 30 metros, em zonas urbanas.

No texto sobre o Morro Mourão, consta uma tabela ilustrando de forma mais didática a larguras mínimas destas faixas de preservação.

Porém, segundo o Instituto Socioambiental (2022), ruralistas e o governo Bolsonaro lançaram uma ofensiva para alterar o Código Florestal.

Entre as alterações, foi sancionada a lei que permite a cada município estabelecer seus próprios critérios para a proteção de Áreas de Preservação Permanentes (APPs) no perímetro urbano, cujo mínimo era de 30 metros, como se os rios e os impactos ambientais provocados neles, ficassem restritos aos limites municipais, o que mesmo que fosse verdade, já seria ruim.

Também foram aprovados outros projetos de lei, como o PL 6.017/2019, que desobriga o registro em cartório da Cota de Reserva Ambiental (CRA), o qual atesta que um imóvel rural tem cobertura vegetal natural que pode ser usada para compensar a falta de vegetação em outra propriedade; também o PL 1.282/2019, que permite desmatar APPs para viabilizar obras de reservatórios e irrigação.

Além destes, há projetos que visam anistiar desmatamentos ilegais, regularização destas áreas, redução das restrições ambientais na Mata Atlântica, substituindo a lei específica para este bioma por outra mais flexível, etc.

Segundo o site “ciliosdoribeira.org”, as matas ciliares são formações florestais que se manifestam ao longo de rios, córregos, lagos e várzeas, sendo salvaguardadas pelo Código Florestal. São necessárias para o escoamento das águas pluviais; estabilização das margens e barrancos, impedindo a erosão dos rios e permitindo a interação entre os ecossistemas; regulam a temperatura da água e sustentam a fauna aquática e terrestre. As matas ainda exercem a função de corredor genético para a flora e fauna, propiciando o fluxo de espécies no interior e entre os diversos biomas.

A imagem da esquerda na sequência retrata a mata ciliar preservada no alto curso do Rio Ribeira do Iguape. O rio Ribeira de Iguape nasce nos Campos Gerais (no Paraná), banhando trechos de Mata Atlântica, desembocando no mar no Município de Iguape (SP).

A imagem da direita ilustrada mostra o rio Pinheiros, em São Paulo. Uma área sem vegetação, impermeabilizada e modificada intensamente pela ação antrópica. A rodovia marginal Pinheiros (SP o15) é uma das vias expressas mais importantes da cidade de São Paulo, com projeto criado em 1920.

Segundo a Folha Uol (2023), o rio Pinheiros tem a pior qualidade da água entre todos os rios que passam pelo bioma da Mata Atlântica; e diversas fontes jornalísticas citam que a cada chuva de maior intensidade, surgem pontos de alagamento nesta área.

Da mesma forma que as margens do rio Pinheiros teve sua vegetação original retirada para a ocupação urbana, em escala menor, mas com efeitos semelhantes, muitas cidades foram construídas às margens de rios, e quando não, muitas moradias foram ocupando estas áreas como opção mais próxima do trabalho, dos atrativos urbanos, diante da impossibilidade de residir em outro local.

Hoje, seria inviável, talvez, alterar tal situação, retirando casas, indústrias, instituições, rodovias, etc. das margens dos rios urbanos ou dos fundos de vale. Porém, medidas de mitigação poderiam ser implementadas de forma mais intensa.

A retirada da cobertura vegetal, que por si só é um problema socioambiental, tem impactos sobre diversas questões, que vão desde a exposição e destruição de nascentes, necessárias para abastecer rios e reservatórios para consumo e uso humano, industrial, agropecuário; afeta a qualidade da água; altera o microclima, a depender da escala de abordagem; favorece deslizamentos, assoreamentos e a erosão.

Outro problema decorrente da urbanização é a impermeabilização do solo. Isso ocorre primeiramente pela intervenção humana. Primeiramente, podemos citar a pavimentação de ruas, a construção de casas, cada vez com menos áreas permeáveis. A tendência atual que se percebe, são residências com pátios menores, muitas vezes totalmente recobertos de calçadas (embora a legislação atual estabeleça uma área permeável mínima).

