A Pressa na sociedade atual: Uma reflexão sobre a ansiedade e a ditadura do tempo em nossa qualidade de vida

Não precisamos de muito esforço, ou melhor, de muito tempo de observação, para percebermos que a pressa é uma característica quase onipresente que permeia diversas esferas da vida humana e está presente em praticamente todos os comportamentos da nossa vida profissional e pessoal.

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da-perfeicao/
A sociedade moderna, impulsionada pelo avanço tecnológico e pela busca incessante por eficiência, está cada vez mais imersa em um ciclo frenético de atividades, onde o tempo tornou-se um recurso escasso e valioso. Não é à toa, que já em 1748, basicamente no início da Revolução Industrial, a frase tempo é dinheiro foi proferida supostamente por Benjamin Flanklin e se tornou uma máxima, especialmente na esfera corporativa.

Obviamente, tempo não é dinheiro. O tempo tem um valor intrinsicamente relacionado com a vida humana, sendo, portanto, muito mais valioso, imensurável em termos monetários, e irrecuperável. Podemos dizer que no contexto de nossa existência, tempo é vida.

Paradoxalmente, enquanto as facilidades tecnológicas proporcionam supostas economias de tempo, nos liberando para "outras atividades", observa-se uma tendência preocupante de perda de detalhes, consequentemente gerando (se é possível estabelecer esta relação de causa e efeito) ansiedade e uma espécie de ditadura imposta pelo relógio.

Na chamada ditadura do relógio, que nos remete ao contexto produtivo, com os apitos das fábricas ditando a hora de levantar, de iniciar a jornada, de descansar e de voltar para a casa, a situação tinha limites mais precisos. Hoje, podemos dizer que estamos além da ditadura do relógio, pois não se tem mais horas definidas para iniciar a jornada, tampouco para parar. O relógio não é mais suficiente para monitorar o ritmo frenético da vida. Não existe hora definida para quase nada, tudo é urgente. Deitados, com nossos celulares, estamos fazendo algo, ou pessoal, ou profissional, ou passando o tempo que não temos...ou melhor, que poderia ser aplicado em outras funções (inclusive descansar, dormir, cultivar a afetividade na família, se relacionar sem esta mediação, etc.)

É inegável que a tecnologia trouxe inúmeras comodidades à vida contemporânea. Acesso instantâneo à informação, comunicação facilitada e dispositivos que agilizam tarefas cotidianas são apenas alguns exemplos desse avanço. No entanto, paradoxalmente, à medida que essas facilidades aumentam, parece que o tempo disponível diminui. A ansiedade crescente em relação ao tempo e a necessidade de cumprir múltiplas tarefas em prazos cada vez mais curtos têm se tornado uma realidade comum.

Uma das manifestações mais evidentes dessa cultura da pressa é a tendência das pessoas em consumir informações de forma fragmentada.

Pesquisas recentes, como o estudo conduzido pela Pew Research Center (Smith, 2021), indicam que a maioria dos indivíduos tende a ler apenas manchetes ou resumos de notícias, em detrimento da leitura completa de artigos. Da mesma forma, há uma crescente preferência por músicas curtas e a prática de ouvir apenas trechos de canções, conforme evidenciado por dados de plataformas de streaming de música (Pedro Henrique Moschetta - Música na era do streaming, 2022.)

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A aceleração do ritmo de vida também se reflete no âmbito da literatura. Observa-se uma diminuição no hábito de leitura de obras extensas, sendo substituídas por resumos, textos mais breves e de leitura rápida, como posts em redes sociais e artigos de opinião. Esse fenômeno, apontado por estudos como o realizado por Liu e Wei, entre outros que tratam dos hábitos de leitura digital, sugerem uma mudança no comportamento das pessoas, com uma preferência por conteúdos mais concisos e de fácil consumo. Não é absurdo afirmar que muitas vezes as pessoas se informam através de imagens da internet, com alto grau de interpretação subjetiva, inclusive, acreditando em memes. A área política é um campo vasto de exemplos do poder da imagem (recortada) no convencimento e na manipulação.

No que tange à comunicação interpessoal, a pressa também se faz presente. Mensagens de texto são frequentemente enviadas e recebidas de forma apressada, levando muitas vezes à interpretação equivocada devido a erros, falta de pontuação, falta de contexto (sem falar que a comunicação escrita, pela falta de entonação  por si só pode levar a impressões erradas). O recurso de acelerar áudios em aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Telegram, é outro exemplo da necessidade de otimização do tempo, mesmo que isso signifique comprometer a qualidade da comunicação.

Além disso, a pressa se estende ao modo como nos deslocamos. O aumento da velocidade dos veículos e o desenvolvimento de infraestruturas voltadas para a mobilidade rápida são reflexos diretos dessa cultura da urgência. O tempo gasto no trânsito tornou-se um fator limitante na vida das pessoas, levando à busca por soluções que permitam deslocamentos mais rápidos, como o uso de veículos mais velozes (ou com vias que facilitem a agilidade) ou o investimento em sistemas de transporte público de alta velocidade, principalmente em países desenvolvidos e inseridos na liderança do contexto capitalista.

A tendência ao minimalismo, por sua vez, pode ser interpretada como uma resposta a essa cultura da pressa e do excesso. Inclusive, vem como uma reposta ou até mesmo um ataque ao consumismo. Movimentos como este buscam simplificar a vida, eliminando o supérfluo e priorizando o essencial. No entanto, é importante notar que embora o minimalismo possa parecer uma forma de resistência ao consumismo desenfreado e ao sistema capitalista, ele também pode contribuir para a homogeneização e a perda de detalhes, tanto na esfera material quanto na cultural, e ao final, tem como um de seus resultados,  a economia de tempo, ou seja, o mesmo  objetivo que paradoxalmente todo o aparato tecnológico tem.

No contexto da arquitetura e do design de interiores, por exemplo, o minimalismo muitas vezes se traduz na eliminação de elementos decorativos e na adoção de ambientes impessoais e padronizados. Embora essa abordagem possa proporcionar uma sensação de ordem e organização, também pode resultar na perda da individualidade e da identidade dos espaços, tornando-os intercambiáveis e carentes de personalidade.

A pressa na era moderna é uma realidade complexa e multifacetada, que se manifesta em diversas esferas da vida humana. Embora as facilidades tecnológicas tenham prometido economizar tempo, paradoxalmente, parecem ter contribuído para uma sensação de escassez temporal. 

A tendência à fragmentação da informação, a aceleração do ritmo de vida e a busca pela praticidade e eficiência são reflexos dessa cultura da urgência, que impõe uma ditadura não mais do relógio, mas psicológica e sociológica sobre nossas vidas, de modo que sequer é preciso um apito, um relógio ou qualquer instrumento material de controle para nos induzir. Vide que no setor produtivo termos como capatazes, supervisores, fiscais, estão praticamente obsoletos. O próprio "tempo", a própria necessidade transcendental de eficiência, de produtividade é supra instrumento de controle.

Diante desse cenário, cabe questionar até que ponto estamos dispostos a sacrificar os detalhes, a qualidade de vida e a nossa própria humanidade em nome da suposta eficiência, ou mais, de estarmos conectados a tudo, porém, de forma fluída, superficial e vazia.

E eis mais uma contradição. Diante de tanta pressa, e tanta correria, as pessoas e não estão fisicamente ativas. Vemos um crescente aumento no número de academias, de pessoas procurando parques, fazendo atividades. Porém, ao longo do dia, justamente em decorrência da conexão e da tecnologia, passam o dia de forma sedentária. Embora possa ter ocorrido melhoras nas estatísticas, ainda, em torno de 40% da população adulta não é adequadamente ativa.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sedentarismo é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, obesidade e alguns tipos de câncer.

Além do sedentarismo, a pressa e a hiperconexão também impactam na saúde mental. O constante bombardeio de informações, a necessidade de estar sempre online e a superficialidade das interações nas redes sociais podem levar ao aumento do estresse, da ansiedade e da depressão, conforme matéria no Jornal da USP. E toda esta exposição pode levar ainda à superficialidade das relações interpessoais e à perda de valores fundamentais, como empatia, solidariedade e compaixão, em última análise, afetando a coesão do próprio tecido social das comunidades e grupos.

Diante deste contexto, embora estejam inseridas no bojo do sistema, as caminhadas, sobretudo na natureza, podem contribuir para mitigar alguns destes efeitos nocivos do atual modo de vida, como por exemplo:

Redução do Estresse e Ansiedade: Estudos têm demonstrado que a exposição à natureza pode reduzir os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, e promover uma sensação de calma e relaxamento. As caminhadas na natureza oferecem um ambiente tranquilo e sereno, que pode ajudar a aliviar a ansiedade e a tensão acumuladas no dia a dia.

Melhoria do Bem-Estar Mental: O contato com a natureza está associado a uma melhoria do humor, aumento da autoestima e redução dos sintomas de depressão. A beleza natural dos ambientes ao ar livre e a sensação de conexão com algo maior do que nós mesmos podem trazer uma sensação de propósito e significado à vida.

Estímulo à Atividade Física: As caminhadas na natureza proporcionam uma forma agradável e acessível de praticar atividade física, contribuindo para a melhoria da saúde cardiovascular, controle do peso corporal, fortalecimento muscular e aumento da resistência física.

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