O acesso à moradia nos municípios da mesorregião sudeste paranaense

Política à parte, embora ela permeie praticamente tudo, os dados econômicos e sociais mostram que para boa parte da população, as condições de vida tiveram melhorias, com alguns avanços sociais e econômicos, como na expectativa de vida, acesso à saúde, no nível de escolarização, etc. Porém, a desigualdade social permanece enorme. E se levarmos em conta os anos próximos ao período pandêmico, tivemos retrocessos, inclusive com o retorno do país ao chamado mapa da fome.

Se buscarmos as estatísticas, veremos que nesta fase, o desemprego aumentou em níveis recordes, havendo uma retomada após a pandemia, porém, em trabalhos precários, com menor rendimento e menos direitos. Além de que, com algumas convenientes mudanças nas metodologias estatísticas passou-se a considerar desempregado somente quem busca emprego, desprezando, por exemplo, os desalentados, ou seja, aqueles que desistiram da busca.


Figura 01 - Taxa de desemprego – anos de Jan/2012 a Jan/2023

Sem considerar ainda o grande número de empreendedores por necessidade ( a análise da alta taxa de mortalidade destes pequenos negócios e a informalidade daria um capítulo a parte), além dos chamados “autônomos” cujo renda do trabalho é variável, e muitas vezes incerta, sendo que muitos deles sequer contam a cobertura previdenciária.

Da mesma forma, as estatísticas em geral apontam que o salário teve uma redução significativa, tanto por questões econômicas quanto por questões políticas.

Em 2003, o aumento real foi de 1,46%; em 2004 foi de 1,27% e em 2005, o aumento real foi de mais de 8%. Explicando, o aumento real é a diferença entre o aumento salarial bruto (15,38% em 2005) e a inflação do respectivo ano (6,61% neste caso).

Em 2004 foi instituída pelo governo uma política de valorização do salário mínimo com a anuência das entidades patronais e representantes dos trabalhadores, decorrendo disso um aumento do salário mínimo de 57% nos dois mandatos de Lula.

Segundo Welle, Furno e Bastos, membros do Instituto de Economia da Unicamp, em 2019 (Governo Bolsonaro), a regra não foi renovada, eliminando a política de valorização do salário, ficando o trabalhador não apenas sem auferir ganho real, mas sequer recuperando a perda inflacionária. A perda real de poder de compra do salário mínimo no mandato de Bolsonaro acumulou 1,7%.


Figura 02 - Salário Mínimo Real – anos de Jan/2012 a Jan/2023

Vale lembrar, de acordo com Welle, Furno e Bastos, que o Brasil conta mais de 19 milhões de aposentados e pensionistas dependentes do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), cujo piso de remuneração é o salário mínimo. E muitas destas pessoas são responsáveis não apenas pelo próprio sustento na velhice ou na incapacidade, mas também por prover as famílias ou complementar a renda delas.

Obviamente, há causas contextuais e estruturais, fatores externos, os impactos da pandemia, utilizadas para explicar esta perda de poder aquisitivo do trabalhador; mas também há causas históricas, o contexto do capitalismo que acirra a desigualdade, causas conjunturais, como a inflação de dois dígitos (que não deixa de ser uma decisão parcialmente política), o desemprego, a flexibilização do emprego, que na verdade se resume em ampliação das jornadas, maiores exigências, menor segurança e garantias, ocasionando uma verdadeira precarização do trabalho.

Há ainda as consequências de fenômenos demográficos não tão recentes, mas cujos impactos são amplificados e sentidos atualmente, como a modernização do trabalho agrícola, a absorção das pequenas propriedades (que mais empregam) por grandes lavouras, o êxodo rural e a urbanização crescente das cidades atrelada à falta de estrutura urbana e à especulação imobiliária.

Enfim, são questões culturais, econômicas, demográficas, políticas e ideológicas que fazem um caldo propício para o incremento de crises, da desigualdade, do questionamento da atuação estatal, de ataques aos direitos sociais e trabalhistas, etc. Um caldo complexo demais, impossível de ser explicado plenamente dada a interação de tantas variáveis, algumas mensuráveis e outras de caráter subjetivo, como as decisões políticas e a concepção ideológica das causas e consequências das crises.

Assim, torna-se interessante recortar um dos aspectos mais impactantes e visíveis das condições sociais e econômicas, da desigualdade social, da qualidade de vida, e da dignidade humana: o acesso à moradia.

O acesso à moradia reflete não apenas a melhoria de condições de vida das famílias, mas traz implicações sérias e abrangentes, objetivas e subjetivas, que extrapolam o aspecto individual ou meramente econômico.

Isto desperta a curiosidade de verificar entre os municípios (alguns municípios da mesorregião sudeste paranaense), os quais apresentam maior ou menor déficit habitacional.

Fazendo um adendo, segundo a regionalização seguida pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social - IPARDES, Irati, Rebouças, Rio Azul, entre outros, compõem a mesorregião sudeste do Paraná. Esta classificação é determinada pela Lei Estadual nº 15.825/08 e também adotada pelo IBGE.

Já administrativamente, alguns destes municípios da região compõem a AMCESPAR - Associação dos Municípios da Região Centro Sul do Paraná.

Mas retornando ao foco do texto, obviamente, uma verificação de forma rigorosa, metódica e técnica sobre o déficit habitacional deveria cobrir amplas fontes de pesquisa e inúmeras variáveis correlacionadas. Deveria seguir um critério padronizado de análise para fins de comparação. Porém, uma forma acessível, prática e indireta de se ter uma noção da realidade habitacional na região, poderia se dar utilizando o número de interessados nos programas habitacionais da COHAPAR, cuja listagem é de domínio público.

Obviamente, números absolutos não revelam muito, pois o total de habitantes nos municípios é bastante divergente entre si. O que permitiria esboçar uma análise seria comparar o percentual de interessados em casas de programas habitacionais com a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, por exemplo.

Isso dá uma noção do déficit habitacional, que obviamente, é bem maior, pois muitas pessoas sem casa própria, por razões diversas, podem não estar inscritas em programas habitacionais do governo.

Aliás, é possível também correlacionar o suposto déficit habitacional (que pode ser maior) com fatores como: IDH do município, taxa de urbanização, PIB per capita, entre outras variáveis objetivas, algumas esboçadas neste texto, outras sugeridas, como a desigualdade social (através do índice de Gini, renda per capita, taxa de desemprego, etc.) além de diversos outros fatores mais específicos, como o processo histórico de ocupação e povoamento das cidades, a história do desenvolvimento local, a origem das famílias pioneiras, suas relações políticas, a origem e ocupação dos membros das famílias sem moradia própria, enfim, um trabalho minucioso de pesquisa.

Há de se destacar que o acesso à moradia é um preceito constitucional. Por pelo menos 6 vezes a Constituição Cidadã de 1988 trata literalmente do termo.

No artigo 6º da Carta Magna está estampado que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, entre outros...”

Já o artigo 7º, ao tratar do salário mínimo, define que ele deve ser capaz de atender as necessidades de uma família com alimentação, educação, saúde, lazer e...moradia !

A preocupação do legislador com isso foi expressar que a moradia é mais do que uma projeção de posse (o arcabouço da propriedade privada), de territorialidade e espaço vital, de condição econômica, de status, mas é requisito para uma vida digna, para se ter saúde (viver em condições de salubridade), para se ter segurança (contra o frio, chuvas, enchentes, deslizamentos, contra a violência física, material, simbólica, etc.), para se ter uma identidade. É uma questão tão importante que foge das obrigações e questões exclusivamente individuais.

O artigo 23 da Constituição Federal também revela que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

A precarização habitacional traz seus prejuízos à estética e ao funcionamento urbano. Moradias nas margens de rios, destruindo matas ciliares, promovendo assoreamento, muitas vezes sem saneamento, causam impactos ambientais que afetam a todos.

Casas em bairros sem infraestrutura adequada favorecessem a segregação, a violência, a desigualdade, os descuidos ambientais. Áreas bem estruturadas geram desenvolvimento para toda a cidade, fomentam atividades econômicas, sociais, culturais e de lazer. Atraem pessoas, favorecem o acesso à cidade, permitem a circulação eficiente, a redução de tempos e custos e melhoram a estética urbana.

Moradia é uma questão de identidade individual, de pertencimento (ao lugar) e de justiça social, pois as áreas nobres de uma cidade são bancadas pelos impostos de todos, inclusive daqueles que sequer têm acesso a elas ou usufruem de sua valorização.

E quanto mais famílias são privadas do direito à habitação, mais onerosa se torna esta conquista por meios individuais, pois, como qualquer recurso inserido no sistema de mercado (lei de oferta e procura), a maior demanda gera elevação dos preços.

