E.C.A. Estatuto da Crianças e do Adolescente, Lei das Palmadas e o aumento da criminalidade

A EDUCAÇÃO COMO REFLEXO CULTURAL

Se apenas a formulação de leis fossem suficientes, após a aprovação da Lei que proíbe as palmadinhas nos filhos, deveria ser proposta uma lei proibindo os filhos de baterem nos pais e professores. E uma outra lei impedindo a corrupção no Brasil. Na verdade, existem tais leis, o que não existe são os efeitos, pois somente a edição de leis, sem a análise de sua validade no contexto sociocultural e sem a materialidade necessária a sua execução, são palavras lançadas ao vento.

Não defendo a violência ou agressão, obviamente, mas uma repreensão por parte dos pais de modo que a criança receie receber alguma forma de punição, é menos opressora do que deixar que as leis da rua tomem esta responsabilidade. Estas sim são violentas. Além de que, é uma obviedade tão grande a necessidade de que as crianças entendam que todos os atos têm consequências, e muitas vezes, violentas. A sociedade cobra isso. Porém, os discursos atuais preparam a criança para se inserir em um mundo sem regras, cheio de direitos (ou melhor, privilégios, já que direito exige dever), o que não condiz com a realidade. Gera-se então um choque. Cria-se pessoas despreparadas paras frustrações e desafios normais da vida.

A forma como cada família educa seus membros, é antes de tudo, uma questão histórica e sociologicamente influenciada. Diferentes civilizações, em diferentes regiões e tempos tinham métodos específicos de formar suas crianças.

Exemplo clássico era a diferença da educação dada a um Ateniense e a um Espartano. Enquanto os primeiros eram educados no lar até os 06 anos, depois frequentavam a escola para aprender leitura, escrita, cálculo e diversas artes, os espartanos aprendiam o estritamente necessário. Ainda na infância eram entregues aos cuidados do Estado, que tinha a preocupação de torná-los soldados fortes e disciplinados através de severos treinamentos e castigos. Crianças doentes e fracas eram sacrificadas.

A influência religiosa e até econômica também não pode ser descartada. Na Idade Média, o ensino estava a cargo da Igreja Católica, onde era comum o castigo físico. Eadmer apud Cardoso (2008, p.229) ilustra o fato com a seguinte passagem: “Que posso fazer eu deles ? São pervertidos e incorrigíveis; dia e noite os chicoteamos e eles cada vez estão piores”. No período da Revolução Industrial, era comum o trabalho de crianças em condições insalubres e perigosas. Mais recentemente, considerava-se que disciplinava e formava o caráter colocar os adolescentes desde cedo a aprenderem certos afazeres, ajudando seus pais nos trabalhos domésticos ou nas atividades agrícolas.

Hoje, com a existência de leis mais rígidas e com organismos de proteção e fiscalização, prioriza-se o estudo formal. Gera-se inclusive uma confusão no seio da sociedade sobre o que é permitido exigir de um adolescente, (respeitando a variação de idade que vai até os 18 anos) sobre quais são as responsabilidades e deveres deles e de seus pais.

UMA CONCEPÇÃO DIFERENTE DE TRABALHO ?

A dinâmica do contexto gera até algumas contradições: vivemos em uma sociedade fundamentada nas relações econômicas e consequentemente trabalhistas. O estudo teoricamente visa à formação integral, o que inclui a qualificação profissional, em condições de grande competitividade. Entretanto, coloca-se a figura do
trabalho como algo prejudicial ao jovem. Desconsiderando aqui, obviamente, os abusos e explorações que nada agregam à formação.

Enfim, o próprio conceito de trabalho se transforma. Oriundo de uma concepção negativa (como tortura, como algo indigno, como era para os gregos, como função a ser desempenhada por escravos), passa a ser valorizado nas sociedades burguesas e industriais, como fonte de ascensão social e sinônimo de dignidade e de caráter, e novamente, na atual sociedade, há indícios de uma transição para uma concepção contraditória de trabalho.

No que se refere aos adolescentes, embora se tenha a forma de trabalho na condição de aprendiz, a concepção que se massifica é do trabalho como algo prejudicial, que deve ser adiado. Por outro lado, é algo para o qual se prepara o jovem, mas o impede de conhecê-lo, mesmo que a alternativa seja deixá-lo ao ócio e à marginalização nas ruas.

Diante deste grosseiro exemplo do contexto complexo, influenciado por pressões oriundas de diversas áreas e de diversos interesses, fica evidente que durante a história humana, as sociedades, à medida que se desenvolviam, iam formulando mecanismos de regulamentação, embora nem sempre isentos de interesses, para facilitar a convivência humana, como por exemplo, as leis.