A própria água captada pela área dos telhados é direcionada através de calhas e é escoada para pontos concentrados que não suportam absorvê-la. Fora isso, terrenos que outrora eram banhados, foram aterrados e transformados em loteamentos, áreas agrícolas, reflorestamentos. Rios foram direcionados através de galerias. Enfim, as cidades foram engolindo as áreas “esponjosas” que ajudavam a regular a dinâmica hídrica.

A correta infiltração das águas pluviais no solo é vital para a manutenção do equilíbrio hidrológico, para a natureza, incluindo florestas, agricultura, bem como para as demais atividades humanas.

A infiltração da água da chuva no solo é um processo fundamental para a manutenção dos ciclos hidrológicos e para a regulação dos níveis de água nos aquíferos e nos corpos d'água.

Em solo com vegetação, a água da chuva é absorvida pelo solo e retida pelas raízes das plantas, que liberam parte da água na atmosfera por meio da transpiração. Parte da água é armazenada no solo e é utilizada pelas plantas posteriormente. Esse processo de infiltração é conhecido como infiltração natural.

A percolação, por sua vez, é definida por Rosa (2017) como um processo onde a água da superfície se infiltra e se move através dos poros e espaços vazios existentes entre as partículas de solo, até alcançar o lençol freático. Esse processo é importante para o armazenamento de água subterrânea e para a manutenção dos ciclos hidrológicos.

Por outro lado, até mesmo em solos não necessariamente impermeabilizados, mas compactados, a água da chuva tem dificuldade de infiltrar e é escoada superficialmente, o que causa o escoamento superficial e, consequentemente, a ocorrência de enchentes, alagamentos, transporte de sedimentos, erosão, redução da capacidade de suportar a vegetação, etc.

Segundo Rosa (2017), a compactação é um processo que ocorre quando há uma perda da porosidade e do espaço vazio entre as partículas do solo, resultando em uma maior densidade e resistência. Isso pode acontecer naturalmente, devido a eventos climáticos como chuva e ventos, pelo tráfego de animais ou de forma antrópica, afetando o processo de percolação da água.

Também, o solo compactado é menos permeável, o que dificulta a absorção da água, prejudicando o armazenamento subterrâneo (lençóis e aquíferos), reduz a capacidade de suportar a vegetação

A próxima ilustração apresenta o ciclo hidrológico e demonstra como se dá a relação deste com o processo de infiltração da água no solo, extremamente importante, bem como denota a relação destes elementos com as condições do ambiente.

Para solucionar esse problema, é necessário adotar medidas que promovam a infiltração gradual da água, permitindo que ela seja absorvida e que recarregue os lençóis freáticos, sem causar alagamentos, ou pelo menos, que seu escoamento não promova a erosão. Neste sentido, a manutenção de áreas de vegetação é de fundamental importância, especialmente nos fundos de vale.

Almeida (2020), entre tantos autores, pois é vasta a literatura que aponta diversas possibilidades para mitigar estes impactos, cita como alternativa a criação de áreas verdes urbanas, a implementação de sistemas de drenagem sustentáveis, como jardins de chuva e telhados verdes, a adoção de práticas de construção mais sustentáveis, o uso de materiais permeáveis, e até mesmo, a definição de leis que regulamentem as formas de ocupação do solo, exigindo, por exemplo, áreas permeáveis adequadas em casas e condomínios.

As consequências do processo de impermeabilização do solo são ampliadas quando associadas à ocupação dos fundos de vale. Essas áreas são naturalmente sujeitas a inundações e alagamentos, uma vez que são locais por onde a água escoa naturalmente.

Quando a ocupação ocorre nesses locais, o processo de impermeabilização do solo, escoamento superficial, transporte de sedimentos, perda da vegetação, etc. é intensificado, e os alagamentos (e desmoronamentos) se tornam ainda mais frequentes e intensos.

Inclusive, é bom destacar que se não houvesse a ocupação irregular de áreas, menos pessoas sofreriam os impactos de alguns destes problemas, pois sabe-se, por exemplo, que a elevação sazonal dos rios é (ou era) um fenômeno natural e cíclico. O agravante é o uso destas áreas, que deveriam permanecer preservadas para cumprirem sua função natural. Além de que, todo o contexto de danos ambientais já ocorridos tornou estes fenômenos mais intensos.

