Avaliação do serviço público pelo cidadão


 A Reforma Administrativa ou do Serviço Público anunciada pelo Governo de Bolsonaro tem nitidamente a intenção de reduzir direitos trabalhistas dos servidores públicos, valendo-se da narrativa de tornar a máquina pública mais enxuta, eficiente e menos onerosa, em outras palavras, com o pretexto de melhorar a vida do cidadão.

Ocorre que precarizar o trabalho público é, em regra, prejudicar o cidadão. Não há oferecimento de serviços essenciais de qualidade, como saúde e educação, por exemplo, sem servidores, e mais, sem condições adequadas de trabalho para tais trabalhadores. 

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Ataca-se a qualidade do serviço público, culpando o servidor e esquecendo que ele precisa de uma estrutura adequada, de chefes com capacidade de planejamento, do respaldo de leis e de decisões políticas, de investimentos, etc. Atacam a necessária estabilidade do servidor, criticam a realização de concurso público (forma mais democrática e justa de acesso ao trabalho), tratam todos os servidores, de forma generalizada, como privilegiados e displicentes, esquecendo que as benesses dadas aos comissionados e apadrinhados políticos, bem como certas condutas, estereótipos comuns da classe política, não se aplicam a todos.

Enfim, fica nítido, observando a mídia, a narrativa que
ataca servidores, as propostas legislativas, as medidas fiscalistas adotadas, que atacar aos servidores, e aos demais trabalhadores, retirando direitos, enfraquecendo sindicatos, faz parte de um contexto maior, fruto de uma ideologia neoliberal elitista que amplia a desigualdade garantindo vantagens a poucos, porém, convencendo a sociedade de que isto trará eficiência e desenvolvimento (para quem ?). 

Assim, após testar a reação da sociedade com um corte absoluto e geral da estabilidade do servidor público e da apresentação de uma reforma maléfica e rigorosa, que teve que ser adiada para garantir os votos parlamentares necessários à aprovação (talvez com a troca por emendas), a tacada atual de Paulo Guedes é apresentar uma proposta onde o servidor, para ter estabilidade, além da avaliação de desempenho (coisa que já ocorre - leia aqui), precisa passar por uma avaliação do público.

 Segundo o Jornal GaúchaZH, para o Ministro, “se houver avaliação positiva dos cidadãos, junto com um retorno favorável dos chefes imediatos e funcionários experientes, a estabilidade poderá ser concedida. Tem que passar nessa peneira, tem que ser avaliado para não ficar com essa imagem que o serviço público fica de que o cara não quer nada porque tem estabilidade no emprego, tem um salário muito alto, está garantido na aposentadoria, não está nem aí, maltrata a gente.”

Ou seja, para o ministro, todo servidor tem salário alto (esquece de professores, serviços gerais e tantos outros cargos, especialmente no executivo municipal, que ganham próximo do salário mínimo e muitas vezes, sequer têm planos de progressão na carreira). Fala de aposentaria, como se com as novas regras, fosse algo seguro. Hoje, está mais fácil ser afastado por questões de saúde e de idade avançada do que obter o benefício previdenciário. Lembrando que os servidores pagam em geral 11% de previdência e a tendência é que todos passem a pagar 14%, índice muito maior que a tabela progressiva do INSS. E por fim, o ministro generaliza o fato de que todo servidor atende mal, que inclusive maltrata a população.

Esta proposta escancara o desconhecimento do Ministro dos banqueiros sobre a realidade do serviço público. Conforme Guedes, assim que o cidadão é atendido, ele aperta um dos três botões: o verde, bem atendido, o amarelo, serviço normal, ou o vermelho, pessimamente atendido — disse.

Obviamente, é salutar avaliar a qualidade do serviço público, inclusive, a qualidade do trabalho prestado pelo servidor. Entretanto, é necessário parâmetros objetivos, que levem em consideração a especificidade de cada cargo, as quais vão além do atendimento ao público. É preciso avaliar o contexto de trabalho, os recursos disponíveis, as leis que determinam o que pode ser feito (diferente da iniciativa privada onde se pode fazer tudo que a lei não proíbe, no setor público somente se faz o que a lei autoriza), as políticas públicas orientadoras (definidas pela classe política sem se preocupar com a operacionalização das mesmas).

Guedes faz apenas demagogia. Primeiramente, ele parte do pressuposto de que todo servidor atende diretamente ao público. Como avaliar desta forma o trabalho de um professor, de um médico, de um contador, trancado sozinho em sua sala abarrotada de documentos. Como avaliar desta forma o trabalho de um agente de trânsito que multa o cidadão infrator ou de um fiscal tributário ou sanitário ?