A LEI DAS PALMADAS PARA OS "ESPECIALISTAS"

Dessa forma, é natural que determinadas regulamentações não satisfaçam a todos, gerando polêmicas, como é o caso da lei da palmada, encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente Lula.

Segundo o site Terra, o Projeto propõe alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dando também, aos menores de 18 anos, condições para uma educação "sem tratamento cruel ou degradante". Hoje, o ECA trata a questão dos maus-tratos, mas deixa de explicitar quais tipos de castigo não podem ser aplicados.

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, mais da metade da população brasileira (54%) é contra a proposta. Da mesma forma, muitos especialistas também criticam o projeto pelo fato de que as proposições já se encontram genericamente contidas no ECA. O qual, por sinal, muitas vezes sequer é cumprido.

Segundo o site Hoje em dia, a juíza Luziene Barbosa Lima considera inócua a proposta da Presidência da República. Para ela, a nova lei invade a liberdade de um pai corrigir seus filhos dentro dos princípios constitucionais. Ainda segundo o site Hoje em dia, o Estado costuma implementar novas leis mas não implementa políticas educacionais para que elas sejam devidamente respeitadas.

Doutora em Educação, uma professora da (UFMG), afirma ao site a necessidade de se promover uma análise mais ampla sobre o que provoca a falta de limites e a violência exacerbada. Uma nova lei não vai impedir que uma pessoa violenta modifique seu temperamento da noite para o dia.

A psicóloga e psicanalista Teresinha Costa, entrevistada no Portal Terra, vê exagero na iniciativa. Para ela, "uma palmadinha de leve, na hora certa, não tem problema nenhum". Ou seja, ninguém está defendendo agressões.

Outros especialistas apontam que até mesmo no Código Penal, mais antigo que o ECA, existem mecanismos que protegem qualquer pessoa contra agressão e maus tratos. Outra questão é: ser contrário à lei, não significa ser favorável às palmadas.

Para muitos estudiosos, existem no país, sérios problemas, como a corrupção, o tráfico de drogas, a impunidade, etc. enquanto há falta de recursos (e de interesse) para fiscalizar, julgar e fazer cumprir as leis.

FALTA DE LIMITES E INVERSÃO DE VALORES

O que se percebe, entretanto, é que cada vez mais as crianças e adolescentes estão perdendo alguns valores, tanto os tidos como socialmente corretos (relativos ao contexto histórico-cultural), quanto os inquestionavelmente corretos (absolutos) em uma sociedade civilizada.


Os exemplos clássicos da falta de limites estão na sala de aula. São diversos os casos de agressão à colegas (inclusive com armas), aos professores, os quais cada vez podem fazer menos para repreender atitudes de risco. Além disso, jovens, que poderiam seguir os bons exemplos das gerações passadas, trabalhando, auxiliando seus pais na casa, encontram o respaldo da lei (e a inércia e desconhecimento dos pais, fruto da errônea prática de achar que somente leis resolvem) para andarem ociosos pelas ruas. O resultado é a integração com pessoas de índole duvidosa, com desocupados, que inevitavelmente, cultivam hábitos prejudiciais. É o caso da grande popularização do uso das drogas, como nunca antes ocorrera.
O limite, fator necessário para moldar o caráter, para preparar o indivíduo para enfrentar as frustrações, e mesmo as alegrias da vida com sobriedade, é uma experiência que falta a muitas das crianças, adolescentes, jovens (futuros adultos).


A direção para onde caminha a juventude, ou melhor, para onde a juventude é encaminhada em uma sociedade que se preocupa em formar mão-de-obra, onde se preocupa com índices quantitativos e não qualitativos de desenvolvimento humano, onde as leis favorecem quem as transgridem, onde os valores morais e éticos de nossos pais e avós são vistos como obsoletos, está ilustrada nas estatísticas.

ELEVAÇÃO DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE ENTRE JOVENS E ADOLESCENTES: RESULTADO DESSA NOVA ABORDAGEM ?

Eis os primeiros indícios de que essa abordagem não está apresentando resultados positivos, ao contrário, a sensação de impunidade aliada a outros fatores socioeconômicos está criando uma geração de adolescentes e jovens inconsequentes, e o pior, criminosos. E isso coloca em risco os próprios jovens, cuja legislação se mostra incapaz de proteger.

