O Distorcido Papel Atribuído às Escolas Atualmente

As escolas desempenham um papel fundamental na formação dos indivíduos e na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida social, cultural e economicamente. 

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da-minha-escola.html
Este papel é respaldado por diversas legislações e orientações pedagógicas, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que reforçam a importância da Educação Escolar  no desenvolvimento pleno dos cidadãos. Porém, nestes dispositivos, fica explícito que Educação e Ensino não são sinônimo, sendo a primeira muito mais ampla e desenvolvida não apenas no espaço escolar, mas em uma série de instituições ou lugares nos quais as relações sociais se desenvolvem.

Educação e Contexto Social e Familiar

A Constituição Federal, em seu artigo 205, estabelece que "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade". 

A LDB, já em seu artigo 1º cita que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais... Esses dispositivos legais deixam claro que a educação é um processo compartilhado entre escola, família e sociedade.

A criança passa aproximadamente quatro horas diárias na escola, enquanto as outras vinte horas são vividas em diferentes contextos, principalmente no seio familiar. Esta realidade indica que a Educação é um processo contínuo e disseminado ao longo de várias esferas da vida do indivíduo. A escola não pode, sozinha, suprir todas as necessidades educacionais de um estudante, sendo fundamental a colaboração entre todas as instituições envolvidas no processo educativo. É fundamental que as  cobranças sociais recaiam sobre todas as instituições envolvidas, muitas vezes condensada nos elementos Estado e Sociedade.

Conteúdos Curriculares e Autonomia

O currículo escolar é estruturado para oferecer um recorte de conhecimentos que visa fornecer ao aluno as ferramentas necessárias para desenvolver sua autonomia e capacidade crítica. É impossível para qualquer instituição de ensino abarcar a totalidade do conhecimento necessário para a formação completa de um indivíduo. Por isso, a escola foca em ensinar conteúdos socialmente relevantes e habilidades básicas que permitirão ao aluno continuar aprendendo ao longo da vida em um processo autônomo. Eis a necessidade de desenvolver a criticidade, entender o processo histórico e ter na grade disciplinas com abordagem humana, social e crítica.

Por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfatiza a importância de desenvolver competências gerais, como a valorização da diversidade cultural e o pensamento crítico. Tais competências são essenciais para que os alunos possam navegar pelas complexidades do mundo contemporâneo de maneira autônoma e responsável. Isso para permitir a busca incessante (e talvez sem fim) pela formação ou desenvolvido completo. A escola não se resume em formar mão de obra, em ensinar finanças, a somar. Seu papel é complexo, às vezes intangível, porém, valioso.

O Discurso Ideológico e as Demandas Sociais

Na sociedade atual, há um discurso ideológico e por vezes enviesado que atribui à escola a responsabilidade exclusiva por uma ampla gama de temas, desde empreendedorismo, finanças pessoais, administrar o cartão de crédito, reciclar, cantar  o hino até ética e alimentação saudável. Enquanto muitos desses conteúdos são, de fato, abordados nas diferentes disciplinas, sob a forma de projetos ou de maneira transversal nos conteúdos (já que o conhecimento é sistêmico e não fragmentado  como defendiam os positivistas), há uma tendência de se exigir que a escola assuma responsabilidades que extrapolam seu papel tradicional. E o pior, seu papel humana e materialmente possível de ser alcançado.

Muitas vezes, os pais e responsáveis não se aprofundam no que é realmente o papel da escola, desconhecendo os conteúdos programáticos para cada série e não acompanhando o desenvolvimento escolar de seus filhos conforme preconiza a lei. Às vezes, uma simples observação do caderno elucida muitas questões. Mas esse afastamento gera opiniões precipitadas que, por vezes, desvalorizam o papel da escola e a atuação dos docentes e demais profissionais. 

A LDB, em seu artigo 12, inciso VI, reforça a importância da participação dos pais no acompanhamento do desempenho escolar de seus filhos, demonstrando que a educação é uma responsabilidade compartilhada. O Estatuto da Crianças e do Adolescente também reforça este dever ou direito. Quando se conhece a realidade,  tem-se mais propriedade para entender o contexto e distinguir fatos de opiniões, e opiniões sólidas de enviesadas.

Estrutura Material e Humana

Além dos desafios pedagógicos para transmitir o conhecimento, as escolas enfrentam dificuldades significativas em termos de estrutura física e recursos materiais. 

