Confusão entre fato e opinião ou militância dos comunicadores ?

Um comunicador, seja locutor de rádio, jornalista de tv, autor de artigos, etc. tem um público que confia em suas palavras, se informa e toma decisões  baseado nelas. Por isso, há uma necessidade ética de buscar a máxima imparcialidade possível, apresentando os fatos sob todos os prismas e vieses, buscando fontes isentas, confiáveis e verificáveis, e principalmente, deixando claro o que é fato do que é opinião ou ponto de vista. Ponto de vista nem sempre corresponde ao fato, a verdade, ou representa a totalidade do fenômeno a ser observado.


Por mera dedução, já podemos supor que a imparcialidade e objetividade, seja jornalística ou até mesmo de conteúdos científicos, é um mito. É uma utopia positivista. 


Até mesmo nas Ciências é o pesquisador que escolhe o objeto de pesquisa, a perspectiva a ser analisada e o referencial teórico que sustenta sua tese. O que dizer então dos meios de comunicação ?


Vamos a um exemplo

hipotético: aproveitando a proximidade da Cúpula do Clima 2021, podemos usar o desmatamento para ilustrar.


Supondo que de 2015 a 2018 o desmatamento na Amazônia Legal foi de 8 mil km² e em 2019 atingiu 16 mil km² e em 2020 alcançou 13 mil km², podemos dizer, sem dúvida, que houve um aumento da devastação ambiental. Porém, se compararmos apenas 2020 com 2019, o que os governistas gostam de fazer,  não está matematicamente errado se falarmos que conquistamos uma redução do desmatamento.



Destaca-se que falar simplesmente que houve aumento ou redução, desconsiderando o contexto, a série histórica de dados, usando bases convenientes de comparação, não está errado estatística ou numericamente. Ambas as exposições são verdadeiras e corretas, mas expressam um determinado viés. Atendem a um determinado interesse ou visam a justificar determinada visão ou opinião. 


Assim, uma matéria, um jornalista, um formador de opinião, enfim, qualquer meio de comunicação que apresenta apenas dado problema sob apenas um ângulo, está apenas opinando e não informando. Está usando argumentos parciais para defender sua visão particular de mundo. Está ignorando a complexidade da realidade, nem sempre preta e branca ou rasa como acreditam alguns que buscam se informar por meio de "resumos".


Cabe também ao ouvinte, leitor, seguidor, etc. discernir a situação, sob pena de ser manipulado, de se guiar por informações rasas, distorcidas ou incompletas. As chamadas meia-verdades. O assimilador precisa ser crítico e descartar como fonte pessoas que trazem estas informações com a pura intenção de distorcer a realidade, manipular os fatos e convencer por determinado motivo ou razão, normalmente pessoal.


Até mesmo a forma de exposição do gráfico anterior pode dar ao leitor desatento uma impressão diferente. Basta uma mudança na escala do eixo (começar em 500 ao invés de no ponto zero), basta deixar a imagem mais larga, mais alta, etc. e o leitor pode ser confundido. Precisamos de formadores de opinião mais imparciais, mais éticos. E o primeiro filtro é a audiência, cabendo ao leitor descartar as fontes enviesadas.


Sabendo que muitos não leem as matérias inteiras e procuram alguma forma de síntese (tanto que até memes fazem sucesso na era das redes sociais), há muitas formas de distorcer a realidade e manipular o entendimento.


O autor ainda pode deixar de apresentar o desmatamento por km² e apresentar a variação percentual da devastação, como no gráfico a seguir



Neste caso, um leitor desatento pode supor que entre 2014 e 2018 não teve desmatamento (0%), e que em 2019 houve "apenas 50%". Mas pior, ele pode supor que em 2020 o desmatamento foi negativo ( -23%), ou seja, o governo pode até ter investido em reflorestamentos !!


Na verdade o desmatamento em 2020 foi maior em comparação a qualquer ano de 2015 a 2018, e maior que a média de período histórico, sendo um pouco menor que em 2019. Ou seja, aumentou ou diminuiu conforme o período de comparação. E a escolha do período de comparação é uma escolha subjetiva de quem apresenta os dados.


No mínimo, os meios de comunicação deveriam buscar a razoabilidade. Apresentar o contraponto, esclarecer os motivos de seu posicionamento, de suas escolhas. Mostrar notícias e não simplesmente promover propagandas. 


Se até mesmo um fato quantitativo pode ser interpretado de várias maneiras, é imprescindível que os formadores de opinião deixem claro quando expressam uma opinião, especialmente em temas sociais, políticos, e outros, de natureza qualitativa


Quando a opinião for fundamentada, coerente, baseada em informações fidedignas, fica mais fácil compreender os fenômenos sociais, políticos econômicos e principalmente, compreendermos o outro.  Fica mais fácil compreender de forma mais aprofundada a realidade, complexa, multifacetada.

https://www.ex-isto.com/2017/12/diferentes-interpretacoes.html

Claro, cabe também ao leitor desenvolver seu senso crítico, compreender o contexto dos fatos, enxergar as distorções e manipulações, os interesses ocultos. 


A sociedade precisa furar as bolhas das paixões ideológicas, da polarização, do partidarismo e buscar uma visão mais realista e consensual de mundo.


Observando o contexto político, ou melhor, partidário e ideológico, onde as paixões afloram com significativa intensidade, temos alguns exemplos destes vieses interpretativos, muito mais baseados na emoção que na razão.