Segundo a Folha de São Paulo, transcrita no site do deputado Paulo Rubem, o levantamento de Estatísticas do Registro Civil do IBGE de 2006, mostra que a morte de homens de 15 a 24 anos por causas violentas representou 67,9% do total de óbitos. Dados semelhantes aos de 2005, quando 68,2% dos óbitos registrados foram atribuídos a mortes não naturais
A região Sudeste lidera, com uma proporção de mortes violentas de 75,9% para jovens de 15 a 24 anos. A segunda região com maior proporção de mortes não-naturais é a Sul (70,7%).

Segundo Castro, em matéria no Portal O Globo, o envolvimento de jovens em crimes violentos é comum no Brasil. Pior ainda, o perfil dos autores de homicídios dolosos (quando há intenção de matar ou se tem consciência do risco de provocar a morte da vítima) é composto, essencialmente, por jovens e adolescentes.

Além disso, Segundo levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública, onde adverte Castro, não estão incluídos os dados dos Estados do Rio Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, os mais violentos do país, os jovens entre 18 e 24 anos responderam por cerca de 40% dos homicídios dolosos ocorridos no país no período.

 Os números também mostram a grande incidência de menores envolvidos nesses crimes. Os adolescentes com idades entre 12 e 17 anos responderam por cerca de 11% do universo de agressores em 2004 e 2005. Somadas as duas faixas etárias, os adolescentes e jovens responderam por mais da metade dos homicídios dolosos nos dois anos (2004 e 2005).


Outro dado apontando pelo Portal O Globo é o número de crianças com menos de 11 anos envolvidas em homicídios dolosos. No ano de 2004, foram 26 e em 2005, 23.

O perfil do agressor típico apontado pela estatística, que considera crimes como estupro e lesão corporal, é homem com idade entre 12 e 30 anos. Alerta-se, porém, para o risco de inclusão indevida de menores nos registros policiais como tentativa de proteger os adultos envolvidos, o que é mais um problema relativo à proteção legal dada aos adolescentes.
A íntegra da pesquisa pode ser lida na página do Ministério da Justiça, no endereço:

http://www.mj.gov.br/senasp/estatisticas/perfil%20das%20vitimas%20e%20agressores.pdf

Buscando informações diretamente na fonte, as Estatísticas do Registro Civil do IBGE, para o ano de 2008, apresentam, entre outros dados, os exemplificados a seguir, os quais falam por sí mesmos.



No meio de todo esse problema, que inegavelmente existe, está a sociedade, cada dia mais refém de si mesma. Diversos outros problemas assolam a sociedade, como causas e como conseqüências de outros problemas. Porém, a responsabilidade é social, é de todos. Enquanto vemos a mídia transmitir por meses casos particulares, fofocas, tragédias, coisas muito mais relevantes, que nos afetam diretamente, são decididas, segundo interesses particulares.

É hora de pensar se este caminho para o qual nós e as gerações futuras caminhamos é o que queremos, e sobretudo, se é o melhor. Do contrário, é hora de agir.
Enquanto se discute uma lei, que provavelmente ficará no papel por falta de aparatos para fazer cumpri-la, toneladas de documentos que podem comprovar fraudes desaparecem no Paraná....

Leia também a postagem relacionada: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL


Fontes dos dados:

REZENDE, J. Jurista critica proibição da palmada em crianças. Hoje em dia. 26-07-2010. http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/jurista-critica-proibic-o-da-palmada-em-criancas-1.150156#

PORTAL TERRA. Educadora: "Lei da palmada" é redundante, invasiva e inócua. 29-07-2010. http://www.jb.com.br/editorias/Pais/.

SANTIAGO, P. R. IBGE : jovens e mortes violentas. 06-12-2007. http://paulorubem.com.br/B

CASTRO, L. C. O Globo Online. Jovens lideram estatística de homicídios dolosos no Brasil.

CARDOSO, O. P. História Hoje. 6ª Série. São Paulo: 2010. Ed. Ática.

IBGE. Estatísticas do Registro Civil. 2008.


2 comentários:

  1. De fato, o assunto é bem polêmico.
    Eu, quando criança, nunca apanhei de meu pai. Mas o medo de apanhar me impediu de cometer muitos erros.
    Um marginal, com medo de ser preso, controla sua índole. Quando há sensação de impunidade (benefícios maiores que os custos),crimes são cometidos.
    Um conversa pode impor limites a uma criança, mas para outras, o medo da punição pode influenciar mais. Tenho visto na Tv, entrevistas com pais esclarecidos, com familias de condições socioeconômicas interessantes. Mas será que a educação não está também sujeita a outros contextos, com o cultural, o sócio-econômico, que quando investidos, poderiam trazer melhores efeitos ?
    A partir da vigência da lei, se algum pai deixar de bater nos filhos será por acreditar nesta forma de educação ou por medo da punição ?

    abraços e obrigado pela visita em meu blog !

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