A
utilização do termo “doutor”, seja como título acadêmico ou sob a forma de
pronome de tratamento, sem entrar no mérito de tal uso ser correto do ponto de
vista gramatical ou mesmo legal, é foco de diversas polêmicas.
Além
da discussão sociológica, pois envolve valores, status social, costumes e
distinções de classe, o uso do termo traz implicações de ordem prática,
inclusive nas relações comerciais, quando optamos por contratar determinado
profissional que ao apresentar tal título se destaca como mais qualificado em
relação a respectiva concorrência.
Diante
de inúmeras controvérsias e de n implicações, irrelevantes para discorrer sobre
outras tantas delas, despertou-se o interesse de propor
ao banco de idéias da câmara dos deputados, uma sugestão de pauta para tratar aprofundadamente, com o debate que o tema merece, uma regulamentação mais objetiva sobre o tema.
ao banco de idéias da câmara dos deputados, uma sugestão de pauta para tratar aprofundadamente, com o debate que o tema merece, uma regulamentação mais objetiva sobre o tema.
Assim,
foi encaminhado à Câmara dos deputados, sob protocolo: 171020-000004, a
sugestão de ser elaborado um projeto de
lei regulamentando, de maneira condizente com o atual contexto histórico,
social, cultural e até mesmo econômico, o uso do termo doutor.
Trata-se, em uma de suas acepções, de título acadêmico, utilizado, todavia, como forma de tratamento, demonstrando, implicitamente, determinado grau de hierarquia ou superioridade nas relações sociais. Seja demonstrando maior inteligência ou intelecto, maior poder aquisitivo, maior poder político ou social, enfim, remete a uma ideia de hierarquia ou superioridade, especialmente quando utilizado fora dos círculos acadêmicos, ou seja, como pronome de tratamento.
https://limpinhoecheiroso.com/2017/09/18/ nao-existe-nenhuma-lei-que-obrigue-alguem-a- chamar-advogados-de-doutor/ |
Esta
acepção, em específico, não mais condiz com os valores sociais e com os
princípios consagrados pela Constituição de igualdade.
Já o uso do termo por aqueles que não detém tal grau de formação acadêmica, torna-se uma forma de aviltar o esforço, o tempo e o investimento financeiro daqueles que realmente cursaram uma pós graduação stricto sensu, os quais, muitas vezes, sequer utilizam tal termo fora de seu ambiente acadêmico, onde tal titulação encontra seu verdadeiro sentido. Neste caso, pior do que o uso nas relações sociais do termo, está na distorção ou no uso indevido.
Comum ainda é o uso do termo "doutor", estampado em cartões de visita e portas de escritórios, consultórios, etc. Isto confunde a população enquanto consumidora de serviços, afetando as relações econômicas. Com o uso do referido termo, repassa-se ao cliente a ideia de que o profissional tem uma formação, que em muitos casos, não detém. De certa forma, quase que se aproxima de uma propaganda enganosa.
E por fim, leis ou mesmo meros decretos do tempo do Império ou tradições obsoletas não podem justificar a perpetuação de uma prática que não encontra mais validade no atual contexto, como é o caso de certas profissões, que mesmo tendo o grau de bacharel, utilizam o termo.
Desta
forma, considero salutar o Decreto emanado pelo governo Bolsonaro, que proíbe servidores e integrantes do governo federal a utilizarem os termos "Vossa
Excelência" e "doutor" em comunicados, atos e cerimônias
públicas.
Esta proibição não resolve na íntegra o caso, não tem abrangência
além da esfera federal do serviço público, mas mostra que o atual contexto sociocultural
não contempla mais determinadas distinções formais, as quais precisam ser definitivamente revistas, primeiro de forma legal, posteriormente, alcançando a mudança sociocultural plena.
Tal
decreto do atual governo tem a qualidade de abrir a discussão para a ampliação do tema. Seria ingenuidade pensar que
um decreto mudaria abruptamente, usos, costumes e representações simbólicas
arraigadas no seio social, mas demonstra, sem dúvidas, a mudança de paradigma que vivenciamos atualmente.
Expressa muito mais do que um ato de governo, mas é o reflexo de uma sociedade que
de forma ainda encabulada busca dirimir as desigualdades.
Embora
na prática a busca pela igualdade material esteja longe de ocorrer, damos mais
um passo formal para construí-la. Ao lado da Constituição, que desde 1988 determina que todos
são iguais, este decreto, ao considerar a realidade social e os novos
anseios do povo, independente das intenções (demagógicas ou pragmáticas), acende
uma esperança: uma sociedade que busca ser igualitária, que não admite
privilégios, também não pode admitir opressões, não pode tolerar jeitinhos,
diferenças de tratamento, símbolos de autoridade, temor reverencial, ou outras
sombras quase que dos tempos nobiliárquicos dos condes e barões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário