Se somos todos trabalhadores, unamo-nos !


Frases de efeito, rasas e até preconceituosas, têm maior facilidade de se disseminar no tecido social e influenciar a opinião pública do que informações verdadeiras, porém, detalhadas, específicas ou relativas ao contexto, que exigem análise e ponderação. E é valendo deste expediente, talvez até antiético, que se pauta grande parte da estratégia político-partidária no Brasil.

https://www.humorpolitico.com.br/
genildo/o-poder-relativo/
Criam-se toda sorte de generalizações, constroem-se abstratamente figuras inexistentes no mundo real, surgem inimigos imaginários. E enquanto a população se distrai com temáticas ideológicas, debatendo os antagonismos como torcedores de futebol, questões mais importantes são deixadas de lado.

Neste universo de antagonismo, criam-se afirmações, até mesmo preconceituosas para simplificar e construir uma realidade ilusória: todo político é corrupto, todo obeso come demais, todo pobre é preguiçoso, todo rico lutou muito para ter o que possui, todo servidor é displicente...

A própria sociedade, talvez pela força do ego, pela necessidade de
defender uma posição e ser coerente a ela, mesmo percebendo o erro posteriormente, concorda em perder direitos e conquistas para pseudo integrar-se a uma classe a qual não pertence. É como, por exemplo, quando trabalhadores assalariados criticam uns aos outros e defendem a pauta dos patrões, dos grandes capitalistas, dos interesses políticos.

Chegamos ao ponto de um presidente afirmar que a sociedade quer trabalho e não direitos, como se fossem coisas antagônicas, estamos vendo ser jogado no lixo um longo processo histórico de lutas e reivindicações que paulatinamente se espalharam entre as nações ao longo de um vasto horizonte de  tempo. E não precisamos retroceder séculos. Basta citarmos as greves operárias do início do Século XX.

http://carcara-ivab.blogspot.com/2016/03/a-flexibilizacao-dos-direitos.html
Basta relembramos das lutas para a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual foram asseguradas, muitas vezes como cláusula pétrea, direitos e garantias fundamentais. Foi dada à sociedade a esperança de não mais conviver com opressões de regimes ditatoriais, de não ver o conservadorismo retrógrado, aliado a uma política econômica em prol da elite, destruir direitos fundamentais e o Estado Social. 

Hoje, da Constituição, cujos valores as mais altas autoridades fazem juramente de defender, resta muito pouco das garantias inicialmente previstas e conquistadas sob duras penas. Direitos foram perdidos sob os aplausos do povo em nome de uma meritocracia, de um ganho de eficiência, de uma redução de custos, da melhoria dos serviços públicos fantasiosa, quando na prática, as condições de vida somente pioraram. Enfim, conquistas construídas ao longo de séculos destruídas com uma caneta.

https://www.assufrgs.org.br/2018/10/01/decreto-
de-terceirizacao-no-servico-publico-abre-a-
possibilidade-de-terceirizacao-das-atividades-do-pcctae/
E neste carrossel, virou moda criticar generalizadamente aos servidores públicos como se todos fossem privilegiados. Esquecem que há servidores nas três esferas de poder (executivo, legislativo e judiciário, sendo este último, provavelmente com o menor número de pessoas, porém, com os melhores salários). Esquecem que há servidores federais, com planos de carreiras mais bem estruturados, sendo que a maioria, que atua nos estados e principalmente nos municípios, com salários equivalentes à média do mercado, exercendo atividades em condições mais precárias e com menos estrutura. Estudos e pesquisas revelam que há alta discrepância entre as carreiras. Não se pode comparar altos cargos, com servidores de apoio, não se pode comparar a remuneração federal com  a dos municípios e estados, onde estão a maioria dos servidores operacionais. Entre os poderes há também especificidades, sendo os do executivo os de menor remuneração. Mas o discurso pronto, raso e generalista sempre prevalece.

São os municípios que empregam o pessoal da linha de frente, os professores, enfermeiros, entre tantos outros que exercem sua função profissional abaixo de sol e chuva, diariamente, que atendem às necessidades da população com uma dose de esforço extra para superar as dificuldades estruturais e onde a remuneração é inferior e a ascensão na carreira é mais restrita.

Há de se destacar ainda que servidores públicos, em geral, não têm FGTS, não têm seguro desemprego, a tal estabilidade, tão criticada, é relativa (há inúmeras possibilidades que o servidor pode ser demitido ou exonerado, basta ler a CF/88, a Lei de Responsabilidade Fiscal, os Códigos de Ética, Estatutos, etc.), cumprem ordens de chefias, que em alguns casos, tem conotação política, não têm promoção na carreira, por melhor que seja seu desempenho em nome dos princípios da igualdade e legalidade. Enfim, insistem em comparar as condições de trabalho do servidor público com os direitos e condições da iniciativa privada, sem considerar as diferenças gritantes.