Peguemos o exemplo da Covid. Alguns defendem que Ivermectina e Cloroquina são eficazes, contrariando diversos estudos científicos verificáveis e toda experiência mundial acumulada. Dizem que conhecem alguém que usou e não teve complicações. Porém, quando usamos da mesma lógica (na verdade, isso é um sofisma), dizendo que todos os pacientes que se curaram tomaram água, e, portanto, água cura (e sem trazer riscos à saúde), eles acham absurdo. Mas é desta cambalhota retórica que eles mesmos usam.


Inúmeras matérias jornalísticas apontam os danos à saúde causado por tais medicamentos (especialmente quando há automedicação), apresentam a possibilidade de lobbys que estimulam determinada conduta, outras que confirmam que estes tratamentos são ineficientes e que em nenhum lugar do mundo são aplicados. Porém, quando estes fatos são apresentados, as pessoas dizem que a fonte (jornal, revista, etc.) que apresentou a matéria é comunista, é de esquerda, é mídia comprada, quer atacar o Mito, etc.


Outro exemplo: governistas estão dizendo, em uma tentativa de atacar prefeitos e governadores, que as medidas restritivas causaram uma quebradeira nas empresas, provocando crise e desemprego. 


Primeiramente, há estudos (vide o Veredito da Ciência, no Estadão) que comprovam que as mortes e número de infectados que sofreram com a Covid só não foi maior graças a atuação dos governantes infra federais. Em segundo plano, há estudos do Sebrae, de data muito anterior ao surgimento da Pandemia, que afirma que a taxa de mortalidade empresarial no Brasil sempre foi gritante. O IBGE (cujos valiosos dados o governo despreza ao cortar o orçamento do órgão para manter a conveniente distribuição de emendas parlamentares), e diversos sites que reproduzem dados desta instituição, destacam ainda que quase metade das pequenas empresas fecham as portas antes de completarem 5 anos de atividade.


Estes exemplos denotam que a realidade é mais complexa do que um tuíte de apoiador do governo. Denota ainda que as pessoas esquecem que por trás de uma matéria jornalística séria, existe, ou deve existir, uma fonte de informação. 


Esta fonte deve ser confiável. Se ela cita uma pesquisa científica, basta o leitor verificar a referida pesquisa, seus parâmetros, sua metodologia e conclusões. Infelizmente, por falta de tempo, por excesso de (des)informação, por falta de conhecimento e análise crítica, as pessoas se contentam com a superficialidade. Se informam pelas manchetes, por comentários de políticos e influenciadores, e o pior, até por memes de redes sociais, negando a realidade.


Talvez como consequência deste contexto de abundância informacional (em termos quantitativos, nem sempre qualitativos), as redes sociais (excluindo as fotos e postagens narcisistas, sem o mínimo de sentido sociopolítico) são os principais meios de informação (apesar da superficialidade e do grande conteúdo irrelevante) de muitos, consumindo um grande percentual do tempo total de leitura. Um meio de informação que ao mesmo tempo é um meio de comunicação (possibilita a interação) e um meio de influência.


E é nesta dimensão ambivalente (informação e comunica/ação) que repousa sua atratividade. Quem posta algo, seja um adolescente contando que irá para uma festa ou a manchete de um grande veículo de comunicação analisando a conjuntura econômica, abre instantaneamente um canal de comunicação.


Hoje temos a possibilidade dos leitores concordarem e discordarem, seja da notícia, seja entre si. É a interatividade. É a troca, de informação, de ideias, de ideologias, de boatos... E onde há a circulação de informação, há a mudança de pensamento, ou pelo menos, a possibilidade dela.


Quem sabe seja uma das causas pelas quais os comícios perderam o foco e saíram de cena. O maior rigor da legislação eleitoral é mera consequência da mudança social e não causa. Eles se tornaram obsoletos diante do novo contexto dinâmico de profusão de ideias. E por isso, as eleições cada vez mais são disputadas no duelo de informações, desinformações que ganham impulso e "viralizam" nas redes sociais. São as narrativas, muitas vezes impulsionadas por robôs ou por influenciadores pagos. Enfim, uma propaganda.


Redes sociais, que não se pode esquecer, são alimentadas por pessoas. Pessoas que não estão imunes às manipulações das informações repassadas por marqueteiros, cientistas, por revistas e jornais, muitas vezes, não isentos. Por pessoas que convencem pessoas !


Por isso, é fundamental irmos além da superficialidade dos discursos. De confrontar as informações repassadas. De procurar enxergar os fatos em suas diferentes perspectivas. E há tantas perspectivas para se olhar !


Uma simples foto pode dizer muito. Quais os motivos da sua escolha ? O que ele representa ? De que forma representa ? É espontânea ou preparada ? É ilustrativa, informativa, é arte ou uma propaganda, às vezes, disfarçada ? É real, é montagem ? Está em seu contexto original ? Isso sem considerar os aspectos psicológicos de quem a observa, as experiências pessoais, os valores, enfim, tudo que influencia na percepção.


Que tal antes de comentar a próxima postagem, se perguntar: Em que contexto a informação foi repassada ? Quem a produziu ? Com que finalidade ? A quais influências seu produtor estava sujeito ? O que se apreende ao confrontar tal fato com outros ? 


Pensando dessa forma, talvez consigamos respeitar mais as opiniões alheias, entendendo-as na perspectiva do outro, com empatia. Talvez consigamos distinguir fato de opinião sobre o fato, de narrativa do fato. Talvez consigamos entender melhor os interesses por trás dos discursos políticos e votar melhor, exercer melhor nossa cidadania. Talvez consigamos ser mais tolerantes...







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