Cabe ressaltar que não se trata de culpabilizar os ocupantes destas áreas, pois a instalação nelas é fruto de um processo histórico de urbanização sem planejamento, de políticas que não consideravam o impacto destas ações no longo prazo e da falta de possibilidades, sobretudo, econômicas e sociais em muitos casos.

É importante diferenciar os alagamentos decorrentes de chuvas torrenciais, que alagam áreas urbanas isoladas, dos alagamentos (ou enchentes) de chuvas contínuas, que inundam a bacia hidrográfica inteira de determinada região.

Os primeiros são mais localizados e podem ser causados por problemas pontuais, como a falta de limpeza de bueiros e galerias pluviais, ocupações irregulares, impermeabilização de locais, aterros mal planejados, desmatamentos de áreas que deveriam manter a cobertura vegetal.

Já os alagamentos de chuvas contínuas afetam grandes áreas e podem ser resultado de problemas estruturais mais amplos, como o processo de impermeabilização e compactação do solo em grandes áreas urbanas, que ocorre em praticamente todas as cidades de determinada bacia hidrográfica, excesso de chuvas (que embora seja um fenômeno natural, também pode ser potencializado pela ação antrópica), grandes represamentos, geralmente antrópicos, etc.


UMA PINCELADA NA REALIDADE LOCAL.

Sendo assim, o objetivo do texto é apresentar a questão da destruição das matas ciliares, seus efeitos ambientais, mostrar como se deu a contribuição do processo de urbanização para isso, valendo-se de dados gerais, e posteriormente pincelando exemplos e dados da realidade regional, para com isso, despertar a ideia de medidas que possam mitigar o problema.

Trazendo exemplos locais, podemos visualizar no recorte de mapa a seguir (hidrografia urbana de Irati), como a cidade se desenvolveu nas margens de rios e de corpos de água, inclusive nascentes.

As linhas azuis mostram os rios existentes no quadro urbano, sendo que em muitos pontos foram projetadas obras que alteraram seu curso natural.

Somando a posição destes rios ou corpos hídricos à topografia da área urbana, podem surgir explicações para problemas como alagamentos em determinados pontos, maior taxa de assoreamento ou necessidade de dragagem.

Para mais, permite inferir onde se deu o processo histórico de formação da cidade, espontâneo, e onde se dá os processos de ocupações irregulares, que apesar da legislação, constituem-se em um problema urbano da maioria das cidades.

Permite ainda refletir sobre para onde caminha o crescimento da cidade, geralmente previsto no Plano Diretor, e qual a preocupação deste Plano com as questões socioambientais.

O segundo recorte de mapa apresenta para que o leitor tire suas próprias conclusões, o processo de ocupação do perímetro urbano ao longo do tempo.

É possível visualizar que a ocupação inicial do perímetro urbano (1907, representando pela linha mais grossa, em vermelho) se deu justamente às margens da ferrovia, mais especificamente no entorno da estação ferroviária (região denominada de Covalzinho), coincidentemente, próximo a rios, explicando e justificando o processo histórico de formação da cidade.

Posteriormente (década de 1980), verifica-se que a ocupação já estava dispersa, mas mantendo a característica de se instalar próxima aos rios. Ficaram mais significativos os núcleos de aglomeração ao entorno da estação ferroviária, da Vila São João e em Engenheiro Gutierrez, nas margens da ferrovia.

Mais recentemente, a ocupação se orientou para o sentido sul, para bairros mais afastados do centro, onde estão surgindo novos loteamentos, onde há duas faculdades, etc.

Esse processo de ocupação, além de se dar em áreas margeando rios, pode também ser relacionado com a topografia do município, evidenciando se as áreas ocupadas são adequadas social e ambientalmente para o uso residencial ou comercial. Áreas com declividade muito alta, por exemplo, podem inviabilizar certos tipos de uso, e a depender do caso, sua preservação é legalmente determinada.

