O Programa Parceiros da Escola, implantado pelo governo Ratinho Júnior no Paraná, é uma demonstração clara da política neoliberal que guia sua administração. Ao transferir recursos públicos para o setor privado, essa iniciativa não só desrespeita princípios constitucionais como também enfraquece a educação pública, transformando-a em mercadoria.
Em um contexto maior, trata-se de um (ou mais um) desmonte do Estado social, com duras consequências para a sociedade.
Por trás de iniciativas como o Programa Parceiros da Escola está um projeto deliberado de enfraquecimento do Estado social, conduzido por grupos que veem nos serviços públicos uma oportunidade de lucro. Pierre Bourdieu, em A Miséria do Mundo (1993), alerta para o uso de discursos tecnocráticos e modernizantes para justificar a transferência de responsabilidades do Estado para o setor privado, criando uma falsa sensação de eficiência enquanto, na prática, aprofunda a precarização dos serviços.
No modelo proposto, o mesmo valor que o Estado poderia destinar diretamente às escolas públicas será entregue às empresas privadas (atravessadoras ou intermediárias). Essas empresas reterão parte dos recursos como lucro, (afinal, não fazem trabalho voluntário, como as APMFs, entidades tão importantes e sim, verdadeiras parceiras das escolas), aplicando apenas o restante.
Isso significa que uma parcela significativa do dinheiro público não é revertida em benefício da comunidade escolar, mas sim apropriada por empresários. Lucro no bolso ! E nem vamos entrar em especulações como estes empresários serão escolhidos ou quem serão eles.
Este programa também ataca um dos pilares da Educação Pública: a gestão democrática. Garantida pelo artigo 206 da Constituição Federal e pelo artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Conforme esta legislação, as decisões escolares devem ser tomadas coletivamente, envolvendo toda a comunidade educativa – professores, estudantes, famílias e demais trabalhadores da escola. No entanto, o Programa Parceiros da Escola subverte esse princípio ao transferir o poder de decisão para empresas privadas. Ou seja, para quem tem como objetivo, o lucro !
Um gestor empresarial, orientado pela maximização de lucros, pode desconsiderar a complexidade das demandas escolares, detalhes pedagógicos, psicossociais, perfil da clientela, dificuldades específicas dos alunos e priorizar ações que reduzam custos em detrimento da qualidade do ensino. Isso compromete a autonomia escolar e coloca em risco o futuro da educação pública.
Essa prática reflete a lógica neoliberal de mercantilização dos serviços públicos, denunciada por autores como David Harvey, que em O Neoliberalismo: História e Implicações Práticas (2005), aponta que essas políticas não visam melhorar os serviços, mas transferir riqueza para as elites econômicas.
Boaventura de Sousa Santos, em seus estudos sobre o Estado e a democracia, também critica o esvaziamento das funções públicas como uma estratégia para fortalecer a hegemonia da classe dominante.
A educação é um direito social, conforme estabelecido pela Constituição de 1988, e deve ser tratada como um bem coletivo. Transformá-la em um produto sujeita o acesso e a qualidade do ensino às lógicas de mercado, promovendo desigualdade e exclusão.
O grande geógrafo Milton Santos, em Por uma Outra Globalização (2000), argumenta que a privatização de serviços públicos reforça o controle da minoria rica (burguesia, no conceito dele) sobre os recursos e limita a capacidade do Estado de atuar como mediador de justiça social. Ora, nada é mais emancipador do que a Educação. Nada é tão valioso para a autonomia e para a ascensão social quanto o saber, e atacar isso é uma forma de destruir perspectivas, sonhos individuais e sociais, de forma discreta, velada, mas imensurável. Basta retornarmos ao passado e comprovarmos pela História que a Educação era fonte de poder e era restrita aos ricos e poderosos, que assim dominavam o povo mais facilmente. Hoje fazem isso de maneiras mais sofisticadas.
Essa realidade é agravada quando políticas neoliberais são implementadas em um país marcado por profundas desigualdades sociais, como o Brasil. Pesquisas, como as realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), demonstram que o investimento direto em políticas públicas tem maior impacto na redução da desigualdade do que os modelos baseados em parcerias público-privadas.
Esse modelo, além de prejudicar a qualidade da educação, afeta toda a sociedade. Quando a escola pública é sucateada, o impacto não se restringe aos estudantes e educadores: todos pagam o preço de um sistema menos qualificado, que reduz a formação de mão de obra e o potencial de inovação do país. Como isso prejudica toda a sociedade
A privatização da educação pública aumenta a desigualdade ao criar um sistema dual: de um lado, escolas privadas para as elites, com recursos e infraestrutura de qualidade; de outro, uma escola pública enfraquecida, que atende à maioria da população em condições precárias. Essa divisão aprofunda o abismo social e compromete o desenvolvimento econômico e social a longo prazo.
A UNESCO (2019) reforça que sistemas educacionais equitativos e bem financiados são essenciais para reduzir desigualdades e promover crescimento sustentável. Quando o Estado abandona esse papel, toda a sociedade sofre, desde o aumento da criminalidade até a queda da produtividade econômica.
Verificando o site oficial do programa (https://www.parana.pr.gov.br/parceiro-da-escola), vemos algumas afirmações que podem ser questionadas facilmente:
"Educação pública e gratuita garantida" - Embora o ensino continue gratuito, o modelo transfere recursos públicos a empresas privadas que lucram com serviços que poderiam ser geridos diretamente pela gestão escolar. Isso pode caracterizar uma forma velada de privatização, além de destruir a gestão democrática.
"Gestão eficiente e de qualidade" - Afirmações sobre eficiência são subjetivas e não são respaldadas por dados concretos no site, como comparativos de custo-benefício entre gestão direta e terceirizada. Até mesmo porque, não se pode prever quais empresas irão vencer as licitações ou acordos para assumirem a gestão escolar, quem ficará responsável e o quão preparadas elas são.
"Modelo testado e aprovado em países desenvolvidos" - Apesar da referência a exemplos internacionais, o contexto econômico, social e educacional do Brasil difere drasticamente de outros países. Cada realidade tem suas especificidades, tornando a comparação superficial e possivelmente enganosa. E mais uma vez usa o tecnicismo, a modernidade, o exemplo de países ricos por uma série de outros motivos, para validar a vantagem deste modelo.
"Escolha democrática" - A consulta pública mencionada é limitada, com potencial para marginalizar grupos menos informados sobre os impactos de longo prazo dessa política. Além disso, o governo tem o poder da propaganda e da legislação a seu favor, tanto que tentou de todas as formas impedir o voto nesta consulta dos alunos aptos a votar nas eleições normais.
Esta medida que o governo Ratinho insiste de todas as formas implementar, apesar da resistência de estudantes, professores e de toda comunidade escolar, não é apenas um erro de política pública, mas uma ameaça ao futuro da educação no Paraná.
Ao priorizar o lucro privado em detrimento do interesse público, ele desvirtua a função social da escola e compromete o desenvolvimento das próximas gerações.
Cabe à sociedade civil, aos educadores e às famílias resistirem a esse modelo, defendendo uma educação pública, gratuita, democrática e de qualidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário