A ilusão dos rótulos

Conforme expressa o Portal Anvisa, a chamada Agenda Regulatória (AR) da Anvisa é um instrumento de gestão que confere maior transparência, previsibilidade e eficiência para o processo regulatório da Agência, uma vez que divulga, para um determinado período, as prioridades que demandam atuação da autoridade regulatória. 

O processo de construção da agenda prevê momentos de participação da sociedade para identificação dos problemas enfrentados por diferentes atores sociais. Neste sentido, a agência disponibilizou um formulário para a sociedade elencar suas demandas ou temas julgados relevantes. Os temas descrevem assuntos sujeitos à atuação regulatória da ANVISA, tais como registro, notificação, fiscalização, monitoramento, etc, exigências e requisitos referentes a produtos, serviços e estabelecimentos regulados por ela. 

Isto deu ensejo para compartilhar uma preocupação a respeito dos alimentos, expostos em mercados e demais centros de comércio anunciados como alternativa para pessoas diabéticas (ou com outras restrições ou intolerâncias alimentares), sobretudo no que tange ao açúcar, cujo apelo mercadológico dos produtos estimula o consumo como alternativa segura, porém, a realidade nem sempre se coaduna com o marketing utilizado. 

Vendo nos supermercados as opções de produtos "diet", percebe-se que os ditos "sem açúcar" têm em sua composição outros tipos de substâncias que elevam a glicose da mesma forma que o tradicional açúcar (e trazem as mesmas consequências, ou até piores, pois a desinformar pode estimular o consumo em maior quantidade), como maltodextrina, sacarina, sacarose, glicose, xaropes, amidos, etc. entre outras denominações utilizadas e que a maioria das pessoas não distingue (e sequer tem tempo para realizar uma análise minuciosa de rótulos com informações técnicas, minúsculas e volumosas), o que para pessoas portadoras de diabetes (que vem sendo considerada como uma epidemia da atualidade), gera riscos e danos à saúde, para não dizer, à vida. 

Lembrando que mesmo não tendo adição de açúcar, carboidratos, especialmente os simples (amido, trigo, arroz, farináceos, certas frutas, etc ) se transformam em glicose no organismo, ou seja, fazendo o mesmo papel do açúcar. Dependendo do índice glicêmico e da carga glicêmica, certos alimentos se transformam em açúcar mais rápido que o próprio açúcar de mesa.
Outro "truque", é que como a legislação dá brechas, os rótulos trazem a informação "zero açúcar", "zero gordura trans" ou "zero qualquer outra substância" que possa ser restrita em alguma dieta e prejudicial ao consumidor, porque o cálculo para autorizar tal citação leva em
consideração porções ínfimas do produto (zero açúcar em 10 gramas do produto). Entretanto, o consumo normal geralmente é maior, caso em que o volume da tal substância potencialmente nociva se torna relevante. Por exemplo, ninguém consome 10 gramas de pudim, por exemplo, mas 200, 300 ou até mais! 

Seria interessante, dessa forma, que fossem tomadas medidas para que tal prática, de certa forma, ilusória e danosa aos consumidores com restrição alimentar, fosse revista. É preciso que além dos rótulos trazerem informações claras e objetivas, compreensíveis por toda população, as inscrições nas embalagens, utilizadas quase que exclusivamente como ferramenta de marketing (enganosa, de certa forma), fossem regulamentadas em prol da saúde da população. 

Este foi uma sugestão apresentada há algum tempo na etapa de participação social da Agenda Regulatória da Anvisa. Considerei-a relevante porque além da inquestionável importância de tal regulamentação e da necessidade de esclarecimento do consumidor, necessários para a manutenção da saúde, em segundo plano isto traz economia social. 

Basta levantar os dados de quantas pessoas ocupam leitos hospitalares, necessitam de medicamentos de uso contínuo, perdem produtividade no trabalho, perdem qualidade de vida e até mesmo, sofrem redução na expectativa de vida em decorrência dos efeitos de uma glicose mal controlada. Sem pesar o fato de que a diabetes e a síndrome metabólica têm se tornado epidemia mundial, representando um caso de saúde pública que merece intervenção conjunta de toda sociedade. 

Deixar por conta do chamado livre-mercado ou da iniciativa empresarial, como sugerem alguns para a solução todos os problemas que envolvem as relações de consumo, não tem demonstrado ser a resposta, já que todo sistema capitalista repousa no imperativo do consumo crescente. Todos os investimentos e campanhas publicitárias têm justamente a intenção de estimular o uso e não de orientar e prevenir. E a escolha de termos que remetem a idéia de “saudável”, não é isenta ou aleatória, mas trata-se de mais um estímulo para a venda, mais uma forma de construir e manter um nicho de mercado rentável. Isto porque, além de tudo, tais produtos, via de regra, são mais  caros. E não é de espantar o fato de que, além das profissões regulamentadas e tradicionais, como a de nutricionismo, já há serviços de personal diet, dada a complexidade que se tornou o simples e natural ato de comer.

Pior, porém, que as investidas para a venda de tais produtos, questão de consciência individual, está a “meia-verdade” que sugere que eles são saudáveis, que são alternativas adequadas para quem tem restrições alimentares, que seus efeitos sobre o corpo são inócuos. Enfim, alguns produtos, em alguns casos, são quase que uma propaganda enganosa, alguns praticamente vendem saúde a quem os consome, o que nem sempre condiz com a realidade e que portanto, desperta a necessidade de regulação por parte da ANVISA.

Atualmente há propostas de se criar um sistema de semáforo, onde na rotilagem a cor vermelha indicará mais açúcar, o amarelo menos e o verde pouco açúcar. Mas isso embora facilite e agilize a análise do consumidor, é pouco. Afinal, verde significa pouco açúcar, mas pouco quanto ? E quanto aos demais ingredientes prejudiciais ?

Um comentário:

  1. Excelente reflexão. Esse sim deveria ser um assunto de debate, entre tabtos irrelevantes que ganham destaque só por subir um ou dois pontinhos no IBOPE.

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