Estado, Circulação e Logística: Uma abordagem baseada no transporte da soja no Brasil

RESUMO 

Texto na íntegra disponível na Revista Partes


O presente texto versa sobre a infraestrutura de transportes no Brasil, enfatizando o modal rodo-ferroviário. Destaca os reflexos históricos das políticas públicas adotadas, a expansão das fronteiras agrícolas e o processo de industrialização, exemplificando estas relações sob a perspectiva do escoamento da safra de soja, um dos principais produtos agrícolas movimentados. Aponta o papel do Estado como responsável pela atual conjuntura (histórica), bem como pelas possibilidades de melhoria do sistema infraestrutural, da organização do espaço e das relações socioeconômicas.


1 - INTRODUÇÃO

Considerando que os transportes e a logística se constituem em um instrumento capaz de impulsionar ou prejudicar o desenvolvimento de determinado local ou região, torna-se fundamental dispensar atenção a esta variável, tanto pelas organizações (para a reprodução do capital) quanto pelo Estado, responsável por prover a infraestrutura necessária para obter resultados satisfatórios em sua política comercial, refletindo em seus indicadores econômicos quanto para incentivar ou equalizar o desenvolvimento (ou amplificar as diferenças?) regional, econômico, social, etc.

Aduzem Oliveira e Silva (2007, p.06) que não se pode conceber o desenvolvimento econômico e social de um país com sistemas de logística deficientes. Além disso, a facilidade de circulação é indispensável “para os setores privado e público, como também serve para o desenvolvimento das atividades econômicas, além de aumentar as possibilidades para a defesa nacional, a estabilidade política e a coesão social”

Barat (2007, p. 32), confirma tal assertiva ao enunciar que no “processo de globalização, a logística e o transporte passaram a atuar como fatores essenciais para uma inserção mais plena no comércio, na redução de assimetrias e na adição de valor às cadeias produtivas nacionais.”

É importante destacar que esse contexto, gerador de mudanças que ampliaram a necessidade de eficiência em todos os processos da cadeia produtiva, é fruto de mudanças mais amplas, como as inter-relações econômicas, geralmente competitivas, e as inovações tecnológicas, especialmente aquelas ligadas aos sistemas de informação, considerando que para França Junior (2004), transporte e telecomunicações constituem um par interdependente.

Embora de forma específica entre os diversos países e entre as regiões de cada país, para Boligian e Alves (2004), é inegável os reflexos que as inovações tecnológicas têm gerado nos processos produtivos, o que torna relevante extrapolar a questão logística de seus aspectos técnicos, de custo e de eficiência e entendê-la em uma perspectiva geográfica, simultaneamente como propulsora e resultante de transformações socioeconômicas que afetam a organização do espaço.

Essas transformações no processo produtivo e a necessária e decorrente busca por mercados externos, segundo Barat (2007, p. 20) alterou “os conceitos tradicionais de territorialidade.” Como conseqüência, tornou-se mais profícua a formação de redes de organizações em diversas regiões ou países, englobando atividades agrícolas, industriais, agroindustriais, de exploração de recursos naturais, comerciais, etc. sendo o transporte o elo mais importante para integrar todo esse sistema eficientemente.


2 – LOGÍSTICA NO BRASIL

Embora a logística, segundo Barat (2007, p. 20) tenha se originado nas aplicações militares, a partir da Segunda Guerra Mundial ela passou a incorporar diversas outras atividades, como: “[...] planejamento, execução de projetos e desenvolvimento técnico até as etapas de obtenção, armazenamento, transporte, distribuição, reparação, manutenção e evacuação de material.”
Para Fleury (2000, apud Freitas 2003) a logística é um verdadeiro paradoxo, sendo uma das atividades mais antigas, pois as atividades de estoque, armazenagem e transporte existem desde o início das atividades produtivas organizadas, como é também um dos conceitos gerenciais mais modernos.

Para Coelis (2006) e Di Serio, Sampaio e Ferreira (2007) o moderno conceito de logística, voltado para as atividades empresariais, lhe confere status de ferramenta gerencial, capaz de não somente reduzir custos e tempo, mas de agregar valor em toda cadeia de produção. Pires (1998 apudCoelis, 2006) ainda complementa que ela envolve uma rede de informações, o que mais uma vez confirma a interdependência entre o transporte e as telecomunicações ou sistemas de informação.

