Pelo Direito da Criança Ficar Longe da Família ? A Demagogia Política, o Papel da Educação e seus limites

Normalmente, determinados fatos ou mudanças geram polêmica no meio social local. Horário do comércio, enfeitar a cidade para o Natal, obras inacabadas, entre outros temas, já foram debatidos. 

Algumas vezes de forma objetiva, com vistas a se chegar em ponto de convergência, outras vezes os temas são carregados de opinião, de ideologia, de interesses individuais, e somente se reforçam os pontos de divergência ou polaridade.

Atualmente, estas discussões ganham espaço nos diversos grupos de redes sociais (facebook e agora whatsapp e outros). É inegável que estes grupos têm determinado perfil ou tendem a ter um lado ideológico ou político. Afinal, a tendência é que os membros, embora não em sua totalidade, se unam por familiaridade de interesses, Além disso, sempre tem membros mais ativos que conduzem as discussões.

Em um destes grupos percebi, e isso é subjetivo, uma postura quase sistemática de oposição ao atual governo municipal. Isso, por si só, não é um problema — a crítica construtiva é parte do processo democrático, é um direito assegurado legalmente, talvez, sociologicamente um dever. 

O problema está no viés constante e na falta de integridade ou coerência intelectual. Parece que nada que venha da gestão atual será considerado positivo, mesmo que coincida com ideias que, em algum momento, os próprios críticos já defenderam. Alguns expressamente dizem que fazer algo bom não passa de obrigação, embora o que é bom seja algo subjetivo e dependa do ponto de vista, situação ou interesses do indivíduo ou grupo que avalia. Além disso, muitos problemas são históricos e não foram cobrados no passado com a mesma contundência.


Creio que com a popularidade das redes sociais e dos debates políticos virtuais nestes ambientes,  inibe
-se a empatia, talvez pela falta de contato "olho no olho" e facilita-se um discurso mais incisivo. E qualquer pauta que possa gerar 
algum incômodo público, qualquer frase, foto, ação, respiração...tudo vira munição para embates politiqueiros — e não para o debate de políticas públicas de verdade.  E neste caso, cito a realidade em geral, não apenas local. 

Mas entre os exemplos locais, me despertou a atenção o caso recente dos horários dos CMEIs.

Objetiva e resumidamente falando, os CMEIs são centros municipais de educação infantil, e como tal, sujeitos às leis da Educação, como a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9394/96), por exemplo. Por envolver o tratamento com crianças, estão sujeitos aos ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente, além das leis do magistério e da carreira dos profissionais, entre outros diplomas legais, inclusive a Constituição Federal de 1998. E entre as ordens emanadas pela lei, está que o horário de permanência da criança é deve ser compatível não apenas para satisfazer a necessidade dos pais trabalharem, mas critérios pedagógicos e de convivência familiar.

Por exemplo: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB nº 5/2009, se vigente ainda) estabelece em seu artigo 9º que para as instituições que atendem crianças em tempo integral, a jornada deve respeitar o tempo máximo de 10 (dez) horas diárias, não devendo ultrapassar esse limite, por se tratar de instituição educacional e não assistencial.  A legislação veda a permanência da criança por mais de 10 horas, e considera fundamental respeitar os direitos da criança ao descanso, convívio familiar e tempo livre.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) diz, em outras palavras, em seu artigo 4º que a educação infantil deve ser compatível com o direito à convivência familiar, e não substituir a família. A escola não pode ser usada como local de guarda ou abrigo de crianças ou solução para ausência de rede de apoio familiar.

Infelizmente, professores e educadores acabam arrastados para o meio dessa retórica. Tece-se crítica que acabam, por associação, afetando todos os servidores. Discursos demagógicos e enviesados sobre impostos, cidadania e uma série de má interpretações vem à tona. Mas a discussão não deveria ser sobre agradar ou desagradar professores. Trata-se, acima de tudo, de uma questão legal e pedagógica. Uma questão séria cuj solução precisa de um debate maduro, envolvendo todos os atores envolvidos, como a Educação, mas também a Assistência Social, as empresas, seus horários, o papel da família, etc. Mas muitas vezes busca-se culpados e não a solução.

É curioso ver que os mesmos que fiscalizam com tanto rigor a administração pública, em certas ocasiões defendem, como “solução”, justamente medidas que contrariam o que a lei estabelece. A legislação educacional não é desenhada por acaso. Ela leva em conta o desenvolvimento da criança, o papel da família, os limites da escola pública, os custos (arcados pela sociedade), e a viabilidade do trabalho pedagógico.

Não se trata de negar a necessidade de apoio às famílias. Mas é preciso reconhecer que a escola não pode — e não deve — suprir todas as ausências e lacunas geradas pelas exigências do mercado e pelos empecilhos  familiares. A quem interessa empurrar tudo para o colo da escola pública? Quais os efeitos disso na qualidade do ensino ? Nos investimentos públicos ? na formação destas crianças ?

A crítica ao cumprimento do horário legal dos CMEIs parece ignorar que ampliar esse tempo exige estrutura, recursos e, acima de tudo, respeito à legislação — que, inclusive, prevê o direito à convivência familiar como essencial para o desenvolvimento das crianças. Estamos falando de formação humana, não apenas de guarda institucional.

E se tantas famílias estão hoje empregadas, é sinal de que há geração de empregos — o que contraria a velha cantilena ideológica de que o país estaria parado e que programas sociais desestimulam o trabalho. 

Não dá para usar discursos contraditórios conforme a conveniência política do momento.

A Educação Pública não pode ser moldada unicamente por pressões externas. Ela deve seguir princípios legais, pedagógicos e humanos. E, convenhamos: se a escola pública não agrada, existem alternativas na rede privada. Mas aí, curiosamente, muitos reclamam que o salário não é suficiente. O mesmo salário que acham “demais” quando é pago a um professor concursado.


É preciso reconhecer que a responsabilidade sobre a criação dos filhos não é só do Estado. Planejamento familiar, rede de apoio e organização social são parte dessa equação, além da família, obviamente. É cômodo apontar o dedo para o Estado, para a Educação, para a Escola, para o professor e para o servidor público, enquanto se terceiriza tudo — da educação à responsabilidade.

O brasileiro enaltece tudo que é privado, mas quando se trata de algo precioso como os filhos, espera-se que a solução venha do Estado.

Por fim, debater exige mais do que opiniões prontas. Exige disposição para ouvir, compreender o contexto e buscar equilíbrio. Exige buscar informações, querer verdadeiramente a objetividade e imparcialidade. Implica ouvir quem entende e saber que nossas opiniões são opiniões e não verdades absolutas.

Infelizmente, o que vemos quando se trata de política é o uso de temas sensíveis como palanque. Diante deste contexto, talvez mais valha o silêncio do que fazer parte de um barulho sem propósito, ou com propósito que não é necessariamente, ou não somente, a finalidade social.

Nenhum comentário:

Postar um comentário