https://www.cartamaior.com.br/?/ Editoria/Educacao/Seis-respostas-sobre- como-combater-o-Escola- Sem-Partido/54/42694 |
Esta visão se alicerça sob uma espécie de exacerbação do individualismo egoísta, talvez uma forma de narcisismo como epidemia que ataca os valores sociais. Porém, não se resume a uma liberdade individual apenas, a um resultado da autonomia consciente do indivíduo, mas em partes, é fruto de uma manipulação estruturada por organismos ou grupos que se valem do antagonismo social. Tanto, que os mesmos que defendem a absoluta liberdade de expressão, inclusive para propalar mentiras, tentam tolher o pensamento crítico, vinculando-o a correntes ideológicas ou a doutrinação.
Enfim, a liberdade de expressão, direito
fundamental expresso na Carta Magna, mas que certamente é um valor
pré-constitucional (pois a própria noção de democracia se sustente nela), tem
suas distorções.
A liberdade tornou-se um
mantra político, aplicado a N contextos, o que esvazia seu importante significado. Ela vem sendo usada para defender pensamentos e ações questionáveis moralmente e contraproducentes socialmente, para justificar uma série de atitudes, como a propagação de mentiras (e suas consequências danosas), a manipulação social, o enrijecimento de pensamentos extremistas e preconceituosos.Não se trata de defender o direito de livre
pensamento, como fica explícito nos argumentos de muitos defensores da tal
liberdade. O malabarismo começa quando confundem o que é liberdade de expressão
com liberdade de pensamento. Ora, por piores que sejam os pensamentos de um
indivíduo, ninguém pode acessá-los, controlá-los, confirmá-los. É a ação que
objetiva e materializa o fato de pensar. E entre as ações, está a expressão.
Esta sim tem efeitos no convívio social. Liberdade de expressão é ato,
diferente da liberdade de pensamento. Esta ninguém cogita em controlar. Porém,
discursando como se fosse este direito que estivesse ameaçado, os defensores de
certos abusos aumentam a gravidade de qualquer ato que tente bloquear ou
regulamentar a disseminação de ofensas, fakenews, preconceitos, etc. sobretudo
na mídia.
E a distorção continua quando dizem que a
liberdade de expressão é um direito absoluto, quando sabemos que segundo a
própria Constituição que usam para invocar tal direito, nem mesmo a vida é.
Nenhum direito é absoluto.
Por outro lado, esta reação ou reacionarismo
se contrapõe, de certa forma, à chamada Ditadura do Politicamente Correto, que
também manifesta um grande rigor, não apenas para reduzir comportamentos
preconceituosos, misóginos, discriminatórios enraizados e naturalizados nas
práticas sociais, mas como forma de marcar posição
política-ideológica. Obviamente, o ser humano é essencialmente político e a
sociedade precisa repensar suas práticas segregadoras, no entanto, a crítica
recai sobre os objetivos e intenções destas manifestações.
https://racismoambiental.net.br/2018/07/13/ manipulacao-da-informacao-escolhas- e-consequencias/ |
Por outro lado, hoje, ao se expressar publicamente, ficamos, por
vezes, receosos de utilizarmos algum conceito que possa ofender determinada
parcela social. Até mesmo palavras que adquiriram novos significados
contextuais (já que Linguagem é dinâmica), por sua etimologia ou histórico, são
elevadas à categoria de vilãs racistas ou preconceituosas, em um anacronismo
absurdo.
Um grade exemplo desta mudança está no humor.
Basta comparar as piadas de 20 anos atrás com as atuais. Se estende inclusive
no vocabulário. Hoje, por exemplo, a palavra doméstica é tida como
preconceituosa. Para justificar isso, remetem o significado da palavra ao ato
de domesticar (um animal, uma pessoa), sendo que contextualmente, todos que
usam o termo, falam com relação ao lar, ao ambiente de casa. Outros termos como
meia-tigela, denigrir, magia negra, lista negra, nas coxas, entre outros,
figuram no rol de termos a serem eliminados do vocabulário. Tanto que estão
sendo desenvolvidos teclados conscientes ou inteligentes que sugerem termos
politicamente corretos ao digitar quando detectam termos preconceituosos.
Ou seja, há um antagonismo entre liberdade de
expressão (que não se confunde com liberdade de pensamento) e o politicamente
correto, ambos tratados de forma politiqueira e ideológica, não pensando em
direitos fundamentais e em evolução social, mas como instrumento de
posicionamento e demarcação de território cultural de grupos. São meios para
distorcer a realidade, manipular e alienar massas, provando que até conceitos
fundamentais para a vida individual ou social são pervertidos e utilizados com
propósitos espúrios.