Para fins de comparação, na sequência está a figura que retrata um esboço da hidrografia da área urbana do município de Rebouças. Os rios e arroios estão tracejados em azul, com traço mais grosso, para facilitar a visualização.

Neste caso, fica evidente que não há uma trama de rios cortando vários pontos da área urbana da cidade, até porque, o centro urbano é de dimensão relativamente pequena.

Por outro lado, se buscar verificar a topografia da cidade de Rebouças, se perceberá que se trata de uma área relativamente plana. Característica que fez o município sofrer por diversas vezes outrora, com enchentes em grande parte da área central da cidade.

Uma medida que poderia contribuir com a preservação dos fundos de vale e evitar transtornos socioambientais e econômicos derivados da ocupação destas áreas, embora dependesse da conscientização da população, seria o plantio de árvores ou vegetação arbustiva, seguindo critérios técnicos e botânicos. Embora tenha que se destacar que cheias que afetam toda ou grande parte da bacia hidrográfica de um rio, normalmente decorrentes de longos períodos chuvosos são diferentes de alagamentos decorrentes de represamentos pontuais.

Esta vegetação poderia reduzir o assoreamento, evitar desmoronamentos de barrancos e encostas, além de melhorar a estética urbana, e ao depender da escala do projeto, ter efeitos até mesmo no microclima.

Como se trata, em geral, de áreas privadas (talvez adquiridas ou ocupadas anteriormente a maior rigidez da lei ambiental), seria necessário a anuência dos moradores, e melhor ainda, a participação destes.

Incentivos como redução no IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano - ou em taxas municipais seriam uma contrapartida interessante. Além de que, tanto municípios quanto moradores teriam menos custos com dragagens de rios, com os efeitos dos alagamentos, etc.

Seria interessante e belo ver uma cidade onde, embora as margens dos rios tivessem ocupações históricas, parte delas fossem arborizadas pelos próprios moradores.

Observando a foto da esquerda, foi apresentada uma área com a mata ciliar degradada, com o acúmulo de lixos e entulhos, com ocupações, provavelmente irregulares, e todos os efeitos deste problema social.


Na foto da direita uma iniciativa, na qual, segundo o G1 notícias, foi realizado um projeto com estudantes para recuperar a mata ciliar do Rio Juramento, no Norte de Minas. Cerca de 50 mudas de Ipês roxos foram plantadas.

As matas ciliares, especialmente no caso urbano, também são degradadas pela realização de dragagens. Embora elas mitiguem os efeitos dos alagamentos, de certa forma naturais na dinâmica dos rios, pois o problema é a ocupação de áreas inadequadas, ao médio prazo elas perdem seu efeito, exigindo novamente a intervenção, com todos seus efeitos adversos, custos e transtornos.

Estudos, como de Barros (2004), entre outros, apontam que se não forem tomadas as medidas de planejamento e de pós operação, as dragagens resolvem apenas paliativamente o problema do assoreamento, pois após o trabalho, a quantidade maior de sedimentos soltos no terreno favorece uma taxa ainda maior de deposição e de reassoreamento dos rios.

A remoção de sedimentos do leito do rio pode perturbar o equilíbrio natural do sistema fluvial, modificando a velocidade do fluxo de água. Quando a velocidade é reduzida, ocorre uma diminuição da capacidade de transporte da água, o que pode resultar na deposição de sedimentos que estavam em suspensão.

A dragagem pode ainda remover sedimentos finos e argilosos que desempenham um papel importante na estabilização do leito do rio, deixando-o mais vulnerável à erosão, a sedimentação e ao “desbarrancamento”.

O processo de urbanização, por si só, pode levar a um aumento no escoamento superficial e na quantidade de água que flui pelos rios, causando erosão e sedimentação mais intensa, além, é claro, da poluição e seus efeitos danosos.

A construção de barragens, pontes, galerias, etc. também podem alterar a dinâmica natural dos rios e a distribuição de sedimentos,

É preciso planejamento e pensar em medidas de longo prazo, que são melhores ao final e menos onerosas, analisando os impactos ambientais e socioeconômicos delas.