https://www.facebook.com/rankingdospoliticos/
photos/a.256607937790924/2061343807317319/?type=3&theater
Sobre a estabilidade, vista como empecilho para uma suposta redução dos gastos públicos, sem ela, todo servidor ficaria a mercê do político em poder no momento. Ele não poderia cumprir sua função com autonomia e legalidade, mas ser um mero serviçal para cumprir ordens e interesses políticos. Correria o risco de ser demitido para dar espaço aos comissionados, os quais, no atual momento, ocupam uma enormidade de cargos e são muito melhor remunerados. Outra opção seria substitui-los por terceirizados ou por outras formas precárias de trabalho, nas quais o trabalhador ganha pouco, sem garantias, mas o Estado tem um custo maior para remunerar o empresário terceirizador. Ou seja, para supostamente reduzir gastos públicos, tirariam trabalhadores que ganham pouco para dar lugar a indicados e ou terceirizados que custariam mais. Sem mencionar as brechas para irregularidades, acordos e as famosas “rachadinhas” que seriam abertas.

Quando um servidor reclama, consideram que a função pública é uma vocação, esquecendo que ela é uma atividade profissional remunerada. Esquecem que o servidor concursado passou por um processo de seleção competitivo, aberto em igualdade de condições a todo e qualquer cidadão que tenha dedicado esforços e tempo para se preparar. Quando dizem que o cidadão paga o salário do servidor, esquecem que o próprio servidor também é um pagador de impostos que são usufruídos por toda sociedade. Muitas vezes, sem ter filhos, ele paga impostos que sustentam a escola pública, a avenida pavimentada que atrai clientes nos comércios, a saúde, que muitas vezes ele não usa. Isso se chama viver em sociedade e contribuir.


Por outro lado, ninguém fala que no Brasil existem aproximadamente mais de 70 mil políticos, considerando apenas os atualmente eleitos, todos ganhando subsídios elevados e empregando uma série de assessores, indicando comissionados e gerando custos com uma estrutura faraônica para atendê-los, que vai desde o cafezinho até às viagens de avião, além dos diversos auxílios e indenizações.(leia o texto: onde estão as fontes de desperdício de recursos públicos)

Pode-se acrescentar a este contexto que a classe política indica inúmeros comissionados, muitas vezes não por competência ou experiência / currículo, mas por pura conveniência. Distribuem cargos  que pagam salários que cobririam a remuneração de muitos servidores concursados qualificados em conjunto.

É lamentável que a sociedade, aceitando estes chavões, ache justo cortar direitos para favorecer a classe dominante que historicamente luta para manter seus privilégios. Enfim, é trabalhador atacando trabalhador e seduzidos por uma ideologia da falsa meritocracia e de valores hipócritas achem justo pessoas trabalharem 12, 14 ou até 16 horas por dia, sem garantias, em nome da produtividade e do lucro que fica concentrado na mão de poucos (vide o aumento da desigualdade no Brasil atual), em uma relação oportuna somente ao capital. Enfim, a sociedade aceitou como justo trabalhar em condições cada vez mais “flexíveis” até literalmente a beira da morte.

http://5dias.net/2011/10/20/sobre-a-i
nsustentabilidade-do-estado-social/
Interessante que toda esta manipulação não ocorre de forma isolada: primeiro enfraqueceram sindicatos (se a representatividade é ruim, é outra história e cabe aos representados escolher melhor os líderes), depois atacam a Justiça do Trabalho, Normas de Segurança do Trabalho são “flexibilizadas”, implanta-se o trabalho intermitente, tenta-se cortar o PIS, tratando como privilegiado quem ganha 2 salários mínimos, terceiriza-se, investe-se na informalidade ou na contratação de MEI, transformando até mesmo entregadores ciclistas em pessoas jurídicas, ataca-se a saúde pública, a educação vira instrumento do capital. Enfim, o Estado Democrático de Direito, as conquistas sociais, tudo está sendo destruído irreversivelmente.

E nesta falsa meritocracia que aumenta a desigualdade, faz-se o trabalhador pensar que integra a classe dos donos do capital, de que os trabalhadores (como ele) são displicentes, e como um câncer, a própria classe se digladia. Enquanto isto, os verdadeiros privilegiados colecionam mais privilégios e o povo aplaude, critica, bate panelas, saúda patos amarelos, curte memes e se informa via redes sociais...

Ressaltando que a maioria dos pequenos empresários, produtos rurais, entre outros autônomos, embora não sejam assalariados, são trabalhadores, enfrentam as dificuldades que a maioria dos brasileiros enfrenta, mas pela vaidade ou pelo bom encadeamento do discurso se isentam da classe a que pertencem. Como diz um amigo meu: "o cara tem um pequeno comércio, trabalha incansavelmente, mas se acha burguês e aplaude medidas que destroem a vida do pobre que é seu cliente e lhe garante a subsistência".

Acorda Brasil. Acorda trabalhador, perceba a que classe você pertence. Se somos todos trabalhadores, unamo-nos !



Nenhum comentário:

Postar um comentário