As eleições presidenciais de 2018, além de serem marcadas por
uma suposta polarização ideológica entre esquerda x direita (conceito anacrônico, já
que no sistema democrático as decisões não são impostas, e além disso, surgem diversas alianças por conveniência e para garantir interesses particulares), foram marcadas pelo grande número de
candidatos. Isso dificulta ao eleitor ponderar e analisar as propostas que
melhor atendem aos anseios da sociedade ou da maior parcela desta.
Mas o fato de efeito muito mais danoso que pode ficar gravado
como marco deste pleito de 2018 são as notícias falsas, os boatos e outras formas de
enaltecer ou desmerecer determinado candidato, que se proliferam especialmente
na internet, intencional ou ingenuamente, o que denominaram de fakenews (estrangeirismo
desnecessário, mas que virou modismo). Segundo a Revista Isto é Dinheiro, checagem das falas do atual Presidente Bolsonaro, revela que em média, ele proferiu 4 mentiras por dia. 1682 mentiras em um ano !
Sendo assim, aproveitando o ensejo do segundo turno, no qual apenas dois candidatos disputaram, o que facilita a comparação das propostas, comecei a
perceber que grande parte dos discursos apresentados são
populistas, demagógicos, inexequíveis, convenientes e distorcidos. Primeiramente, pelos próprios políticos, que apresentam propostas que dificilmente conseguiram executar. Grande parte do que falam é uma narrativa preparada pelos seus marqueteiros, tentando agradar determinado segmento social.
populistas, demagógicos, inexequíveis, convenientes e distorcidos. Primeiramente, pelos próprios políticos, que apresentam propostas que dificilmente conseguiram executar. Grande parte do que falam é uma narrativa preparada pelos seus marqueteiros, tentando agradar determinado segmento social.
Depois e pior, distorcidos pelos próprios eleitores-torcedores. Não há, em muitos casos, racionalidade e análise nas defesas, mas desculpas rasas, enviesas, "esfarrapadas" respaldadas por pura paixão ideológica, tópica dos torcedores futebolescos ao defender seus times.
E por
fim, talvez por conveniência ou por limitação, os candidatos se preocupam mais em polemizar questões ideológicas, erguer cortinas de fumaça, apontar questões relacionadas aos valores morais, éticos, religiosos e culturais,
deixando de lado aquilo que realmente deveria ser o objetivo das políticas
públicas.
Recentemente, mesmo o país vivendo um caos sanitário (mais de 600 mil vítimas da Covid; aposta em Cloroquina mesmo após a comprovação da ineficácia, ataques às vacinas, ao distanciamento social e a outras medidas efetivas), econômico (recorde de desemprego, retorno ao mapa da fome, inflação elevada, crise hídrica e ambiental), moral e político, as pautas do governo foram Cloroquina, Voto Impresso, Impeachmente de Ministros do STF, Motociatas, Fuzil...
Na ocasião do segundo turno, me chamou a atenção alguns pontos das propostas do Bolsonaro.
Comentarei superficialmente alguns deles, pois uma análise maior seria extensa
por demais, além de que, sendo este o vencedor, analisar as propostas de Haddad seria inócuo. Pesa ainda, que talvez por reflexo do caos político e moral em que a sociedade brasileira está enterrada, em um ambiente de descrédito com a classe política, fartamente privilegiada, enquanto os trabalhadores veem seus direitos sendo aviltados, pode-se dizer que seriam restritas as opções que atendessem de
maneira objetiva e material às necessidades sociais vindas da classe política.
Nenhum satisfaz plenamente os anseios do povo, cada vez mais alheio a classe que pertence ou mais desalentado em esperança. As escolhas tem se pautado na alternativa menos pior, ou que melhor convence, embora na base das mentiras. Por isso a necessidade de uma análise mais objetiva dos fatos reais.
Segue abaixo uma análise das principais propostas do segundo turno, deixo links para outras postagens que expressam minha opinião a fim de evitar redundâncias. Cabe ao leitor comparar o que foi prometido e o que estamos recebendo hoje.
