Parque do Monge João Maria, em Rebouças, espaço de conscientização ambiental e saberes tradicionais

A dinâmica caótica, urbana e estressante da vida moderna trouxe e naturalizou nas relações sociais as visões de vida mais frias, individualistas, mediadas pela tecnologia. 

Hoje, pais e mães trabalham o dia todo, estendendo muitas vezes as jornadas para além de 08 horas diárias, dedicando sábados e domingos ao trabalho. As crianças, obrigatoriamente são encaminhadas às escolas aos 4 anos, porém, muito antes disso, por necessidade, muitos dos pais procuram Centros de Educação Infantil, onde as deixam o dia todo.

Após o expediente laboral, além das rotinas domésticas, do cuidado com a família e consigo, o trabalhador em regra precisa dedicar novamente tempo para o trabalho, ou seja, para se manter apto, qualificado, atraente para o mercado que descarta sem dó, fazendo cursos e atualizações, isto quando não precisa resolver questões trabalhistas fora do horário de expediente ou fica de sobreaviso.

O que resta para o lazer, para o descanso físico ? E me restrinjo ao descanso físico, porque o descanso mental é ainda uma questão mais delicada ante diversas preocupações e pressões que paulatinamente fomos aceitando como natural, como sinônimo de eficiência e de produtividade na busca pelo suposto crescimento meritocrático.

A falta de tempo tornou-se o mantra predominante. Os períodos de contemplação, descanso, lazer e de crescimento individual e espiritual, dentro de uma lógica produtivista, passaram a

ser vistos como perda de tempo, sendo o tempo igual a dinheiro, e não mais tempo igual a vida, como outrora foi, ou como efetivamente o é.

Porém, como a maioria dos fenômenos sociais e culturais, o processo não é linear, mas ocorre de forma dialética. Ao mesmo tempo em que pressões econômicas, políticas e ideológicas pressionam o comportamento social para dado sentido, movimentos de resistência e de oposição se manifestam e colocam seu contraponto.

Muitas vezes são tidos como minorias sem voz, outras vezes são marginalizados, como por exemplo, muitos dos movimentos sociais, outras vezes, estes próprios movimentos acabam se subdividindo e criando vertentes de pensamento. E em alguns casos, o próprio sistema capitalista, de mercado, coopta estas tendências e as transforma em fontes de lucro.

Hoje, para cooptar o desejo das pessoas de terem um momento de lazer na área rural, curtindo o campo e suas atividades nos finais de semana, muitos hotéis fazenda ficam lotados. São passeios a cavalo, pescaria, comidas caseiras, etc. Mas o negócio vai além. Em algumas estâncias, o cliente / turista, paga a hospedagem para capinar, colher produtos agrícolas (uva, frutas, milho, tirar leite), e ajuda, como se fosse lazer ou brincadeira, na produção. Ou seja, de certa forma, a estância lucra com o turismo, com a hospedagem, e ainda consegue mão de obra que paga para realizar parte do trabalho como sendo diversão.

O fato é que atualmente, esta dinâmica caótica, produtivista, materialista, começa a ser questionada, com movimentos novos, pregando outras práticas sociais e com o resgate de práticas de outras épocas, não de forma anacrônica, mas com as devidas atualizações ao atual contexto. E algumas delas, o caráter capitalista de lucro fica mais distante, se destacando a espontaneidade e o caráter popular destas práticas.

Neste universo, o resgate de práticas tradicionais em suas diferentes vertentes, como a meditação, a valorização e a necessidade de preservação ambiental, o espírito de comunidade, o retorno de brincadeiras antigas (se contrapondo ao mundo conectado via celular no qual todos estão mergulhados), a medicina popular (o uso de chás, ervas, utilizadas pela sabedoria popular e hoje incorporadas na medicina acadêmica), a alimentação saudável, a agroecologia, os benzimentos e o resgate das tradições religiosas populares, voltaram ao discurso dos movimentos sociais. Voltaram a receber a atenção de parte da sociedade.

Ilustra a analogia
Fazendo uma analogia, tais movimentos são como um ninho de pássaro silvestre no topo de um poste urbano de energia, ou seja, estes movimentos precisam encontrar um espaço propício, um território, mesmo que hostil a princípio, para formar sua base material e desenvolver as suas práticas. São resquícios ou bolhas destas formas de culturas, e consequentemente, dos espaços necessários as suas práticas, que resistem, apesar do contexto geralmente desfavorável. São manchas verdes ou de conhecimentos tradicionais impregnados no cinza dos concretos ou da racionalidade científica, produtivista e caótica das áreas urbanas, com sua dinâmica peculiar.

