Escolha o seu melhor eu

         A vida em sociedade é uma eterna construção e reconstrução. E reconstruir implica em destruir o que outrora fora erguido, como crenças, valores, hábitos, saberes, pois a sociedade historicamente muda, e com ela, a cultura, as necessidades, o modo de ser. O ser humano está em constante mudança e mudando o espaço a sua volta. Devir !!

         E podemos resumir grossamente a sociedade como nada mais do que o conjunto adaptativo, reativo e proativo de pessoas. Mas não se configura como a soma dos fragmentos individuais.  Tampouco, o indivíduo é um mero fragmento daquilo que é o tecido social.

         Indivíduo e sociedade se constroem dialeticamente. Um constrói e reconstrói o outro. E como temos indivíduos e grupos complexos, podemos dizer que temos uma sociedade heterogênea, até mais que isso, temos sociedades (no plural), com camadas ou grupos, muitas vezes antagônicos. E o antagonismo não significa que uns estão certos e outros errados, mas apenas que enxergam a realidade sob prismas diferentes. Cada um tem sua própria realidade.

         E neste paradoxo complexo de inter-relações, estão as relações, talvez mais fundamentais, mais simples e mais complexas: as relações com aqueles que estão próximos a nós, que além das divergências culturais, históricas, pessoais, educacionais, repousa ainda a carga emocional e afetiva que permeiam estas relações.

    São as relações na comunidade, na vizinhança, no ambiente de trabalho, com os amigos e familiares, com cônjuges, etc.

         Neste contexto, é normal e socialmente esperado que

criemos expectativas sobre o comportamento alheio, afinal, "nos conhecemos", temos estima e consideração mútua, entre outros fortes sentimentos. Mas estas expectativas geralmente são irreais. São visualizadas através de nossas lentes subjetivas. Isso dificulta com que lidemos com as frustrações e com nossas próprias reações.

         Quando alguém faz algo que desaprovamos, como reagimos ? Ficamos bravos, tristes, choramos ? Alguns ficam emburrados, outros até mesmo partem para a briga.  O orgulho fala mais alto e tentamos provar de todas as formas que o outro está errado.  Tem até mesmo aqueles que ignoram o outro, usando de desprezo e arrogância.

       A questão é: coisas que desaprovamos ocorrem sempre. Seja em casa, seja no trânsito, no trabalho. Pode-se dizer que são coisas normais na vida. Assim, desde crianças deveríamos ser condicionados a ter resiliência para tolerá-las e superá-las (não necessariamente ignorá-las). Ter maturidade emocional para compreender. Edgar Morin diz que um dos maiores desafios contemporâneos é aprender a compreender.

     Compreender não significa concordar em absoluto ou ser conivente com atitudes danosas ou "erros", se este for o nosso ponto de vista. Mas sim ter aquilo que hoje se define como empatia. Ou seja, se colocar no lugar do outro e entender porque ele pensa ou age assim. Isso implica em olhar o contexto: a cultura, religião, história pessoal, etc. Enfim, refletir sobre as tantas possibilidades que podem justificar tal ato pontual.

     Mas, na prática, geralmente damos muito poder a estes eventos e responsabilizamos o outro, o trânsito, o mundo por aquilo que sentimos. Sabemos culpar, julgar com muita facilidade. O outro fez, o outro me atacou, me prejudicou, eu estou certo...

    Quanto estresse poderia ser aliviado, quantas brigas banais evitadas, quantos problemas solucionados com mais facilidade ou felicidade?

        Associamos muito dos nossos sentimentos a fatores externos:  aconteceu algo ou fulano fez isso e eu fiquei assim... meu carro quebrou ...fui fechado no trânsito e estou furioso...ele me respondeu de maneira rude...ela me olhou com ar de deboche... Talvez nem fosse essa a intenção da pessoa, talvez fosse, mas o fato é que estamos dando a tudo isso poder sobre nós. Será que não sabemos quem somos, que não temos uma relação consigo mesmo para saber lidar e racionalizar tudo isso ? Como achamos que conhecemos o outro, que lemos suas intenções se sequer conhecemos a nós mesmos ?

Não estou dizendo que não podemos ou devemos ter tais sentimentos, afinal, eles são "naturais" e fazem parte de toda humanidade, mas quando essas emoções tomam conta de seu dia inteiro, da semana, da vida, são elas que  nos dirigem e não nós que nos dirigimos como seres maduros e emocionalmente independentes.

A autonomia é a base do aprendizado significativo. Pedagogicamente, é o que torna o aprendizado efetivo, salutar, socialmente necessário e capaz de nos desenvolver emocional e intelectualmente.  Como pode uma criança ser independente dos braços maternos se não souber andar, correr ?

Na vida social, a Independência Emocional significa ser dono dos próprios passos, dos próprios sentimentos. E isso implica, além da vontade (motivação) para evoluir, da abertura e flexibilidade psicológica e emocional para aceitar outras visões de mundo.

Ninguém terá controle do que o outro pensa, faz, sente, diz. É quase impossível impedir que uma pessoa nos diga algo negativo (negativo para nós, segundo uma das possíveis possibilidades de visão de mundo), por exemplo. Mas podemos ter controle de como vamos lidar com o que foi dito.

Podemos ficar irados, tristes, chateados? Encerrar a relação porque não gostamos do que ouvimos? Retrucar com outra crítica pesada e realimentar o ciclo ? Quantas brigas ocorrem por pura incapacidade de reflexão ante fatos que  afetam as pessoas em situações cotidianas ! Podemos partir em busca de conquistar nossa paz interior e uma relação mais harmônica com aqueles que nos cercam, e de repente, enxergarmos tudo com outra lente. Ou até mesmo, mudarmos a realidade com nossa atitude emocionalmente inteligente. É tudo uma escolha.

E assim podemos escolher quem nós somos e como seremos, rumo a um aperfeiçoamento contínuo, que é a essência do ser humano. Tudo muda. A vida é devir. É isso que as religiões buscam, que a meditação, que os saberes, que as escolas, que a filosofia, que a humanidade persegue. Escolha dar este passo !


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