O IDEB e a concepção desvirtuada de qualidade da educação

Texto publicado na Revista Visual Ed.145 agosto / setembro de 2014

Aguarda-se para meados de 2014 a divulgação do IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Mas apesar do alarde e do maçante destaque dado pela mídia, a real qualidade da educação escolar permanecerá obscura. Isso porque a ênfase dada ao assunto é superficial e distorcida, transformando os resultados em um ranking de melhores e piores (escolas, municípios, etc.) e tornando estas conclusões o fundamento para o entendimento social de uma questão abrangente, dinâmica, sistêmica, complexa e que não se limita ao retrato mostrado por um índice estático e parcial.

         Essa desvirtuada compreensão ainda se retroalimenta na retórica (e nas práticas) daqueles que embora entendam a complexidade do problema, optam por  simplificá-lo e traduzi-lo de modo conveniente, influenciando a visão social da educação, da sua qualidade, das funções da escola e das políticas públicas.

            Mas o que é, conceitualmente, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica ? Grosso modo, o IDEB reúne dois conceitos importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar (aprovação e repetência) e o desempenho nas avaliações elaboradas pelo INEP (Prova Brasil ou SAEB). Teoricamente, se o sistema retardar a aprovação do aluno visando bons resultados nas avaliações, comprometerá o índice de aprovação (fluxo). Da mesma forma, se facilitar a aprovação de alunos com baixo rendimento para melhorar o fluxo, a distorção será sentida nos resultados (notas) das avaliações. A solução ideal para obter bom desempenho no IDEB seria ter um fluxo satisfatório e garantir que os alunos aprovados dominem os conteúdos propostos – na prova !

         Porém, a realidade é mais ampla, complexa e está sujeita a variáveis que fogem do idealismo teórico e da quantificação objetiva. Neste sentido, além da desvirtuada e superficial interpretação social do que o índice revela, despontam críticas pedagógicas e conceituais.

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É preciso compreender que o indicador se vale do conceito limitado e quantitativo de notas, não isento de críticas pela sua insuficiência em avaliar na plenitude as competências dos alunos. Mais cuidadosa ainda deve ser a análise ao considerar que tais avaliações contemplam apenas Língua Portuguesa e Matemática, apesar dos conteúdos socialmente necessários não se restringirem a estes, pois a educação tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, vinculando-se à prática social, como destaca a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Assim, o que impede tecnicamente que estas distorções aliadas ao caráter competitivo que o índice auferiu, estimulem o sistema (a escola é apenas um dos elementos sujeitos a diversas influencias) a priorizar os conteúdos exigidos nas avaliações ?

Também é preciso destacar que tais avaliações são padronizadas, ou seja, a mesma avaliação é aplicada igualmente em todo o território nacional, desconsiderando na comparação dos resultados as disparidades regionais e até mesmo locais que podem afetá-lo. Basta analisar que IDEB e IDH municipais mantêm uma estreita relação. Diante disso, se torna óbvio que praticamente todos os 20 primeiros municípios melhor classificados no IDEB (2011), apresentem um IDH (2010) superior ou em torno de 0,700. Por outro lado, os "piores municípios" na classificação do IDEB apresentam também um IDH relativamente baixo.

Outro exemplo ilustra a distorção decorrente das
disparidades sociais, tanto regionais quanto locais e de sua desconsideração na análise quantitativa e estática do IDEB. Assim, o fato,  de uma escola apresentar um índice inferior ao de outra não significa necessariamente que ela seja pior. Uma instituição inserida em um contexto carente de infraestrutura, socioeconomicamente precário, com alunos em vulnerabilidade social, pode gerar um importante resultado qualitativo tanto para os alunos quanto sob a perspectiva social e que o indicador não considera.

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Não se trata de justificar a precariedade da qualidade da educação com base nas condições socioeconômicas, porém, seria ingenuidade desconsiderar o contexto e as condições tanto das escolas quanto dos alunos. Esquecer isso seria reforçar a ideia de que a educação não depende de investimentos e de políticas públicas paralelas. Seria se conformar com a desigualdade.

