A Educação Pública vem sofrendo ataques ideológicos há tempos, tendo como principal argumento a suposta busca pela qualidade e eficiência.
Em outras palavras, implantando na Educação um parâmetro qualitativo do mercado e não de uma atividade biopsicossocial, cultural, antropológica, formativa, ou qualquer outro dos N possíveis conceitos sociológicos que tentam explicar área tão abrangente e importante, mas de forma alguma, a Educação pode ser limitada, contida, restringida ou explicada por parâmetros empresariais, materiais ou puramente quantitativos ou até mesmo financeiros.
Neste contexto, o discurso vigente em nível nacional é de que a Educação e seus trabalhadores (e de certa forma, os servidores públicos em geral) são responsabilizados pelo excesso de gastos públicos com pessoal, esquecendo o peso dos cargos políticos e dos ocupantes de assentos do alto escalão dos poderes.
Soma-se ainda que muitos atribuem a este estrato a culpa pelas deficiências pedagógicas dos alunos. Ignora-se assim, que o aprendizado é uma questão complexa. Que não basta a boa vontade do professor, mas é necessário recursos (materiais, tecnológicos, tempo, formação, investimentos...) e know-how em todo sistema educacional, além de investimentos em políticas públicas eficientes na área social e econômica, pois estas afetam de modo inter-relacionado os resultados educacionais, e ainda considerar nesta equação as condições para participação das famílias no processo.
Alunos oriundos de famílias com melhores condições socioeconômicas, inegavelmente terão maiores facilidades de obterem bons resultados em suas avaliações (embora pedagogicamente, este processo tenha críticas por não considerar a amplitude do processo de ensino e aprendizagem).
Logo, o acesso à Educação ao mesmo tempo que reduz a desigualdade, depende desta redução para ser a mola propulsora do desenvolvimento social e econômico tão alardeado nos discursos superficiais, mas que tem o condão de mobilizar com grande potência a opinião pública. Enfim, a Educação está inserida em um contexto social, político, econômico, demográfico, cultural, etc. que lhe afeta e que é afetado por ela. (Sempre chamo a atenção em meus textos para o caráter dialético e sistêmico dos fenômenos e fatos sociais).
Com relação aos gastos com pessoal, ignora-se que embora os professores sejam uma categoria volumosa, os salários, em geral, são menores que os de outras profissões de nível superior. Soma-se ainda que no famigerado gasto com pessoal, criticado e repercutido pela mídia, estão inclusos cargos do alto escalão, indicados politicamente, entre outros que não estão diretamente na linha de frente do processo.
Destaca-se que no Brasil, a classe política eleita representa um verdadeiro exército de pessoas (segundo a colunista Ana Maria Dalsasso, em torno de 70 mil), fora seus auxiliares, com salários, benefícios, recursos e uma boa estrutura a seu dispor, as quais. em regra, quem está no front não possui.
Entre os ataques que a Educação vem sofrendo, está o chamado desmonte, lento, porém gradual. Professores concursados que se aposentam ou se afastam são substituídos em grande parte por contratados, os quais, sendo temporários, não têm uma relação de continuidade que permite o aperfeiçoamento e o desenvolvimento na carreira, nem o sentimento de pertencimento à classe. Não há, assim, um projeto de longo prazo para a Educação.
Segundo a APP Sindicato, de cada 10 professores, 4 são contratados. Diversos estudos apontam para os aspectos negativos da composição de quadros docentes com profissionais temporários, entre eles, a falta de formação específica na área, impactos sobre as condições de trabalho, o que se reflete até mesmo nos aspectos físicos e psicológicos.
Segundo a revista Nova Escola, ainda em 2018, quase 70% dos professores já precisaram se afastar por problemas de saúde. Reforçando as bases ideológicas para o desmonte da Educação, recentemente adotou-se o discurso da Educação Domiciliar, a qual recebeu inúmeras críticas que não caberia discorrer aqui, entre elas, a de partir do pressuposto de que todas as famílias têm condições materiais e pedagógicas de repassar os conteúdos, além de que estariam privando do convívio e das interações sociais as crianças justamente na idade onde há o maior desenvolvimento intelectual, motor, psicossocial, etc.
Inclusive, em um discurso absurdo e enviesado, virou jargão nas redes sociais acusar as escolas de doutrinação, justamente pelo fato delas serem um lugar aberto aos conhecimentos e ideias, contrário aos preconceitos e discriminações, de convívio com o diferente, onde as visões distorcidas, preconceituosas e restritas são mitigadas.
Em muitas áreas, adota-se uma estratégia sutil, mas ardilosa, de convencimento e de cristalização de uma imagem inverídica, distorcida, que atende a determinados segmentos ou nichos, sobretudo poderosos econômica e politicamente. De início, ataca-se algo relativamente inofensivo. Algo que passa pelo crivo crítico da sociedade sem despertar a atenção. Com isso, gera-se aceitação e se naturaliza esta realidade ou ideologia. Na sequência, avança-se mais um degrau, ganhando terreno perante a opinião pública. E por fim, dão o golpe final, enquanto a sociedade, inerte, assiste a perda de direitos e a deterioração das condições socioeconômicas, trabalhistas, enfim, a perda de direitos históricos básicos e a própria noção de classe social, muitas vezes, apoiando tal opressão contra si própria.
