https://www.timeslive.co.za/news/ south-africa/2017-11-22-new- roles-and-responsibilities-for- homeschooling-parents/ |
Da mesma forma que já ocorreu, talvez por influência do período
eleitoral, novamente veio à tona a discussão e a proposição da possibilidade do
ensino domiciliar, denominado em alguns países de homeschooling.
Comumente, aqueles que apontam determinadas soluções, especialmente para
os complexos problemas sociais, a tratam como sendo a ideal. Tendem a adotar
uma perspectiva particular, sem considerar a complexa realidade que o circunda,
sem levar em conta a diversidade de pessoas e grupos que tal medida poderá
afetar, muito menos os efeitos dispersos em outras áreas da realidade social,
econômica, cultural, etc.
Em uma sociedade cada vez mais complexa e contraditória, educar ou ensinar - até mesmo a diferença entre estes dois conceitos geram suas polêmicas particulares - em casa tem suas vantagens sob o ponto de vista de muitas famílias. É natural que elas
defendam tal ponto de vista. E isto se relaciona também com a visão particular que cada um tem da escola, da educação e da vida em sociedade, com o poder aquisitivo, com a classe social, com o nível de formação intelectual, cultural e por que não, psicológico dos pais, entre outros fatores.Porém, quando se projeta políticas públicas, o alvo das ações não é
casos específicos - pelo menos não deveria ser - mas proporcionar soluções que atendam
ao maior número de beneficiários possíveis e onerem o mínimo possível o menor
número de envolvidos. Tanto que a Supremacia do Interesse Público é um supraprincípio
constitucional.
Neste sentido, as políticas públicas, especialmente as emancipadoras do
indivíduo, como a educação, deveriam focar naqueles que compõem a base da
pirâmide socioeconômica. Sabe-se que no Brasil, país marcado pela desigualdade,
a classe com menor poder aquisitivo, e consequentemente, com mais dificuldade
de acesso à qualificação, ao mercado de trabalho e outras fontes de
desenvolvimento humano é a imensa maioria. É ela que compõe a massa de
trabalhadores, de consumidores, de pagadores de tributos; e é ela que deveria
receber a atenção primordial do Estado nas ações estratégicas (longo prazo) que
visam estruturar o país e a sociedade que queremos no futuro. As exceções ou nichos específico, embora mereçam
a atenção estatal, precisam ser atendidas em consonância com o projeto de país
que se busca.
A relevância em atender à coletividade, sobretudo a parcela menos
autossuficiente, é tanta que até mesmo os economistas que desenvolveram o IDH
(índice de desenvolvimento humano), definiram como componente do índice a
escolaridade, junto com a expectativa de vida ao nascer (muito atrelada ao acesso à saúde
pública e à redução da violência), e não enfatizando somente o PIB, o qual de
nada adianta ser imenso se não houver uma distribuição equitativa da riqueza
gerada. E infelizmente, o Brasil não figura entre os primeiros países em termos
de desenvolvimento humano, mas tem posição de destaque quando se trata em
concentração de renda.
https://www.jornalcruzeiro.com.br/suplem entos/educare/pandemia-agrava-desig ualdades-na-educacao-alerta-unesco/ |
Além de que, é nítido que a justificativa para o Ensino Domiciliar não
repousa na busca por melhoria da qualidade do ensino, pois se fosse, não
seria necessário retirar o aluno da escola para ensiná-lo em casa, bastaria,
por exemplo, auxiliá-lo nas lições de casa, complementar a jornada escolar com
outras atividades pedagógicas e educativas em horários alternativos. E o fato é que, às
vezes, sequer este apoio algumas famílias conseguem dar a contento (não por
falta de comprometimento apenas, mas por questões materiais concretas,
inclusive, tempo, conhecimento e recursos).
Até mesmo a necessidade de um espaço adequado, que propicie
concentração, sem interrupções, seria um empecilho. Mais uma vez, quem tem
maior poder aquisitivo teria maior facilidade e a maioria teria prejuízos nesta
empreitada. Teríamos então, mais um fato de reforço das desigualdades e mais defasagem educacional. Basta considerar que no período da pandemia as perdas educacionais foram grandes, apesar do apoio da escola às famílias através das aulas remotas.
No Brasil, as classes C, D e subsequentes são as que mais reivindicam e
dependem vagas em creches, de escolas em período integral, de educação profissional
etc. Muitos pais se desdobram entre o cuidar dos filhos e trabalhar em longas
jornadas, que ficam ainda mais extensas quando o trabalhador perde horas no
trânsito.
Abrir a possibilidade de uma educação domiciliar é, aos poucos e de forma imperceptível e ardilosa, ir reduzindo os investimentos do Estado nas instituições de ensino (a política liberal implementada especialmente a partir dos anos 90 tem esse foco de retirar do Estado a responsabilidade pelas questões sociais) e ir privando a população que mais necessita deste direito conquistado.
Sem mencionar que as condições as quais muitas crianças estão
sujeitas são criadas pelo mesmo sistema que tenta se eximir da
responsabilidade, retroalimentando este ciclo.
Contraditoriamente, ao passo em que o discurso ideológico da Educação Domiciliar tenta esvaziar o papel da escola, a educação institucional pública está sobrecarregada, tendo em vista que o discurso que predomina no país faz com que a escola, em vez de cumprir sua função precípua (ensinar), se torne responsável por todos os problemas sociais que literalmente são lançados para dentro dos seus muros.
Basta ver que nos discursos políticos e de muitos outros atores
sociais, todos os problemas devem ser resolvidos pela escola e por seus
profissionais. Ou seja, as escolas não apenas ensinam. Elas têm um papel
polivalente na formação e na assistência dos indivíduos e na evolução
socioeconômica.
A iniciativa privada e os defensores do liberalismo ou do braço forte do
deus-mercado deveriam ser os primeiros a defender uma educação democrática e de
qualidade, pois é dela que vem a força de trabalho que dá lucro a tantas
empresas. A mão de obra qualificada, que gira a economia do país, vem
primordialmente, das instituições públicas. Muitas pesquisas científicas e
inovações tecnológicas decorrem de pesquisas em instituições públicas, cujo
capital intelectual é formado na base do Ensino Fundamental Público.
É preciso destacar que tanto os autores da área do ensino quanto a própria legislação, como a LDB, por exemplo, assumem que a Educação é um processo complexo e não delimitado espacialmente, abrangendo muito mais do que aprender a ler e escrever, fazer contas e se capacitar para o trabalho. A educação abrange processos sociais e de interação, de convívio com as diferenças, preparo para o exercício do trabalho, mas também para a cidadania.
Enfim, considera o indivíduo de forma integral. Nenhum destes preceitos é atingido por uma "educação" delimitada a uma bolha familiar. É muito mais a marcação de uma posição ideológica e ou política, do que uma alternativa para a melhoria do ensino, da formação do indivíduo ou da evolução social.
Resumidamente, além da questão social, econômica, do viés ideológico e político, diversos autores da área educacional reforçam e confirmam em anos de estudos progressivos, que a interação é indispensável para o desenvolvimento pedagógico do aluno. Sem falar da construção da diversidade, da valorização da diferença e da desconstrução das hierarquias de gênero, étnicas, sociais, etc.
Enfatizando, a educação é um processo complexo, que exige interação, que
forma pessoas de forma holística e não meramente reprodutores de saberes
enciclopédicos ou formadora de mão de obra. É um processo que vem evoluindo à
luz do contexto histórico de respeito à infância (na Educação Jesuítica, por
exemplo, castigos físicos eram normalizados, no advento da industrialização, o
trabalho penoso era o melhor professor...), das lutas sociais, do
fortalecimento da Democracia, de uma nova visão de mundo.
Deste modo, teremos cidadãos tolerantes e abertos à diversidade, ao convívio social e empáticos aos problemas humanos
https://www.gazetadopovo.com.br/ vida-e-cidadania/meu-filho-nao- tem-amigos-o-que-fazer-bk1nrncy9 kr5geilub2y9gcb2/ |
Fato é que hoje, as crianças têm mostrado um desenvolvimento de suas competências sociais de forma mais nítida e consistente. A partir dos 04 anos ingressam na Educação Infantil obrigatória e têm acesso a um universo de interações sociais, de contato com a diversidade e com conteúdos pensados especificamente para este público, onde inclusive através do lúdico, desenvolvem conceitos necessário a sua formação integral, inclusive trabalham a psicomotricidade.
Além disso, hoje há maior disponibilidade de cursos em
período de contra-turno, de escolinhas de futebol (entre outros esportes),
clubes de escoteiros, religiosos, entre outras atividades socializadoras. O que
se propõe, portanto, ao afastar o aluno do convívio escolar, é justamente o oposto
desta integração.
Se queremos pessoas engajadas, humanizadas, empáticas, criativas,
atuantes, críticas, autônomas e independentes, que no futuro nos representem,
inclusive politicamente, temos que formá-las em contato com a realidade diversa
e muitas vezes injusta e contraditória que nos cerca.
Não se pode apoiar questões que possam servir de base material para o
desmonte de conquistas históricas, como a Educação. Assim ouso resumir: a
educação pode vir de casa, mas o ensino é função da escola.
Creio que antes de pensar em Educação Domiciliar, os governos e as políticas públicas deveriam perseguir a Educação de qualidade e para todos, em igualdade de condições, como preconizou a Constituição de 1988, a LDB, e diversos outros dispositivos legais e orientadores.
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