Fonte: https://projetocolabora.com.br/ods4/ desmotivados-com-a-carreira-professores- abandonam-a-sala-de-aula/ |
Essa narrativa ainda circula com força nos discursos públicos, sindicais e acadêmicos, e sobretudo nas salas de professores; mas talvez esteja na hora de confrontarmos essa visão sob nova luz: com dados, contexto, exemplos e, sobretudo, coragem de questionar esse discurso quase bíblico.
⏳ De charrete à era digital: o salto estrutural da profissão
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Professores limpavam salas, cozinhavam a merenda, lecionavam para turmas multisseriadas, moravam em cômodos improvisados nas escolas da zona rural e, não raramente, se deslocavam precariamente, encalhando em dias de chuva, e até usando meios próprios como charrete, como o exemplo da minha mãe, para chegar ao trabalho.
Hoje, esse cenário é completamente outro: há uma legislação protetiva, piso nacional, aposentadoria diferenciada / especial, suporte técnico e administrativo em todas as esferas.
Há ferramentas tecnológicas pedagógicas e de gestão. Contam com estrutura de apoio à aprendizagem e à inclusão. Coisas básicas, como material escolar, merenda, livros, eram luxo e hoje são o básico.
E mais: o aluno com dificuldades hoje conta com atendimento especializado, equipe multidisciplinar, acompanhamento pedagógico e, muitas vezes, assistência social às famílias. Situações que no passado recaíam exclusivamente sobre os ombros do professor, agora são compartilhadas e institucionalizadas.
A discrepância de idade dentro das turmas, antes comum, praticamente desapareceu nas escolas regulares. A organização escolar está mais racional, e o professor, hoje, é parte de uma rede de suporte — e não mais o único responsável por tudo. Inclusive, tem direito a voz na gestão democrática.
📉 A realidade salarial: entre a estabilidade e benefícios
A retórica do “professor mal pago” precisa ser ressugnificada. A remuneração de um professor da rede pública estadual no Paraná, gira aproximadamente entre 6 a 13 mil. Até mesmo na rede municipal, o menor salário, obedecido o piso nacional, é mais de 4867,00. Na rede federal, os valores são ainda maiores.
Esses valores são compatíveis ou superiores aos de diversas profissões de nível superior, como enfermeiros, psicólogos, contadores, analistas administrativos, entre outros. E isso sem contar: estabilidade por concurso público; calendário com até 60 dias de recesso/férias ao ano; aposentadoria especial, hora-atividade para planejamento e correções de 1/3 da carga horária; profissional de apoio para os casos que a lei define, etc.
🧠 Qualificação teórica não basta: é preciso aplicação prática.
Nos últimos anos, houve uma explosão de cursos de pós-graduação, formações e certificações. Muitos professores acumulam títulos — não para aprimorar a prática, mas para progredir na tabela salarial. A qualificação teórica virou um ritual burocrático, descolado da sala de aula. O objetivo nem sempre é aprender e aplicar, mas somar horas e progredir na carreira. O saber pedagógico se tornou discurso, não ferramenta.
Basta citar que muitos professores dependem de auxílio de estagiários ou servidores administrativos para atividades básicas, como formatar um texto ou operar equipamentos tecnológicos, como data-show ou tv. Isso indica a necessidade de uma qualificação contínua efetiva e aplicada à prática, o comodismo ou obsoletismo, o que geralmente em outras profissões exige-se, com mais intensidade esta atualização. E isso é crítico em épocas de informatização tanto dos recursos pedagógicos quanto das tarefas burocráticas de apoio e gestão. Segundo a Gazeta do Povo, no link acima, mesmo quando há recurso tecnológico disponível, o professor impõe resistências quanto ao uso.
Com relação aos concursos públicos, especialmente em nível municipal, dada a alta demanda, as notas de corte se mostram baixas. Convoca-se até os últimos classificados, gerando o alerta de que os cursos não qualificam adequadamente, ou há baixa atratividade pela carreira, quando profissionais melhor preparados estão em outras áreas ou redes de ensino, o que reforça a necessidade de uma qualificação continuada realmente efetiva e que compensa eventuais lacunas na formação.
