Em tempos de polarizações e discursos rasos, maniqueístas, ideológicos e produtivistas, o servidor público também tem se tornado alvo constante de críticas, especialmente quando se aproxima algum feriado prolongado. Mas não somente nestes casos...
Eu pago tributos (tal qual o servidor), portanto, posso criticar e exigir que esta classe de trabalhadores seja coisificada e reduzida a insumo produtivo, a elemento a constante disposição, infalível, incansável, mecânico, não humano. É o produtivismo com uma dose de rancor social, que aparenta existir às vezes. Uma confusão entre trabalhadores públicos e a elite política, talvez.
Quem sabe até seja alguma compensação psicológica ou sociológica do fato de ter se naturalizado como coletiva a visão que muitos patrões têm sobre seus empregados. Talvez até falta de consciência de classe da nossa sociedade...e aqui muitas hipóteses podem ser aventadas.
Os feriados, tidos por muitos como "privilégios" dos servidores, tornam-se o epicentro de julgamentos injustos, sem que se observe a complexidade e a relevância do descanso regular para qualquer categoria profissional, seja pública ou privada.
É comum ouvirmos frases como “servidor
só quer saber de feriado”, “mais um dia sem trabalhar” ou ainda “privilegiados do Estado”, ignorando-se completamente que tais folgas são previstas em lei, assim como o são (ou foram) para os trabalhadores da iniciativa privadaO problema está no fato de que, historicamente, se alimentou uma imagem distorcida do serviço público, ignorando-se que grande parte desses profissionais enfrentam jornadas extenuantes, trabalham em condições dificilmente ideais e ainda são responsabilizados por falhas estruturais do Estado.
O que deveria ser um momento de repouso (necessário, legítimo e produtivo para a sociedade como um todo) é transformado em símbolo de desigualdade ou de ineficiência.
No entanto, é preciso resgatar o debate sobre os direitos trabalhistas a partir de outra ótica. O descanso regular, incluindo os feriados e fins de semana, não é um capricho, mas sim uma conquista histórica das lutas trabalhistas. Infelizmente, os próprios trabalhadores, envolvidos em um discurso alienado, parecem achar injusto descansar.
Descanso, que se trata de um pilar fundamental da dignidade do trabalhador, contribuindo diretamente para sua saúde física e mental, e consequentemente para a produtividade.
Negar isso é colocar o ser humano em uma posição meramente utilitarista, como se fosse uma peça de engrenagem industrial, destinada a funcionar sem pausas até o esgotamento completo.
Além do aspecto humano e social, há uma dimensão econômica raramente discutida com a profundidade necessária.
Durante os períodos de descanso, feriados e finais de semana, as pessoas saem de casa, viajam, consomem em restaurantes, visitam parques, participam de eventos culturais e fomentam toda uma cadeia produtiva ligada ao turismo, ao comércio e ao lazer, gerando emprego e renda para milhares de brasileiros.
Atacar os feriados, portanto, é também prejudicar a economia local e regional que depende desses fluxos.
Em vez de criticar o trabalhador que consegue usufruir desses direitos, a sociedade deveria se unir para ampliar o acesso a eles. A mentalidade punitiva e comparativa (que busca retirar direitos de um grupo porque o outro não os têm) apenas enfraquece a luta por condições de trabalho mais humanas para todos.
Há de se ressaltar ainda, que muitos feriados são religiosos, tradicionalmente respeitados conforme a cultura local. É uma questão sociológica, cultural, de crença, de valores que passou a ser relativizada, questionada e atacada em nome da produtividade. E tornou natural não "guardar" nem mesmo a Sexta-feira Santa em um país de maioria cristã, como o Brasil.
Em lugar de trabalhador atacar trabalhador, deveríamos defender que os benefícios garantidos a uma categoria se estendam a outras, como forma de equilíbrio e justiça social.Os países desenvolvidos já entenderam isso há tempos. Enquanto no Brasil se prega o aumento da carga horária e a supressão de direitos sob o pretexto de “aumentar a produtividade”, nações europeias estão testando jornadas semanais reduzidas de 6 para 5 e até 4 dias, com ganhos significativos em bem-estar, motivação e desempenho dos trabalhadores.
O futuro do trabalho aponta para a valorização do tempo livre, do lazer, da vida fora do ambiente laboral. Reduzir o trabalhador a um instrumento de produção é não apenas anacrônico, mas contraproducente.
É urgente que repensemos as narrativas que dominam o senso comum !
A crítica ao servidor público por exercer seu direito ao descanso não é apenas injusta, é perigosa. Alimenta o divisionismo entre categorias, fragiliza a solidariedade de toda classe trabalhadora e enfraquece os direitos trabalhistas como um todo.
Defender o descanso, o lazer e os feriados não é defender privilégios, mas sim afirmar um ideal de sociedade que respeita seus trabalhadores, que entende a importância da saúde física e mental, do convívio social, e que valoriza a vida para além da lógica da produção incessante.
Neste sentido, a ideia que se planta de que servidores públicos são inimigos, é ignorante, injusta e um ataque contra toda a classe trabalhadora, que lutou por direitos e que hoje os entrega de bandeja para patrões e capitalistas que, estes sim, vivem de folga, que são os verdadeiros privilegiados.
Ou seja, enquanto trabalhadores atacam trabalhadores, os verdadeiros privilegiados riem da manipulação que fazem com o povo, classe que todos nós pertencemos.
A luta deve ser, pois, pela ampliação de direitos e não pela supressão dos poucos que ainda restam.
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