Outra questão subjacente, é o chamado lugar
de fala, ou seja, no conceito de Djamila Ribeiro, não se trata apenas de
analisar o que se fala, mas quem fala. Parte da premissa de que cada indivíduo
enxerga o mundo por determinado prisma, que reflete suas condições culturais, econômicas,
sociais, etc. Isso faz com que se dissemine a ideia, especialmente nas redes
sociais, de que somente quem pertence a determinado grupo, pode falar sobre
aquele grupo. Quando “João” defende a questão indígena, ele O faz como um homem branco, jovem, de classe média,
que defende os indígenas com base em sua visão de mundo e em suas noções do que
é importante. Isso por sua, se relaciona com a questão das narrativas, outro
termo em voga, demonstrando a relativização da realidade, fazendo com a verdade
seja um conceito subjetivo, e portanto, dificultando a análise do que é fato ou
fake, se relacionando com o que é ou não liberdade de expressão.
O lugar de fala, porém, não visa cercear a
liberdade de expressão, tampouco pode criar uma realidade individual paralela
onde qualquer expressão seja verdadeira, simplesmente por representar a visão
de um dado sujeito.
Problemas que atingem a população negra, por
exemplo, que representa mais de 50% da população, quando somados os pardos (46,8% como pardos, 9,4% como pretos, conforme dados da
PNAD), são problemas de toda sociedade. O Brasil é um país miscigenado, o que
reforça a tese de que os problemas sociais são comuns a maioria. Porém, alguns
argumentam que brancos (quem é branco puro no Brasil ? ) não são legitimados
socialmente a debater alguns temas, pois não tem um lugar de referência sobre a
questão. O Mesmo ocorre com relação às diferenças de gênero. Homens defenderem
pautas femininas, muitas vezes, é ato visto como interferência machista, tendo
conotação inversa ao de apoio.
E por fim, e não menos
relacionado à questão de liberdade de expressão, está a regulação profissional.
Exercer ilegalmente uma profissão, que exige conhecimento técnico e
especializado, com fins econômicos, pode trazer
riscos e prejuízos. Isto é fato. É uma questão primordial e exige
rigorosa fiscalização, inclusive para dar segurança aos clientes. Porém, em
alguns casos, há um certo exagero na chamada reserva de mercado. Há casos de
blogueiros fitness que tiveram problemas aos expor uma dieta que
realizaram, exercícios que executaram na
academia, etc. por invadirem uma área que não é de sua competência.
Extrapolando, logo uma mãe
decidir o que o filho come será usurpar a função de um nutricionista ? Decidir
o que o filho veste, será função de um personal stylist ? Dar um chá de
camomila para uma criança seria exercício farmacêutico irregular ?
Enfim, exageros à parte, a questão da liberdade de expressão (e relacionadamente, liberdade de pensamento e de ação), bem como o contraponto do politicamente correto e da fiscalização das condutas, são elementos dialéticos e desassociáveis. São questões que regulam o tecido social, e portanto, precisam ser ponderados com racionalidade e bom senso.
Talvez o principal elemento causador de distensões nestas áreas seja a ideologia, especialmente quando ela é utilizada para manipular e alienar a sociedade, conduzindo-a para um terreno em que o debate e os problemas fundamentais ficam de lado, favorecendo a classe dominante (conceito que por mais clichê que seja, se refere aos políticos e aos grandes empresários que determinam os rumos econômicos e sociais).
Outro problema é a hipocrisia dos formadores de opinião. Hoje, a informação influente parte de muitas fontes, especialmente em virtude das redes sociais. Muitas narrativas são criadas e espalhadas à velocidade da luz, segundo os interesses dos emissores. Mas basta uma análise atenta, minimamente livre da paixão ideológica (ou partidária) e se percebe as contradições e a hipocrisia. Os mesmos que defendem a liberdade de expressão de forma absoluta, de um lado, impõem censura, quando conveniente. Os mesmos que exigem moralidade de alguns, acham justificativas e pretextos para os erros de outros (o famosos passar pano).
Talvez a sociedade não estivesse preparada para o advento das redes sociais, ou pior, talvez a própria Democracia não esteja madura o suficiente, e a suposta liberdade e participação de todos enquanto atores sociais, seja meramente ilusória...
Quanto às fakenews, lembremos que outrora as pessoas acreditavam em boitatás, lobisomens e outras crendices transmitidas oralmente. Só mudamos de contexto. Mas enquanto a crença nos causos foram sendo extintas do imaginário de forma proporcional à iluminação e ao avanço do desenvolvimento urbano, as distorções políticas da realidade (e até científicas, como dizer que a Terra é plana e vacinas matam) se intensificaram. Esperemos que as luzes da Ciência (sem viés), do bom senso e da verdadeira sabedoria, transformem as novas crendices em apenas contos e anedotas.
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