E nem sempre a elevação dos preços se dá simplesmente porque a demanda é grande em relação à oferta. Muitas vezes, áreas centrais permanecem inutilizadas ou subutilizadas como reserva de valor. O que dizer então de áreas mais afastadas, mas que ao proprietário perceber a tendência de crescimento urbano, espera pela valorização. Em outras palavras, a maior procura promove a especulação.

E isto, em conjunto com demais fatores contextuais, geram as ocupações irregulares, as favelas e outros fenômenos precipuamente urbanos que víamos na TV, e recentemente existem na maioria das cidades. Junto a isso, somam-se os deslizamentos, as enchentes e as áreas onde a ausência do Estado torna a comunidade submissa a poderes paralelos.

A valorização imobiliária alimenta também os juros exorbitantes dos bancos, pois a maioria das famílias recorre a financiamentos de 20 ou 30 anos, o que em paralelo com uma política de juros elevados, típica do Brasil (que apresenta atualmente uma das maiores taxa de juros do mundo) estimula que o problema permaneça sem solução ou que seja considerado como de responsabilidade exclusivamente individual.

Segundo o Estadão (2022), no ranking dos juros mais altos do mundo, estão: Brasil, com uma taxa de 8,16% de juros reais; México, com 5,39%; Chile, com 4,66%; Hong Kong, com 3,12% e Colômbia, com taxas de juros reais de 2,39% ao ano.

Outra consequência deste contexto é a naturalização dos lucros bilionários do sistema financeiro. Segundo a Revista Exame (2021), em uma lista de 107 países, o Brasil perde apenas para Madagascar em spread bancário, ou seja, na diferença entre a receita que o banco tem ao cobrar uma taxa de juros por empréstimos concedidos e os juros que ele paga ao captar o recurso.

E assim constata-se que a moradia gera mais um dos tantos problemas socioeconômicos: o endividamento das famílias.

A justificativa para isso é que no Brasil existe um risco de crédito elevado. No entanto, no que pese isso ser um fato, rotineiramente vemos na mídia os bancos batendo recordes bilionários de lucros mesmo em momentos em que a economia em geral vai mal. Lembrando que o governo paga juros vultosos da dívida pública justamente em virtude destas taxas.

E sendo o sistema financeiro dependente e relacionado com as políticas públicas, não é um assunto apenas de economia de mercado, mas de responsabilidade e atuação estatal.

Além dos problemas de cunho individual, vemos ainda que algumas áreas que poderiam facilitar a circulação e a integração dos bairros se tornam vazios demográficos no coração das cidades, emperrando o desenvolvimento, comprometendo, inclusive, a função social da propriedade ( vide artigo 5º e artigo 170 da CF) ao passo que grande fatia da população, em busca de condições mais acessíveis (embora não baratas), são deslocadas para áreas cada vez mais distantes do centro, o que gera custos e transtornos individuais e coletivos.

Custa ao trabalhador de menor renda a opção de morar afastado ou mal estruturado e custa à sociedade em termos de impactos ambientais e sociais.

A falta de políticas públicas na medida da necessidade social (onde aplicar os recursos, obviamente escassos, é uma decisão difícil) gera um custo que dispersa cada vez mais as famílias para áreas afastadas do centro, consequentemente, do trabalho, da escola, do atendimento médico, dos recursos necessários, gerando outros diversos efeitos negativos.

Figura 03 – Distribuição dos equipamentos urbanos em Irati

A imagem anterior exemplifica, tendo como base Irati, como a distribuição de equipamentos urbanos tende a ficar concentrada nas áreas centrais, fazendo com que a população das áreas periféricas se veja obrigada a se deslocar para usufruir da maioria dos serviços de que necessita rotineiramente.

A imagem a seguir, por sua vez, nos traz a realidade da cidade de Rio Azul. Nela podemos ver que a distribuição dos equipamentos urbanos está espacialmente melhor distribuída na cidade, embora em número menor. Obviamente há de considerar que se trata de uma cidade com menos habitantes, com uma área urbana mais concentrada. De qualquer forma, em escala menor, a situação é a mesma. Uma pequena porcentagem das ruas concentra o fluxo de circulação e de equipamentos.


