Constata-se que, hoje, com a democratização da informação (facilitada pela internet, pelo maior nível de escolarização e pelo fortalecimento do espírito cívico), a fiscalização e o controle social, especialmente sobre a gestão pública, tornaram-se cada vez mais contundentes.
Com a massificação das redes sociais, a preocupação da sociedade com os problemas da administração da “coisa pública” ampliou-se exponencialmente. Críticas e reclamações são postadas diariamente em grupos de WhatsApp, Facebook, entre outros, e dão visibilidade tanto a crises reais e falhas de gestão quanto a descontentamentos meramente subjetivos.
As cobranças, quando fundamentadas, são salutares e fortalecem a democracia. A sociedade é composta de diferentes grupos,
cada qual com necessidades, opiniões e níveis de visibilidade distintos. A liberdade democrática de se expressar e reivindicar é a melhor ferramenta para equilibrar essas demandas, incluindo a participação popular em sugestões e até na própria gestão.Entretanto, em alguns casos, essa lógica se converte em meros embates político ideológicos ou em ataques pessoais. É aqui que se torna necessário distinguir política (a busca de soluções coletivas e sustentáveis para a sociedade) de politicagem (alimentada pela superficialidade, pela polarização e pela defesa de interesses particulares em detrimento do bem comum).
Um dos pontos cruciais, portanto, é separar, no emaranhado de comentários, as críticas que se aproximam da objetividade dos fatos daquelas que expressam apenas preconceitos, visões distorcidas ou interesses de grupos específicos.
Outro risco é a cristalização do senso comum: opiniões repetidas sem análise, frases feitas e crenças simplistas que circulam como verdades absolutas, impedindo reflexões mais profundas. Basta navegar pelas redes para perceber a enxurrada de postagens contra “os políticos”, quase sempre generalizando condutas individuais ou reproduzindo clichês que não permitem compreender a complexidade do tema (que deveria fazer parte da Educação de todos nós, desde a idade escolar até o fim da vida).
Para confirmar essa solidificação do senso comum, basta acessar as redes ou mesmo os meios de comunicação formais e observar a predominância de tópicos criticando a classe política: corrupção, incapacidade de gerir a coisa pública, cor dos prédios públicos, investimentos feitos (ou a ausência deles).
Na maioria dos casos, essas críticas atendem aos interesses do autor ou de seu grupo, ou se baseiam em generalizações cíclicas. Um exemplo recorrente é a crítica contra a burocracia.
Se uma licitação é morosa, por exemplo, retirando a agilidade que supostamente marca a iniciativa privada, é justamente esse processo que garante a ampla participação dos interessados, a isonomia entre os fornecedores, possibilita controle interno e externo, assegura a proposta mais vantajosa para o interesse público e permite fiscalização pela sociedade.
Questões pouco refletidas
Como forma de verdadeiro exercício da política e da cidadania, além da clássica noção de direitos (mas também de deveres), é necessário que façamos uma reflexão sobre nossa atuação enquanto parte da sociedade.
Antes de generalizar e culpar a “classe política” pelos problemas sociais, como se fosse um organismo independente, duas questões merecem atenção:
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Quem votou nos políticos? Somos nós que elegemos a classe política. Eles representam nossas preferências, valores e os projetos que julgamos relevantes. Se sempre estamos descontentes, talvez estejamos votando errado. Quais critérios adotamos para escolher A ou B? Uma visão coletiva ou interesses pessoais? Projetos sociais ou promessas individuais?
Daí decorre o estereótipo de que a maioria dos políticos é interesseira ou corrupta. Mas isso não surge do nada. Não é o cargo que os transforma. Seria reflexo da própria sociedade da qual emergem (que prioriza a politicagem em vez da política e trata isso como normal)? Uma simples busca no Google Imagens pelo termo “político” já revela o peso simbólico associado à palavra. Vemos charges, memes e insinuações de uma classe questionável. Mas somos nós que os elegemos para nos representar. Então essa imagem não se aplica também a nós? -
E os serviços privados que você paga? Está satisfeito? Você expõe diariamente essas empresas nas redes sociais?
Muitos desvalorizam o que é público, vinculando-o à política e repetindo discursos, sem avaliar objetivamente a qualidade. Já o setor privado, mesmo com falhas concretas, raramente recebe a mesma intensidade de críticas.
Público e privado
Na Educação, será que quem critica a qualidade do ensino conhece a evolução do IDEB nacional, municipal e escolar? Considera as especificidades regionais, sociais e econômicas? Observa os índices de aprovação e reprovação das universidades que formam professores, a evolução do analfabetismo ou a importância da participação da família no rendimento?
Na Saúde, a situação é semelhante. São frequentes as críticas ao SUS, mas os planos privados também acumulam falhas. A Associação Paulista de Medicina mostrou que 77% dos usuários de planos em São Paulo tiveram algum problema de atendimento nos últimos dois anos (muitos sequer registraram reclamações). E lembremos: a saúde privada atende quem pode pagar (e não é barato), além de também ter dificuldades como falta de vagas, atrasos e consultas sem solução efetiva.
Já o SUS atende a todos, sem filtros (inclusive os financeiros). A demanda é variável e, em qualquer lugar do país, dificilmente haverá consultas imediatas disponíveis o tempo todo. Se os médicos aceleram atendimentos, reclamam que foram rápidos demais; se demoram, criticam o tempo de espera; se aumentam o número de profissionais, é preciso ampliar a estrutura (o que encarece o sistema e pode torná-lo financeiramente insustentável, retirando recursos de outras áreas). Em qualquer escolha, alguém se sentirá prejudicado.
Parece fazer parte da cultura brasileira reclamar de tudo que é público. Pagamos caro por serviços privados, muitas vezes ineficientes, recebemos produtos defeituosos, mas dificilmente vemos redes sociais tomadas por críticas contra grandes empresas como acontece com o setor público.
Talvez essa indulgência com a iniciativa privada ocorra porque “mexer com a imagem” de uma empresa pode gerar consequências, enquanto criticar a política e a administração pública é visto como sinônimo de cidadania. Mas aqui entra a diferença fundamental: ser politizado é diferente de ser politiqueiro. É preciso distinguir as duas coisas e perceber quem age de uma forma ou de outra.
O peso das críticas
É inegável que gestores têm a função de tomar decisões (e toda decisão gera insatisfações). Como diz o ditado: “nem Cristo agradou a todos”. Qualquer medida de um gestor público será criticada. Até mesmo a inação será alvo de críticas.
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/um-tribunal- de-excecao-chamado-redes-sociais/417624066 |
Mas é importante refletir: qual a finalidade da crítica pela crítica? Pensamos na coletividade ou em interesses particulares disfarçados de universais?
A solução mais lógica seria ponderar nossos atos enquanto cidadãos, atentos a nossas responsabilidades e deveres, pois os direitos viriam naturalmente.
Enquanto isso, a empresa faliu porque o empresário gastou demais (culpa do governo). Choveu e o morador jogou lixo na sarjeta, houve enchente (culpa do governo). A gasolina subiu, a geada matou as hortaliças, o trânsito parou, a poluição aumentou (tudo culpa do governo). Afinal, é sempre mais fácil culpar alguém do que assumir a própria parcela de responsabilidade.
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