O professor precisa aplicar aquilo que aprende e, acima de tudo, rever sua postura profissional. Hoje, o traço cultural mais marcante da categoria é a lamúria e a reclamação. Humoristas fazem sucesso na web focando nesta marca registrada. A queixa se institucionalizou. Reclama-se de tudo: aluno, família, governo, sociedade, clima, calendário, da escolha acadêmica e profissional...
Mas talvez o caminho da valorização comece dentro: quando o próprio professor tiver orgulho de sua profissão e perceber a grandeza da missão que exerce. Quem sabe o reconhecimento social ou simbólico e, por consequência, o retorno material (não só em termos salariais, mas estruturais) será o resultado, e não eterna reivindicação.
Porque o que enobrece a profissão não é o conforto, mas o desafio.
🛑 Blindagem ideológica ou compromisso com a excelência?
Talvez este texto seja mal compreendido. Mas destaco que ele não é personalíssimo. É o olhar sobre uma visão geral e socialmente aceita. Porém, críticas são tratadas como ataques. Cobrança é tida como desvalorização. Essa blindagem emocional transformou o ambiente docente numa redoma em que qualquer autocrítica é traída como deslealdade.
Enquanto isso, quem busca fazer diferente, inovar, evoluir é frequentemente desencorajado pelo ambiente de apatia. A mediocridade dos resultados sempre é culpa do sistema, da estrutura, do currículo. Nunca há uma autoavaliação ou uma consciência de que a docência é uma escolha e não um carma.
Não se está desconsiderando que existem problemas estruturais, turmas superlotadas em algumas redes, até violência contra o professor por alunos ou pais, pressões e metas. O adoecimento. do professor seria um capítulo a parte, envolvendo questões físicas (como problemas de voz, etc.) e psicológicas (esgotamento, ansiedade, estresse, burnout, etc). Mas também não se pode, a partir destes problemas que precisam ser resolvidos sistemicamente, justificar todos os demais ou não fazer uma avaliação mais crítica, neste caso, da profissão, e não necessariamente do sistema escolar.
Até mesmo o adoecimento, não necessariamente o físico, mas o emocional, pode ter como uma das causas, este ambiente ou clima de descontentamento e reclamações constantes.
✅ Valorizar é exigir. E a excelência realmente é difícil e um desafio.
Pesquisa da CNTE aponta, e a realidade confirma que há uma progressiva diminuição do ingresso de profissionais na área de educação. A entidade estima que daqui a 10 anos, aproximadamente, o País irá sofrer com a escassez de docentes, fato que já se observa nas disciplinas de Física, Química, Matemática e Biologia. Os baixos salários são, segundo a CNTE, uma das principais justificativas para o desinteresse dos jovens. Mas será que esta cultura de reclamação e de colocar a profissão como sinônimo de sofrimento não seja a verdadeira causa ? Afinal, nem mesmo um salário atrativo é suficiente para compensar uma profissão tão desgastante, sofrida, mal reconhecida, que adoece, etc.
Talvez este próprio contexto de reclamação constante, que pode contribuir para um clima laboral ruim, também seja causa do adoecimento. E mais, pode ser a causa para que novos profissionais não sintam atração pela carreira docente.
Valorizar o professor não é colocá-lo no altar, mas tratá-lo como profissional sério, capaz, responsável e comprometido. A escola pública precisa de uma nova cultura: não mais de lamúria, mas de propósito. Não de passividade, mas de entrega. É diariamente, junto com os conteúdos, entregar o orgulho do que faz e ver as dificuldades como um encargo que só os fortes e conscientes desta escolha podem dar conta.
Quando vamos fazer um compra, exigimos do atendente sorriso, conhecimento do produto, apresentação, rapidez. Quando vamos ao médico, quando contratamos um mecânico, enfim, esperamos excelência de qualquer profissional, independente das condições em que eles trabalham, dos problemas pessoais que eles enfrentam. Por que seria diferente com o professor ? Eles mesmos querem que deixar de ser vistos como vocacionados e sim como profissionais. Mas a mudança começa em si próprio.
Esse é o verdadeiro verbo da educação: transformar-se, para então transformar
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