Figura 04 – Distribuição dos equipamentos urbanos em Rio Azul – PR


Dados da distribuição dos equipamentos urbanos no município de Rebouças não foram encontrados no site. De outros municípios, como de São Mateus do Sul, a escala e a resolução tornaram inviáveis a apresentação impressa. Fica a sugestão ao leitor para visitar diretamente a fonte (Portal dos Municípios), a qual é repleta de materiais e de informações sobre temáticas diversas de todos os municípios.

De qualquer forma, a concentração dos equipamentos urbanos em áreas centrais, ou mesmo, a falta de integração dos bairros com o centro, ou a existência de áreas isoladas, gera transtornos e desigualdades no uso do espaço.

Isto amplia a necessidade do uso de veículos, congestionando vias (exigindo mais investimentos públicos nas áreas centrais), ocasionando acidentes (que por sua vez, trazem danos materiais e físicos, incapacidade, mesmo que temporária para o trabalho, custos e sofrimentos na recuperação, por exemplo), consumindo parte significativa da renda e do tempo do cidadão com transporte.

Ressaltando que o transporte público não atende à demanda na maioria das cidades, questão ainda mais delicada no caso de aglomerados populacionais afastados ou isolados; além de que, meios alternativos como a bicicleta, nem sempre encontram vias fáceis de transitar, a segurança necessária, a velocidade que os horários (escola, trabalho, comércio...), exigem.

Contexto que demanda das pessoas maior tempo (oneroso e improdutivo) em detrimento da vida familiar, da capacitação para o trabalho, de usufruir dos espaços de lazer, de consumo, de cultura, de descanso, etc.

3.1 A NECESSIDADE DE ATUAÇÃO E ORIENTAÇÃO ESTATAL

Por isso, a elaboração de um Plano Diretor adequado e socialmente orientado, que demonstre esta preocupação por parte do Poder Público, é fundamental.

A definição e a criação de loteamentos em áreas estratégicas para o “desenvolvimento urbano democrático”, com preocupação ambiental (extrapolando o mínimo exigido pelas legislações), com facilidade de circulação, com oferta de transporte coletivo, serviços púbicos e privados e demais equipamentos urbanos em um raio de distância adequado, não podem ficar exclusivamente à mercê das decisões e interesses financeiros do mercado imobiliário.

Esta questão social e econômica deve contar com ações do próprio Estado, facilitando o acesso, investindo, fomentando, distribuindo de forma mais equânime as aplicações das receitas tributárias, reduzindo a discrepância entre oferta e procura imobiliária que eleva os preços e alija do direito à moradia, milhares de pessoas nos municípios da região.

Se não há possibilidade de programas de doação, de cessão de imóveis ou mesmo de terrenos, a legislação poderia prever fomentos, subsídios ou outras facilidades em volume compatível com a demanda.

E não apenas isso, investir em infraestrutura nas áreas já ocupadas, tornar estes locais atrativos, seguros, com circulação eficiente, integrados à rede e à dinâmica urbana.

Facilitar a ocupação de outras áreas onde se tenha interesse em urbanizar e desenvolver, entre tantas possibilidades que obviamente devem ser submetidas a apreciação legal, técnica e política.

E neste embate de forças, cabe ao cidadão expor suas necessidades, apontar as falhas, reivindicar. Quem vive a cidade, quem conhece o lugar, embora possa não ter o embasamento técnico ou legal, pode dar o start para projetos que em muito podem contribuir com a coletividade.

Enfim, a moradia não é apenas uma conquista individual, não é apenas um direito utópico do cidadão que quer tudo de graça e um dever cruel imposto ao Estado paternalista. Estado que muitos não criticam quando ele alimenta os lucros bilionários do sistema financeiro, mas o atacam quando ele fomenta o desenvolvimento social que gera melhorias econômicas.

Moradia é condição fundamental para a dignidade humana. É fator relevante na estruturação urbana, na preservação ambiental, na mitigação da violência, da segregação, da desigualdade, promove o acesso às demais políticas públicas e ao viver a cidade de forma plena.

Dentro deste contexto, amplo, complexo e multifacetado, torna-se difícil apontar causas específicas para o problema, e principalmente soluções imediatas, porém, a simples análise dos dados revela que existe um problema a ser considerado nas mais diferentes esferas da Administração Pública (federal, estadual, municipal) e se possível, envolvendo outros atores sociais, pois tanto o problema quanto os benefícios da solução, afetam toda sociedade.

UM OLHAR SOBRE OS DADOS MUNICIPAIS

Ao analisar os dados do cadastro de interessados em moradias pelos programas do governo, percebe-se que o percentual de inscritos em proporção ao número estimado de habitantes (IBGE 2021) é maior em Rebouças, com quase 8% da população inscrita.

Quadro 01 – População estimada x número aproximado de cadastrados na COHAPAR

Esta é apenas uma comparação, o que nos traz uma dúvida: qual o número aceitável de famílias sem moradia em um município?

Esta análise basta para despertar o interesse em conhecer ou ao menos questionar sobre quais os motivos ou variáveis que podem explicar esses dados. Obviamente, trata-se de um fenômeno complexo, que dificilmente seria compreendido com a análise de uma ou poucas variáveis isoladas. Apenas a título de exemplificação, o PIB per capita poderia ser um fator a ser analisado em conjunto.

É preciso destacar, porém, que o PIB per capita expressa nada mais do que o PIB do município dividido pela sua população. Este indicador não considera as desigualdades sociais e a qualidade ou equidade da distribuição de renda.

Cidades muito ricas, por exemplo, podem ter um PIB per capita elevado, mas com grande parcela da população na pobreza e um pequeno grupo concentrando as riquezas.

Analisando os dados do PIB Per capita (IBGE 2019), verifica-se que Inácio Martins apresenta o Menor PIB por habitante, seguido de Prudentópolis e Rebouças.

Ou seja, embora não exista uma correlação forte e direta, os municípios de Rebouças e Inácio Martins têm significativo percentual de inscritos em programas sociais e ao mesmo tempo estão entre os menores PIBs por habitante da lista analisada.


Quadro 02 – PIB Per Capita

Prudentópolis, por sua vez, também tem um significativo déficit habitacional (inferido com base nos dados da COHAPAR), o que se coaduna com o PIB Per Capita relativamente menor. Porém, para não se ter conclusões ou mesmo inferências precipitadas, a análise deveria contemplar muito mais variáveis, com maior profundidade.

É preciso destacar que Prudentópolis, por exemplo, é um município com mais de 52 mil habitantes (o 2º mais populoso da lista), o que pode afetar os dados ou camuflar aspectos relevantes, como a desigualdade, a concentração de renda, o alcance das famílias para fazer o cadastro, etc. Também é um município com grande extensão territorial, de grande vocação agrícola, com mais da metade da população ainda permanecendo na área rural, resistindo ao processo de urbanização já verificado em muitas outras cidades. Este fato pode contribuir para reduzir ou ampliar o déficit habitacional se comparado a uma cidade predominantemente de vocação urbana, ou seja, que passou por um processo mais intenso de êxodo rural.

Pensando nesta suposição, o quadro 03 apresenta o percentual de urbanização dos municípios listados, com base nos dados do Censo de 2010.

Quadro 03 – Taxa de urbanização

Verificar conjuntamente como se deu o processo histórico de urbanização poderia trazer mais subsídios para a compreensão das causas do maior ou menor acesso à moradia e na proposição de medidas para mitigar este déficit.

Seria possível inferir que um município com maior percentual da população residindo na área urbana possa apresentar maiores problemas relacionados à moradia ou à falta de estrutura urbana, especialmente em bairros isolados.

Porém, problemas de moradia também podem ocorrer nas áreas rurais. Normalmente quando as famílias permanecem no campo, em geral, dedicam-se às atividades agrícolas em suas propriedades, nas quais residem. Porém, atualmente, com o processo de modernização da agricultura, as atividades tipicamente agrícolas demandam cada vez menos pessoas.

Dada a falta de perspectiva nas cidades, e ao fato de que muitas áreas rurais começam a ter equipamentos e atrativos caracteristicamente urbanos, estas pessoas podem permanecer no campo, mas trabalhando em propriedades alheias, como caseiros; pode haver filhos que residem na propriedade dos pais provisoriamente, sem moradia própria, enfim, podem ocorrer N situações que podem influenciar na dinâmica residencial no campo.

Outro fator é a facilidade de transporte (vias asfaltadas em muitas localidades, proximidade do centro urbano, baixo custo das motocicletas), que permite que as pessoas trabalhem na área urbana, mas residam com suas famílias no interior, fazendo diariamente um movimento pendular para se dirigir ao trabalho.