Muitas instituições dependem de eventos promovidos pelas Associações de Pais e Mestres e Funcionários  (APMF) para suprir carências básicas. Outras,  se valem deste expediente para garantir um plus pedagógico. De qualquer forma, muitas vezes isso se constitui em mais um desvio de rota, em uma atribuição paralela que compromete o foco no ensino. 
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Embora a integração escola-comunidade seja essencial, tenha seus benefícios apontados por estudiosos da área, e esteja na própria legislação, há muitas formas de promover este intento. O fato é que assim como a escassez de recursos impacta diretamente na qualidade do ensino oferecido, o desvio de foco também traz prejuízos.

No âmbito humano, a carreira docente enfrenta uma crise, com professores sobrecarregados, muitos com diagnóstico de burnout e outras doenças psicossomáticas. A falta de atratividade da profissão docente, aliada às condições de trabalho cada vez mais precárias, contribui para um ambiente educacional desafiador, onde até mesmo os cursos de licenciatura se tornam pouco atrativos.

Estudos, como os realizados pela Fundação Lemann, destacam a necessidade urgente de políticas públicas que melhorem as condições de trabalho dos professores e atraiam novos profissionais para a área. Profissionais de qualidade, que possam se desenvolver na carreira e ter uma perspectiva de continuidade. Ou seja, captados através de concursos exigentes de provas e títulos e avaliação de desempenho. A rotatividade de profissionais também é um fator negativo segundo diversos estudos.

Desvio de Funções

Outro problema recorrente é o uso das escolas e de  seus profissionais para funções que extrapolam o ensino. Campanhas de vacinação, conscientização no trânsito, projetos dos mais diversos possíveis, entre outros programas sociais são frequentemente implementados no ambiente escolar, utilizando a infraestrutura já deficitária e sobrecarregando ainda mais os profissionais da educação. 

Um exemplo emblemático dessa situação ocorreu em uma cidade onde foi implementada uma campanha de troca de figurinhas vinculada ao valor das notas fiscais. Esta campanha foi operacionalizada pelos funcionários escolares, gerando grande circulação de pessoas alheias ao espaço escolar, interrupções constantes nas rotinas administrativas e dificuldades para cumprir a demanda normal de trabalho, já volumosa, complexa e minuciosa. Esse caso ilustra claramente a falta de compreensão dos gestores de níveis mais elevados sobre as realidades e desafios enfrentados no chão das escolas.

Exemplos Internacionais

A situação no Brasil não é única. Em países como os Estados Unidos, a sobrecarga e o desvio de funções dos professores também são problemas recorrentes. Relatórios da National Education Association (NEA) indicam que os professores americanos enfrentam desafios semelhantes, como a sobrecarga de trabalho,  salas lotadas e a expectativa de que assumam papéis que vão além do ensino, como aconselhamento e serviços sociais. Enfim, a  sociedade transfere seus problemas para dentro dos muros escolares e espera que magicamente os profissionais educacionais derem conta. Infelizmente, além da falta de recursos, condições, até mesmo a conduta destes profissionais é rigidamente regulada. Isso se torna mais complicado quando eles são obrigados a atuar em áreas para as quais não são formados, não dispõem de tempo ou que não fazem parte do seu rol de atribuições.

Na Finlândia, um modelo educacional frequentemente citado por sua excelência, o foco é claramente mantido no ensino e na aprendizagem, com suporte adequado e infraestruturas bem equipadas, além de um respeito rigoroso pelo papel dos educadores.

Conclusão

A escola tem um papel crucial na formação dos cidadãos, mas não pode ser vista como a única responsável pela educação completa do indivíduo. A legislação brasileira é clara ao estabelecer que a educação é um dever compartilhado entre a escola, a família e a sociedade. Para que a escola cumpra seu papel de forma eficaz, é necessário um compromisso coletivo, que inclua o fortalecimento da estrutura escolar, o reconhecimento e valorização dos profissionais da educação, e a compreensão de que a educação é um processo amplo e contínuo que transcende os muros da escola.

É preciso investir em recursos, inclusive humanos, para que possam atuar em plenas condições de que cumprir seu papel específico. Cada setor da sociedade tem uma função: a igreja, a delegacia, o hospital. Por que a escola precisa abraçar tudo ? O mesmo vale para os profissionais. Até mesmo em empresas privadas,  orientadas pela lógica do lucro, a especialização traz eficiência e amplia a curva de aprendizagem. Por que nas escolas é diferente ?

Criticar a sobrecarga e o deslocamento de atribuições que muitas vezes recaem sobre a escola é essencial para garantir que ela possa focar em sua missão principal: proporcionar uma educação de qualidade que prepare os alunos para os desafios do futuro.

Mas isso também exige uma sociedade crítica e consciente. Precisa de pessoas que olhem com bom senso para esta difícil realidade. E sem uma Educação de qualidade, este pressuposto se torna difícil de ocorrer, gerando um círculo vicioso, ou uma referência circular, para usar um jargão das planilhas eletrônicas !

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