É impossível ao cidadão que avalia o atendimento levar em consideração o serviço público que precisa de insumos ou materiais para ser prestado e que nem sempre o Estado fornece. É o caso de uma farmácia que não dispõe de dado medicamento. De uma unidade de saúde que não dispõe de leito vago. Como será avaliada a demora nos casos em que os servidores trabalham com computadores e demais equipamentos de uma década atrás, com internet ruim, com sistemas falhos ? Será culpa do servidor ? Terão todos os servidores que fazer o que se faz hoje nas escolas, ou seja, mobilizar as APMF’s para adquirir os recursos básicos para ensino e para a manutenção das instituições que deveriam ser fornecidos pelo Estado ?

E quanto aos recursos disponíveis, podemos ir além. Sendo escancarada a intenção do governo de privatizar, de precarizar as relações trabalhistas, de deteriorar os serviços públicos e as políticas sociais, pode haver uma redução significativa dos investimentos necessários para a prestação de um atendimento de qualidade, reduzindo número de servidores, materiais e tecnologias disponíveis e movimentando a opinião pública para acatar a ideia de que tal precariedade é culpa do trabalhador público, de que o serviço público não funciona, enquanto a classe política, responsável pelas leis e pela destinação dos recursos, navega em seus discursos demagógicos.

O número de servidores, apontado pela mídia como excessivo, por si só é uma falácia. Faltam professores nas escolas, enfermeiros, médicos e demais atendentes nas unidades de saúde (vide as filas), faltam policiais, etc. Se compararmos os dados objetivos, o número de servidores cresceu proporcionalmente menos do que a população nas últimas décadas. Dados revelam que o Brasil tem menos servidores per capita que a média de muitos países. (Leia nesta blog o texto que trata do fim da estabilidade)


E por fim, muitas das falhas do serviço público decorrem das leis mal elaboradas. Ou seja, precisaríamos avaliar os políticos, estes sim, onerosos e bem remunerados (leia aqui o texto que trata do verdadeiro ralo para onde vão os recursos públicos). Avaliar o excesso e a utilidade de tantos cargos de chefia (comissionados ou indicados políticos), avaliar os investimentos realizados, para então avaliar os serviço público. E enfatizando: servidor público já passa por avaliação de desempenho para adquirir, após 3 anos de exercício, a estabilidade. Estabilidade esta que é relativa, pois há diversas possibilidades que permitem a demissão ou exoneração do servidor.


 Propostas como esta são absurdas e contraproducentes, pois farão com que o servidor seja impelido a escolher: ou atende a lei e mantém a impessoalidade (sendo mal avaliado e demitido) ou faz igual político, dá jeitinho, agindo de forma pessoal para ser bem avaliado. Enfim, parece que não querem qualidade ou profissionalização do serviço público. Querem apenas fazer do Estado uma máquina a serviço dos interesses ideológicos,partidários e pessoais dos políticos do momento.

E da mesma forma que houve com a Reforma Trabalhista e Previdenciária, cujo discurso tinha tom de busca pela eficiência, economia e recuperação econômica, na prática, ocorreu apenas o corte de direitos, especialmente da massa populacional. Apenas a sociedade foi sacrificada enquanto os verdadeiros privilegiados ficaram incólumes. Até mesmo militares mantiveram certas vantagens, mesmo sendo uma das classes que mais impacta no rombo previdenciário.

Em geral, todas as propostas deste governo têm um cunho simplificadamente ideológico e fiscalista, orientado para atender aos interesses do mercado e da classe capitalista. Porém, há pouca preocupação verdadeira com os reflexos na vida do cidadão. Tanto que hoje ostentamos o fato de sermos o segundo país com a maior desigualdade social e com péssimos índices de desenvolvimento humano

O reflexo se dá inclusive no IDH, que é calculado, além da renda, com base em educação e longevidade (relacionada à saúde), ou seja, considera áreas que primordialmente são de competência do Estado e que afetam a vida da população mais pobre, que ficará cada vez mais desamparada e desprotegida com a deterioração dos serviços públicos.


De forma mais objetiva, além das privatizações, terceirizações, do corte de recursos para áreas essenciais de ação estatal, o foco do governo (e de parte da mídia) parece ser o de querer transformar os servidores públicos em inimigos número 1 da sociedade.  

E o mais grave: todo este contexto tem um objetivo geral maior, que se desenha a partir de diversas estratégias interligadas que parecem passar desapercebidas pela população, ou pior, muitas recebem aplauso. E todas elas têm levado a deterioração das condições sociais, agravado a desigualdade e garantido a lucratividade e os benefícios de poucos grupos ou indivíduos. Os dados estão disponíveis para quem for além do discurso raso, ideológico e polarizado de que tudo se resume em esquerda e direita.

Não vivemos um retrocesso, como dizem alguns, pois nunca antes na história deste país, conquistas de décadas foram destruídas tão rapidamente. Nunca o social foi visto de forma tão pejorativa.

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