É analogamente semelhante à fábula do sapo mergulhado na água. Se ele cair na panela com água quente, ele sente a pele queimando e rapidamente salta para fora. Porém, se ele for mergulhado em uma água que gradualmente vai se aquecendo, ele morre por se dar conta tarde demais.
No Paraná, por exemplo, na esteira das políticas (neo)liberais, privatistas e entreguistas, que favorecem a barganha politiqueira de cargos ou vantagens e o apoio de setores econômicos, o Governo Estadual, dando continuidade à sanha de experiências privatistas, lança o edital para um projeto piloto que visa entregar colégios públicos para a iniciativa privada.
De início, diziam que seriam entregues apenas os colégios que auferiram baixo IDEB (como se isso fosse resultado ou culpa exclusiva dos colégios e não fracasso das políticas públicas como um todo. Inclusive, é bom salientar que muitos dos colégios com baixo IDEB provavelmente atendem alunos de áreas periféricas, população pobre, com IDH menor e maior desigualdade, enfrentam falta de recursos, deficiência nos quadros funcionais, entre outras questões que só uma análise específica poderia dizer. Atualmente, sequer se pode afirmar que haverá tal seleção para justificar quais colégios serão entregues. Todos são alvo, inclusive aqueles bem conceituados, ou seja, a maioria, já que o próprio governo estadual se vangloria do Paraná ter uma Educação Pública de qualidade excepcional.
Isso abre as portas para que futuramente mais escolas e colégios sejam negociados. Como se trata de uma política fantasiada de ares de modernidade e eficiência, a tendência é que sem o repúdio social, outros entes tendam a adotar medidas semelhantes. Normalmente, o que ocorre em níveis macro, vão sendo replicados em nível micro ou local.
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Também é preciso ressaltar que a escola pública é composta de diversas instâncias que garantem a gestão democrática e a participação nas decisões, na fiscalização e no controle pelos diversos segmentos sociais, especialmente ligados à comunidade escolar, o que muito provavelmente se perderá com uma gestão privada das entidades. Mesmo que estas instâncias, como APMF’s (que inclusive voluntariamente auxiliam na manutenção de muitos colégios), Conselhos Escolares e outras permaneçam na letra da lei, qual será seu poder prático ?
A função do Estado ao investir na Educação Pública, assim como na Saúde, e em outras áreas essenciais, não é obter lucros ou buscar a eficiência de mercado. O retorno do investimento estatal está na geração de valor para a sociedade.
Ao dar Educação Pública se está formando a massa de cidadãos críticos, a força de trabalho, os cérebros que irão desenvolver tecnologias, inovações, fazer ciência...E com isso, toda sociedade, inclusive os setores econômicos, lucram com este contexto de desenvolvimento.
E percebam que a janela do discurso (Janela de Overton) vai se ampliando. Iniciou-se defendendo a privatização, terceirização e entrega de atividades meio, não essenciais, em áreas não tão relevantes socialmente. Depois miraram áreas de atuação nobre do Estado, como Saúde e Educação, porém, atingindo funções ditas não essenciais, e agora dão mais um passo rumo a entrega total e privatização absoluta. O que estamos vendo é a destruição da função social do Estado, mais especificamente, das políticas públicas voltadas para atender o social, como a Educação e a Saúde.
A sociedade vê os direitos registrados na CF/88, que custaram décadas de reinvindicação e lutas, serem relativizados e solapados. Os trabalhadores, em nome de uma suposta flexibilização, perdem direitos, beneficiando apenas o capital, enquanto são cada vez mais precarizados.
E enquanto alguns membros da própria classe trabalhadora, iludidos ou convencidos das vantagens, acha nobre, ético e racional abrir mão dos próprios direitos em nome de uma suposta vantagem (social, individual ?, não consigo entender !) , na realidade a estrutura estatal serve de arranjo para acordos politiqueiros e barganhas com setores econômicos que tendem a lucrar e concentrar cada vez mais renda e poder, colocando o argumento da eficiência e da vantagem social por água abaixo.
Na verdade, cada vez mais, fica nítido que o Estado em vez de ser uma construção e uma estrutura social e política voltada para atender ao povo, é usado para ser instrumento de poder político e econômico em benefício de grupos que tentam se perpetuar no poder, usando argumentos e estratégias alienantes, manipuladoras e eficientes a tal ponto de ganhar a simpatia do próprio oprimido.
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Uma sociedade capaz de defender um Estado justo para o trabalhador, para a população que representa a massa social e que não compre ideias que beneficiam grupos já poderosos e que priva quem mais precisa do pouco direito efetivo e material que possui.
Uma sociedade que não compre ideias que no final as prejudicará como quem compra uma mercadoria (cigarro, por exemplo), convencido pelos altos investimentos dos grupos econômicos em marketing, utilizando as mais modernas estratégias psicológicas que o dinheiro pode pagar.
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