Desigualdades urbanas: a alocação de recursos públicos e a sonegação empresarial (com base em Milton Santos)

A análise da cidade e suas dinâmicas sociais e espaciais tem sido um foco crucial de discussão entre renomados geógrafos e sociólogos. Milton Santos é um dos autores que oferece perspectivas profundas sobre o tema, abordando a desigualdade, os espaços de exclusão e de resistência no urbano brasileiro.

Milton Santos foi um geógrafo, amplamente reconhecido por suas contribuições na Geografia Urbana. Sua obra é caracterizada por uma análise crítica da cidade e da espacialidade, refletindo sobre as desigualdades sociais e econômicas que se manifestam no espaço urbano, que para ele, não é somente o lócus onde ocorrem tais fenômenos, mas percebe o espaço geográfico como produto das relações sociais e econômicas.

Milton Santos destaca a desigualdade como um dos pilares na compreensão da cidade. Em sua obra "A Urbanização Brasileira" (2002), Santos argumenta que a desigualdade não é apenas uma questão econômica, mas também espacial. Ele descreve a cidade como um espaço de contrastes, onde áreas de riqueza e pobreza coabitam, evidenciando uma segregação territorial que reflete as disparidades sociais. 

Ou seja, podemos falar em desigualdades, já que uma não ocorrem sem relação com as outras. Quem enfrenta a desigualdade, normalmente a evidencia em diversas áreas. A desigualdade no acesso ao ensino dificuldade a qualificação dos trabalhadores e o aumento da produtividade. Dificulta o acesso à saúde, principalmente preventiva, gerando custos com tratamentos de doenças, absenteísmos, etc. Sem falar da segurança, da marginalidade, da locomoção, da oferta de equipamentos urbanos, serviços, etc. Enfim, as desigualdades geram custos.

Santos introduz o conceito de "cidade global" para explicar como o capitalismo produz desigualdades espaciais. Ele observa que enquanto as áreas centrais das metrópoles (e das cidades menores, inclusive) são privilegiadas com infraestrutura avançada e altos índices de desenvolvimento, as periferias frequentemente enfrentam carências estruturais e sociais.

O interessante é que dentro da lógica tributária, investimentos públicos em infraestrutura são bancados com recursos dos tributos de todos, inclusive de quem reside em locais segregados, porém, os benefícios ficam concentrados em áreas centrais, normalmente onde localiza-se o comércio, sendo, portanto, fator de atratividade de pessoas e diferencial competitivo.

Milton Santos também oferece uma crítica incisiva sobre as dinâmicas de investimento público e da desigualdade urbana. Em suas obras, especialmente em "A Urbanização Brasileira" (2002), Santos explora como a alocação de recursos e investimentos públicos favorece desproporcionalmente os centros urbanos e as áreas comerciais em detrimento das periferias.

Essa situação cria um ciclo de desigualdade onde os tributos pagos por todos os cidadãos são utilizados para financiar infraestruturas e serviços que beneficiam principalmente as áreas mais ricas, enquanto as periferias, que também contribuem economicamente e suportam uma significativa parcela da população, são deixadas à margem.

O sistema de financiamento público frequentemente resulta em um desequilíbrio na distribuição de recursos. Em muitas cidades, os investimentos são concentrados nas áreas centrais e comerciais, que geram maiores receitas tributárias e são vistas como motores econômicos.

Por outro lado, as periferias urbanas, que enfrentam problemas graves como falta de infraestrutura adequada, serviços de saúde e educação deficientes, raramente recebem o mesmo nível de investimento. Isso fica evidente em grandes metrópoles ou cidades maiores.

Além da desigualdade na alocação de investimentos públicos, a sonegação fiscal por parte das empresas agrava ainda mais o problema. 

Quando empresas não pagam seus tributos de forma adequada, deixam de devolver à sociedade uma parcela crucial de recursos que deveriam ser utilizados para serviços essenciais como saúde, educação e infraestrutura. 

Este comportamento não só reduz o orçamento disponível para investimentos públicos, como também perpetua a desigualdade ao limitar ainda mais os recursos destinados às áreas mais necessitadas, especialmente quando sabemos, como destacado acima, que as empresas são beneficiárias destes recursos em significativa proporção.

Ao evitar o pagamento de impostos, as empresas privam o Estado de recursos fundamentais que poderiam ser utilizados para melhorar as condições de vida e garantir um acesso mais equitativo aos serviços públicos. 

Em vez de investir em áreas que necessitam de desenvolvimento e melhoria, o capital das empresas que deveria ser redistribuído para a promoção do bem-estar social é acumulado por um pequeno grupo de investidores e empresários. Afinal de contas, grosso modo, sonegar é se apropriar de um recurso indevido, pois o cidadão é quem efetivamente paga, cabendo às empresas apenas recolher e repassar ao erário.

Milton Santos argumenta que para enfrentar essas desigualdades, é essencial adotar políticas públicas que promovam uma redistribuição mais justa dos recursos e assegurem que os investimentos em infraestrutura e serviços públicos sejam mais equitativos. Isso inclui combater a sonegação fiscal e garantir que todos os cidadãos, independentemente de sua localização, possam usufruir de serviços e condições de vida dignas. Ou seja, todos devem ter o direito de usufruir e de viver a cidade.

A análise de Milton Santos sobre a desigualdade urbana, e estendendo ela para o financiamento público, revela como a alocação desigual de recursos perpetua a desigualdade e exclui as periferias dos benefícios do desenvolvimento urbano.

A crítica de Santos destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais equitativa para a distribuição de investimentos (o que inclui olhar a política e a elaboração e cumprimento dos orçamentos de forma mais séria) e a importância de garantir que as empresas cumpram suas responsabilidades fiscais.

Somente através de políticas públicas que abordem essas questões e promovam uma redistribuição justa dos recursos será possível criar cidades mais inclusivas e igualitárias.

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