Em determinadas áreas onde a mata ciliar foi comprometida e não há ocupação residencial, o espaço poderia ser reflorestado e convertido em mini parques, áreas de convivência, descanso e contemplação.

Uma alternativa interessantíssima é prevista no Plano Diretor do Município de Rebouças (Lei 1246/2008), que é a “implantação de parques lineares ao longo dos arroios que cruzam a malha urbana, incluindo a aquisição (pelo Poder Público) das áreas marginais, com aproveitamento das faixas que não forem de preservação permanente para implantação de ciclovias e pequenos parques infantis”.

Isto porque, embora a vida urbana se mostre cada vez mais caótica, a população tem buscado espaços de convivência, de lazer e de reaproximação com a natureza.

Este contato, especialmente no que tange às crianças, gera um efeito positivo ao reforçar a conscientização sobre a necessidade de equilíbrio entre as atividades humanas e as dinâmicas ambientais. É uma forma de valorização e de contribuição para a busca da qualidade de vida em todos seus aspectos.

Outra alternativa possível para áreas mais críticas, que posteriormente poderiam ser recuperadas, inclusive não se limitando às áreas urbanas, mas também em áreas rurais degradadas, seria a construção de curvas de níveis nas margens dos rios. Esta medida está sendo adotada em Umuarama, nas margens do Rio Piava.

Segundo o site da prefeitura deste município, “uma pá carregadeira foi contratada para realizar curvas de nível, que ajudam a reter os elementos solúveis. A água das chuvas, ao encontrar os sulcos, não escorre e se infiltra no solo, deixando-o úmido e evitando a erosão.”

Em áreas rurais, até mesmo medidas simples, como a implantação de cercas, pode proteger nascentes e a mata ciliar, especialmente em áreas utilizadas na criação de gado, que além de destruírem a vegetação, compactam o solo.

Cercas que também delimitam áreas urbanas que merecem maior proteção, como matas ciliares em beiras de rodovias, nas proximidades de instituições públicas, favorecendo a segurança, evitando o descarte inadequado de lixo, etc.

Obviamente, o problema da ocupação do solo urbano é muito mais complexo. Envolve uma herança cultural e histórica, decorrente de processos sociais e econômicos que levaram a formação das cidades, suas vocações econômicas, seu tamanho, sua posição na rede urbana, e até mesmo influenciam o comportamento dos moradores.

Depende ainda da legislação, da fiscalização, das políticas públicas adotadas nos planos diretores, da taxa de impermeabilização do solo, da destinação do lixo urbano, da participação da sociedade civil, enfim, de um contexto.

Pelo aspecto ambiental, os fenômenos também são complexos e interdependentes. Clima, relevo, tipo de solo. São N variáveis que precisam ser conciliadas em diversos aspectos.

No entanto, medidas simples, tanto positivas quanto negativas, produzem efeitos que podem ser potencializados, além de incitar para o bem ou para o mal o comportamento social considerado como normal.

Obviamente, às vezes, a solução de um problema de forma ideal é impossível porque pode trazer outros efeitos colaterais que inviabilizam a medida.

Matas densas ou mal cuidadas em beira de rios urbanos, podem, por exemplo, favorecer a insegurança e a ação de marginais, por isso, mini parques se tornam mais interessantes. Retirar as residências das áreas de risco, das várzeas e recuperá-las, seria o ideal. Mas qual o custo econômico e social de realocar tantas famílias ? Enfim, as medidas devem ser pensadas individual, técnica e estrategicamente para cada caso, mas valem os exemplos.

Está na hora de pensarmos em cidades ambientalmente mais corretas, que embora não possam corrigir os erros do passado (erros quando olhados com a visão de hoje), podem adotar soluções muito mais inteligentes, respaldadas por milhares de estudos e viabilizadas por uma tecnologia cada vez mais intensa, seja nas máquinas disponíveis, seja na forma de usar o solo, seja valendo-se de estudos técnicos e científicos, seja na mudança do comportamento social.

Um comentário:

  1. O desaparecimento de áreas verdes ou mesmo a ser restauradas previstas pelo Código Florestal são resultantes de omissões e conivências por municípios e governos estaduais. É uma situação complexa que tem antecedentes já por várias décadas.

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