Sabe-se que as relações sociais, culturais, econômicas, se dão em determinados territórios ou espaços. A relação entre sociedade e natureza é vital para a materialização das práticas e saberes e para a manutenção do espaço de vivência, transmissão e conservação deste caldo cultural.

E aqui, a atuação do poder público, como agente organizador do espaço formal, como fomentador da cultura, como fiscalizador e incentivador da preservação ambiental e do uso consciente dos recursos naturais, torna-se relevante.

Em Rebouças – PR, através da Lei 2042/2017, foi criado o Parque Ambiental Municipal “Monge João Maria", com área de aproximadamente 69 mil m². Entre outros objetivos, segundo a Lei, o parque terá como finalidade a preservação ambiental, a preservação do patrimônio histórico e cultural, tornando-se também alternativa de lazer e visitação conforme as possibilidades.

Desta forma, mais do que um espaço de preservação ambiental imposto por lei, ou de lazer urbano, o Parque Ambiental reaviva a história de João Maria, um dos monges que passou pela região Sul do Brasil na transição do Século XIX para o XX, tendo sua trajetória relacionada à religiosidade, aos benzimentos e às crenças populares, como também à resistência social em um período de contradições, revoltas, desigualdades e rupturas, como por exemplo, a Guerra do Contestado.

Isto torna o parque, além de um espaço para o cidadão urbano encontrar uma fuga ou refúgio do estresse diário, propício para relacionar-se com as práticas tradicionais novamente em voga e que têm relação contextual e simbólica fortíssima com o patrono do lugar.

Localizado próximo ao centro da cidade de Rebouças, o lugar é de fácil acesso, predominantemente calmo (especialmente nos dias de semana), agradável, simples, limpo e muito bem cuidado. Neste quesito, merece elogio o responsável pela manutenção, que executa um trabalho impecável.

Há exemplares da flora regional nativos e reflorestados, plantas medicinais, uma nascente de água (chamado de Olho d'água de São João Maria), onde muitas crianças já foram “batizadas” ou consagradas e sobre o qual há crenças que ilustram o  encantamento do lugar conforme a crendice religiosa popular. 

Atualmente, as práticas e saberes tradicionais, deixaram de ser apenas uma crendice para fazer parte das políticas de saúde como instrumento complementar de terapia.

Em Rebouças, por exemplo, há uma Lei (1401/2010) que define e regulamenta as práticas dos detentores de ofícios tradicionais de saúde popular associado a saberes, conhecimentos e práticas tradicionais. Regulamenta, inclusive, o uso popular das ervas medicinais e a preservação ambiental delas.

Segundo o site “PR Cultura”, três das detentoras deste ofício participaram de uma mesa redonda no Museu Paranaense - MUPA. Isso revela que as práticas tradicionais estão sendo efetivamente reconhecidas e recebendo a atenção da população, do Estado (edição de leis, manutenção dos espaços de convivência), da academia, com estudos que reforçam sua importância, sendo registrados e reconhecidos seus aspectos culturais, simbólicos, religiosos, etc.

Ana Maria Benzedeira, Dona Guina e Dona Rosinha participaram da referida roda de conversa no MUPA, contando sobre suas trajetórias e saberes tradicionais de cura, com a participação da antropóloga Taísa Lewitzki e mediação da arqueóloga do MUPA, Claudia Parellada.

As três participantes integram o Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA) e a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais e o Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Paraná

Ana Maria é benzedeira na cidade de Rebouças (PR). Aprendeu o ofício de benzer com seu pai. É conhecedora das profecias do Monge João Maria e defensora de seus Olhos d’Água.

Dona Guina é benzedeira, remedieira e costureira de rendidura. Conhecedora das plantas medicinais e de conhecimentos tradicionais de cura, ministra oficinas e cursos para benzedeiras em formação.

Dona Rosinha é benzedeira, arrumadeira e costureira de rendidura do município de Irati (PR). Festeira do Divino, cantadeira de festas tradicionais e devota do Monge João Maria, integra a equipe de pesquisa do Mapeamento Sociocultural das Benzedeiras e Ofícios Tradicionais de Irati.

Assim como em Rebouças, em Irati estes movimentos contribuíram para a edição da Lei nº 4.543 de 18/07/2018 que dispõe sobre a política municipal de educação popular em saúde, valorizando os saberes populares, a ancestralidade, o incentivo à produção individual e coletiva de conhecimentos e sua inserção no sistema municipal de saúde.