Da mesma forma, não se trata de justificar o baixo desempenho e criticar o uso de indicadores, que quando consistentes e corretamente ponderados facilitam o diagnóstico e a adequação das políticas públicas. Porém, é indispensável entender de forma abrangente o porquê dos resultados e suas limitações, embora seja difícil avaliar e proporcionar o entendimento social de fatores qualitativos que influenciam a área educacional (sistêmica, dinâmica e não mecanicista), como os reflexos do contexto social, econômico, político, cultural, no qual a escola e os elementos que lhe dão vida se inserem e que afeta os resultados.

Diante da pouca relevância dada às influências do ambiente no qual as instituições estão inseridas no ranking estabelecido pela mídia e socialmente aceito baseado no IDEB, embora necessárias, é utópico respaldar a qualidade educacional em ações integradas com o contexto externo quando no restrito domínio educacional nem sempre se considera de forma sinérgica que a qualidade do resultado é dependente da qualidade de todos os elementos, processos e recursos que o geram, incluindo os aspectos e condições materiais e imateriais de trabalho, como a capacitação atrelada à valorização profissional e social de todos os profissionais da educação. (Somente as dificuldades do trabalho docente dariam uma discussão à parte, embora, haja socialmente uma discussão maior sobre estas dificuldades, diferente do que ocorre com os demais profissionais, cuja importância parece ser restrita nos resultados, embora a educação seja um sistema cujo resultado decorre da ação sinérgica de todos os elementos.)

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Assim, apesar da discursiva (parcial, restrita) busca pela qualidade, o que há em muitos casos é o reforço de disfunções no sistema, que além das próprias lacunas, assume infindáveis atribuições marginais a seu foco de ação, decorrentes da visão (ideológica, política e social) que se tem da educação e da escola, tida como solução para todos os problemas sociais e individuais, tida como segunda casa, etc.

Evidencia-se um contrassenso. Se a escola assume e se sobrecarrega de tantos papeis; se a educação detém tamanha importância social; se os seus resultados estão sujeitos a tantas influências e interações, como aprovar que sua qualidade seja avaliada e as instituições rotuladas com base em um índice limitado, distorcido e mal compreendido socialmente, deslocando para as escolas toda a responsabilidade do sistema, e pior, rotulando as instituições de ensino ?

Mantendo esta concepção, a educação deixa de ser agente de transformação social e se converte em um mero instrumento político-ideológico ou de manutenção do paradigma capitalista competitivo e excludente, reproduzindo estas relações em seu próprio sistema. Enfim, relega a formação de sujeitos críticos para desenvolver produtos que atendam o mercado, cujo diferencial está em um selo de certificação. Isso sem mencionar o fato de que a educação de qualidade carrega uma grande carga retórica. Importa muito mais os discursos e as políticas socialmente agradáveis do que uma real abordagem integradora (e não meramente, delegadora de atribuições), onde a escola é responsável por resolver todas as mazelas.

Enfim, é o discurso modal, pela facilidade de aceitação social, pela facilidade de camuflar as ineficiências e transladar responsabilidades, atribuir às escolas a responsabilidade pela solução de problemas das mais diversas esferas. Uma forma do poder público, sobretudo pelo viés político, se fazer presente retoricamente, mas sem pesar o sobrepeso que a escola precisa suportar. Enfim, escola e sociedade unidas para preencher (ilusoriamente) a lacuna que as políticas públicas (apesar da alta arrecadação) não conseguem suprimir. Enquanto a efetiva qualidade da educação, que deveria ser o foco da atenção das escolas, fica sujeita à avaliação de um indicador, falho, parcial, desvirtuado...como as demais contradições do sistema.

Clique aqui e conheça o índice obtido pelas escolas, municípios e estados.
Clique aqui e leia o texto: A valorização dos secretários escolares
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