Dessa forma, é possível compreender que o conceito e a abrangência da logística se alteraram historicamente conforme as mudanças ocorridas no contexto macroeconômico, político, social e até mesmo cultural.

3 – SISTEMA DE TRANSPORTES NO BRASIL

Da mesma forma que o conceito de logística foi sendo alterado, o sistema de transportes também se mostra como uma variável dinâmica, influenciando e sendo influenciada pelas mudanças contextuais. No Brasil não é diferente, sendo o sistema de transportes (infraestruturas, técnicas de gerenciamento, etc.) resultado das especificidades aqui verificadas e que marcaram sua evolução.

A infraestrutura no Brasil, especialmente a ligada ao transporte, reflete as políticas adotadas historicamente pelos governos. Freitas, (2003) comenta que a estrutura logística brasileira foi orientada seguindo moldes estatais, buscando a integração do mercado interno, sem considerar devidamente os custos, a qualidade e a produtividade. Freitas (2003) ainda ressalta que somente no início dos anos de 1990, apesar do acirramento da competitividade impulsionar o desenvolvimento do setor produtivo, a situação de estagnação e deterioração das infraestruturas evidenciou a amplitude dos problemas de logística existentes no país.

Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.04), exemplificam através de comparação a evolução dos modais rodoviário e ferroviário nos anos de 1975 e 1985, onde verifica-se que nestes 10 anos houve crescimento do setor rodoviário e a retração do setor ferroviário.

O modal rodoviário teve um crescimento de 10,93%, atingindo mais de 1,4 milhão de quilômetros enquanto o ferroviário apresentou um decréscimo de 3,47%. Em 1995 a malha rodoviária brasileira superou os 1,660 milhão de quilômetros, apresentando um crescimento de 14,84% em relação a 1985.

A evolução ou retração da malha rodoviária e ferroviária entre os anos de 1975 e 2005 pode ser visualizada através da figura 01.


Figura 01 – Malhas rodoviária e ferroviária nos anos de 1975 e 2005.

Fonte: Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.09)


Tratando exclusivamente das vias férreas, segundo o DNIT (2011), o sistema ferroviário brasileiro passou por diferentes fases. Destaca-se que “em 1922, ao se celebrar o 1º Centenário da Independência do Brasil, existia no país um sistema ferroviário com, aproximadamente, 29.000 km de extensão, cerca de 2.000 locomotivas a vapor e 30.000 vagões em tráfego.”

De 1980 a 1982, inicia-se o processo de desestatização do sistema ferroviário. A RFFSA deixa de lado sua atribuição de transportar passageiros, priorizando o transporte de cargas. No entanto, conforme expressa o DNIT (2011), os sistemas ferroviários foram drasticamente afetados com a redução dos investimentos. A título de exemplo, em 1989 o repasse foi de apenas 19% do valor repassado em 1980. Além disso, a empresa enfrentava a degradação da infraestrutura, o adiamento da manutenção de material rodante, gerando expressiva perda de mercado para o modal rodoviário.

Outros problemas são apontados por Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.11) ao explicar que as passagens de nível no contorno dos centros urbanos são mais um dos problemas encontrados no sistema ferroviário, bem como as invasões na faixa de domínio das ferrovias, gerando riscos de acidentes e evidenciando uma questão social na organização do espaço.

Estes problemas contribuem para evidenciar os reflexos interdependentes entre a organização espacial e o sistema de transportes, demonstrando a relação entre questões econômicas, sociais e políticas no uso dos espaços para as diversas finalidades.

Sobre o sistema rodoviário, Barat (2007) menciona a realidade nacional como afetada por uma distorção logística. Há forte dependência do transporte rodoviário, sentida principalmente porque se trata de um país de dimensões continentais, elevando os custos especialmente para cargas volumosas e transportadas a longas distâncias.

Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.06), afirmam que impera no território brasileiro um distanciamento entre produção agrícola e as regiões de consumo e exportação. Isso “demanda um sistema de grande volume e baixo custo operacional, aspectos inerentes ao transporte ferroviário e hidroviário” deficitários no país.

Ojima (2006, p. 18), confirma que no Brasil o sistema rodoviário ainda se constituiu no principal modal utilizado para o transporte, especialmente no que tange às cargas agrícolas; “em muitos casos, é a única alternativa para movimentação desse tipo de produto, devido à escassez de hidrovias e ferrovias que liguem grandes distâncias e, ao mesmo tempo, situem-se perto dos pólos produtores.


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