Cartaz da Festa do Monge João Maria
realizada anualmente no Parque
Este contexto evidencia que estas práticas e saberes estão intimamente ligadas com o reconhecimento popular pela coletividade, condição legal para que as benzedeiras exerçam o ofício. Também se relaciona com o meio ambiente, necessariamente preservado, já que muitas práticas ocorrem em torno dos olhos d’água de São João Maria, dependem de remédios e chás derivados de plantas; e relacionam-se ainda com dado lugar, pois em muitos casos há um simbolismo envolvido, a criação de uma identidade, bem como a necessidade de um ponto de encontro e de prática.


Neste sentido, o Parque Ambiental do Monge não é apenas adequado e útil para a sociedade encontrar momentos de lazer, recreação e contato com a natureza, como também serve como lócus de realização, de divulgação, de reforço e de simbolismo para muitas destas práticas culturais, religiosas e populares tradicionais.

Ressalta-se que há no parque uma grutinha com imagens de santos diversos e do monge João Maria. Atualmente, foi construída uma gruta maior, com uma imagem em madeira do Monge, esculpida pelo Reboucense Tico Molinari. Há ainda uma pequena trilha entre as árvores. Há também um campinho de futebol (improvisado) e recentemente foi aprimorada a infraestrutura, com bancos, lixeiras, banheiro e quiosques com churrasqueira.

A própria Lei Municipal 2042 de 2017que criou o parque prevê que as melhorias irão ocorrer gradativamente, conforme as condições do Município e a disponibilidade de recursos, porém, quanto às churrasqueiras, considero um ponto de atenção.

Este atrativo é de certa forma incoerente, pois embora possa ser interessante aos visitantes ter conforto e condições de permanência, democratizando o local, poderá gerar uma disputa de territórios entre diferentes usuários para as quais o parque foi idealizado.

Em outras palavras, churrasqueiras podem atrair famílias para um almoço, mas ao mesmo tempo também atraem o público mais festivo, e se não houver a expressa regulamentação do consumo de bebidas alcoólicas, do uso de sons automotivos ou mesmo portáteis, poderá gerar incompatibilidade com o público que busca o parque pelo seu aspecto religioso (encontro de benzedeiras, rezas, batizados), meditação, lazer relaxante, etc.

Lembrando ainda que se o objetivo do lugar é de preservação ambiental, conforme disposto no artigo 4 da Lei Municipal 2042/2017, a poluição sonora, bem como outras atitudes que podem degradar o meio ambiente, são práticas que precisam ser regulamentadas e serem condizentes com as Leis Gerais e principalmente com as Leis Ambientais (que estabelecem limites e sanções), tanto para evitar prejuízo à natureza quanto para que o local seja um ponto de conscientização. 

É preciso que o poder público regulamente e conscientize para que todos os segmentos da sociedade tenham acesso a espaços condizentes com as suas práticas, sejam elas festivas, esportivas ou contemplativas ou religiosas / culturais.

O geógrafo brasileiro Milton Santos em seu livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal", traça uma analogia para explicar a disputa por territórios, valendo do exemplo da quadra poliesportiva.

Na analogia, Santos (2000) compara a quadra poliesportiva a um território e as equipes que jogam nela equivalem aos diferentes grupos sociais que utilizam este espaço. Cada esporte tem suas regras, o território reflete em sua organização estas características. As linhas na quadra que determinam as regras do futebol são diferentes das linhas utilizadas pelo basquete. Cada esporte tem suas características, regras, tempos, distâncias, etc. É impossível, na mesma quadra, haver concomitantemente, um jogo de futebol e de basquete. Pode até ocorrer, mas seria um caos.

Assim, um espaço público ou social utilizado por skatistas é diferente de um espaço adequado para futebolistas ou para pessoas que estão intencionadas a contemplar a natureza. E assim como na quadra, nem sempre é possível duas atividades diferentes serem realizadas ao mesmo tempo. Neste sentido, entra a necessidade de regulamentação do uso do espaço, não como forma de inibir ou cercear o uso deste ou daquele grupo, mas como forma de todos terem a mesma possibilidade ou direito ao uso do espaço, especialmente, quando o espaço se destina a uma finalidade específica.

Assim, ao desenvolver um espaço, o Poder Público deve estar atento e realizar todas as ações orientadas para aquela finalidade específica, de modo a não criar contradições entre os diferentes públicos e entre os objetivos do lugar. Obviamente, o bom senso e a conscientização do próprio usuário também devem existir.