Indício desta realidade é que muitas cidades implementaram programas de Vilas Rurais, como a Vila Rural do Marmeleiro, em Rebouças e a Vila Rural do Futuro, na localidade de Riozinho, em Irati. Em Rebouças, a Lei nº 925/2002, define a forma de uso e de urbanização específica do imóvel destinado ao projeto, implementado com participação da COHAPAR.

Uma última abordagem exemplificativa, apenas para ilustrar a complexidade da questão, seria correlacionar o percentual de inscritos na COHAPAR com o IDH-M (índice de desenvolvimento urbano municipal), medido pelo IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social.

Nesta comparação, o município de Inácio Martins aparece em destaque. Ou seja, ele tem um baixo PIB per capita, um significativo percentual de inscritos em programas habitacionais (6,5% da população) e um baixo índice de desenvolvimento.

Ressaltando que embora o IDH-M dos municípios tomados como exemplo não apresente uma forte correlação com o déficit habitacional, ele ajuda a explicá-lo, pois o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, condensa 3 variáveis importantes econômica e socialmente: saúde, educação e renda.


Gráfico 01 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - 2019

Ressalta-se que todos estes municípios, de uma forma ou de outra, têm índices inferiores a 0,75, ou seja, nem um deles é de alto desenvolvimento humano.

Talvez municípios com IDH-M maior apresentem uma redução mais significativa do déficit habitacional. Mas como dito, estas abordagens são suposições que objetivam despertar o interesse, seja de acadêmicos, seja do próprio poder público, para estudos com rigor científico e técnico, e não apenas de caráter reflexivos e opinativos como o presente texto.

A análise do déficit habitacional não pode ser simplista e deve considerar especificidades não apenas econômicas e sociais, mas demográficas (o tamanho absoluto da população, a idade, a ocupação, etc.), a extensão territorial, as vocações econômicas dos lugares, a história e formação do município, até mesmo a topografia tem suas influências.

Cidades que margeiam grandes rios, por exemplo, ou cidades com relevo acidentado, têm uma dinâmica de ocupação diferente de uma cidade plana, de uma cidade próxima a áreas de preservação ambiental, próxima de grandes projetos (hidrelétricas, mineração), litorâneas, etc.

Um estudo mais abrangente poderia, por exemplo, detectar variáveis que expressam o porquê da alta valorização imobiliária em algumas cidades, apesar do cenário de desemprego, de queda na renda. Além de que, déficit habitacional e valorização imobiliária em parte se retroalimentam (não basta haver casas disponíveis e pessoas sem moradia, se não houver renda ou programas de aquisição...)

Poderia ainda expressar quem são os interessados em programas habitacionais (qual a formação, a formação dos pais, são naturais do município ou oriundos de processos migratórios, fazem parte de famílias que passaram pelo êxodo rural, têm emprego formal, entre outras indagações que podem dar visibilidade a estas pessoas e explicar as causas do déficit e apontar as melhores opções de mitigá-lo).

Além de que, há diversas famílias sem residência que por N razões podem estar fora de cadastros públicos. Quem são elas ? Qual o perfil ? Por que não realizaram o cadastro ? É preciso que os municípios, que é o lugar onde elas vivem, conheçam estas famílias para entender melhor o fenômeno da demanda habitacional e suas consequências no meio urbano.

Todas estas análises não têm a pretensão de explicar um fenômeno tão complexo e multifacetado, de influências históricas e também recentes, afetado por questões ambientais, sociais, econômicas e políticas. Mas pode sim servir de insight para que estudos rigorosos analisem não apenas o problema, mas apontem soluções que possam ser efetivamente implementadas pelo Poder Público nas mais diferentes esferas.

Como estabelece a própria Constituição, a moradia é um direito do cidadão e um dever do Estado. E mais, a Constituição garante os valores que a moradia proporciona, como a saúde, a proteção e a segurança, a dignidade da pessoa humana. O acesso a ela contribui para o desenvolvimento social e econômico e para a qualidade de vida de forma global. Trata-se de uma questão social (e não só) fundamental, que deve fazer parte da visão de cidade e de sociedade que almejamos.

Quadro Resumo comparativo dos municípios

O quadro resumo anterior ao apresentar diversas variáveis estatísticas, pode contribuir para que o leitor tire suas próprias conclusões, e se possível, contribua, inclusive na forma de sugestões ao Poder Público, para mitigar ou melhorar uma questão importantíssima sob o prisma social, econômico, urbanístico, e humano, pois moradia é condição básica e necessária para a subsistência, para a dignidade, para a identidade pessoal.




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