Lembrando que, além do bom senso, o artigo 42 do Decreto Lei nº 3.688 (Lei das contravenções penais), estabelece algumas restrições no que tange a perturbação do sossego. E mais, a Lei 9605 de 1998, que trata das condutas lesivas ao meio ambiente, é farta de orientações e restrições, sobretudo no que tange às áreas de conservação ou de preservação ambiental.  

E com relação à poluição sonora, a Ciência confirma que a partir de 50 decibéis o corpo humano já sente o estresse decorrente do barulho (um secador de cabelo emite em torno de 80 a 90 decibéis).

Uma opção seria a instalação das churrasqueiras, se necessárias de fato, em local mais afastado do olho de água, da gruta com as imagens religiosas. 

Unindo preservação ambiental, práticas e saberes tradicionais, com a qualidade de vida, também poderia ser implementada uma pista de caminhada ou uma academia ao ar livre, um espaço para o reflorestamento de espécies nativas, de plantas medicinais, etiquetando as árvores, abrindo para visitas escolares e contribuindo para que alunos conheçam as espécies botânicas locais. Estas são apenas ilustrações de ações que também seriam condizentes com a finalidade do lugar.

No texto original escrito no blog Vozes do Verbo,  sugeria-se a inserção de uma imagem de tamanho maior ou até real do Monge João Maria, mas como citado anteriormente, está ideia foi concretizada recentemente.

Destaca-se também que em Porto União – SC (divisa com União da Vitória – PR), existe o parque do Monge João Maria, personagem que passou pela região na época da Guerra do Contestado.

Segundo o site “https://turismo.portouniao.sc.gov.br”, o Parque leva o nome de Monge João Maria por ter sido ele uma importante figura do Contestado, estando em Porto União em 1896, fazendo várias profecias e abençoando a água que jorra no pocinho. Em 2008 foi inaugurado o parque que possui mata nativa preservada e passarelas para visitação.

No Município da Lapa – PR, a figura do Monge João Maria também é homenageada. Porém, além da importância religiosa, expressa nas visitações à gruta lá existente, o parque também tem importância geológica, pois há diversas cavernas de arenito, supostamente utilizadas pelo Monge em suas passagens pelo local.

            Segundo o Instituto Água e Terra, desde meados do século XIX até o início do século XX, surgiram ou passaram pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul indivíduos conhecidos como “monges”. Cultivavam barba longa, sandálias em couro cru, barrete (pequeno chapéu), cajado na mão e um terço pendurado no pescoço, vivendo normalmente entre áreas de floresta e grutas.

Entre estes “monges”, três tiveram destaque na região da Lapa e de outras terras do Paraná e de Santa Catarina, promovendo benzimentos, curas, conselhos, em uma época carente de educação, de acesso à saúde e especialmente, marcada por rupturas sociais e políticas.

O primeiro, João Maria d’Agostini, era um imigrante italiano que veio ao Brasil em 1844. Era provavelmente um frei da ordem de Santo Agostinho. O segundo foi Anastás Marcaf, que chegou à Lapa em 1894, durante a Revolução Federalista, intitulando-se “João Maria de Jesus.

Ainda segundo o Instituto Água e Terra, Miguel Lucena de Boaventura foi o terceiro monge. Além do aconselhamento espiritual, benzimentos e curas, como os primeiros monges, ele dava ao povo instrução militar, pois sua passagem está atrelada ao contexto da disputa do Contestado, uma época de forte tensão política e social de nossa história.

Outros municípios também têm locais supostamente visitados pelo Monge ou pelos Monges, especialmente bicas ou nascentes de água, o que demonstra que a História é um processo, integrado com o desenvolvimento social, econômico, com a cultura, com a ocupação do espaço geográfico, enfim, inter-relacionado, e que merece ser melhor compreendido.

Assim como argumentado no texto tratando do tradicionalismo gaúcho no Paraná, sobre a influência do Tropeirismo, das revoltas, dos movimentos sociais, vemos que a história do Paraná é riquíssima. Talvez falte aprofundamento e valorização para reforçar a nossa identidade cultural de paranaense, pois sem dúvida, não somos um povo carente de história. E valer-se dos atrativos turísticos, de lazer, de encontro social, da cultura, da religiosidade, da culinária, é uma interessante estratégia.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo conteúdo, fico realizado que em Rebouças /Paraná acontecem ações concretas pela conservação e preservação de áreas verdes de interesse socioambiental.

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    1. Haverá mudanças na infraestrutura com a construção de complexo esportivo. Esperamos que mantenha a inspiração conservacionista.

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  2. Excelente!! Importantes ponderações que devem ser consideradas pelos administradores públicos.

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