Ø Bolsa família: a direita sempre se mostrou contrária ao programa
Bolsa-Família, embora este benefício traga inúmeras vantagens ao setor
produtivo, pois oportunizando renda às famílias se favorece ao consumo e se
beneficia às empresas. Com menor percentual de votos entre a população
beneficiária, Bolsonaro prometeu ampliar o valor do benefício, o que na minha
opinião, trata-se de uma medida populista e contraditória simplesmente para
angariar votos.
Ø Ideologia de gênero nas escolas: Tema que tem muito mais poder para
criar polêmica do que efeitos reais. As escolas têm sua liberdade pedagógica
garantida pela legislação, isto, porém, não as autoriza a fugirem dos conteúdos
da Base Nacional Curricular. A questão do gênero, da diversidade, é um tema
transversal, um tema social e contemporâneo, e como tal, deve ser tratado nas
escolas de forma pedagogicamente adequada e imparcial. Não se pode formar
alunos alheios ao mundo no qual vivem. Da forma como se posiciona a direita, há
quase que a imposição de uma censura quanto aos conteúdos escolares, inibindo
não só o professor, que se vê coagido, mas o livre pensamento e a criticidade do
próprio aluno, formando apenas mão de obra farta e barata, úteis
para o mercado de trabalho, porém, deixando de formar cidadãos conscientes das
questões sociais.
Além disso, Kit gay, doutrinação e outros absurdos são
fakenews reproduzidas por aqueles que não acompanham a vida escolar dos filhos
e desconhecem o funcionamento escolar. Muitas das questões apresentadas como
doutrinação, não passam de boatos.
Ø Posse de armas: Este tema, de grande polêmica, mereceria uma discussão a
parte. Mas de modo geral, sabe-se que o cidadão médio não tem preparo nem estabilidade
emocional para ter armas. Sabemos que a posse facilitará o porte e
consequentemente a mortes de inocentes e crimes por motivos banais. Atitude
contrária aos princípios daqueles que dizem defender a vida. Se pessoas armadas
garantisse a segurança, os seguranças armados de Bolsonaro teriam impedido o
atentado, policiais não morriam, enfim, a posse de armas significa
inevitavelmente mais violência em um país cujos índices são alarmantes.
Significa deixar o Estado, responsável pela Segurança Pública, isento de sua
responsabilidade.
Ø Excludente de ilicitude: Permitirá ao policial não ser
punido se matar alguém em serviço, o que leva a concluir que a possibilidade de
atirar irá além da reação em um confronto. Em um país onde a polícia tem fama
de violenta e as operações trazem um número significativo de mortes, onde há
notícias de alterações de cenas de crime, isso daria carta-branca para maus
policiais intimidarem a população.
Ø Deixar para trás o comunismo e o
socialismo e praticar o livre mercado. Primeiramente, o Brasil nunca foi comunista ou socialista.
Basta ler o primeiro artigo, inciso IV da Constituição que qualquer um pode
entender que o Brasil tem como fundamento os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa.
Sobre isto, ainda é interessante destacar que alguns vibram
pelo fato de subir os índices da Bolsa de Valores conforme amplia-se a margem
de votos do referido candidato. Sabemos que a Bolsa de Valores é o leito do
capital especulativo e não do capital produtivo. Investidores do mundo inteiro
aplicam seu dinheiro não para movimentar a economia, gerar emprego e renda de
forma consistente, mas para ganhar com a volatilidade. É um capital sem pátria,
que dorme em um país e acorda em outro, visando exclusivamente a sua reprodução
e nada mais. A maioria do emprego no Brasil é gerado nas micro e pequenas
empresas. O fato da Bolsa de valores subir indica que determinadas políticas
agradam ao oportunismo do capital, não ao social, não ao trabalhador, que tem
interesses opostos.
Mais importante que gerar lucro a poucos investidores, precisamos de políticas sociais que tragam distribuição de renda, que reduzam a desigualdade, etc. Gostaria, neste contexto, de compartilhar outros três textos: "A falácia da eficiência" e a "baixa produtividade do trabalhador brasileiro", bem como “a importância das micro e pequenas empresas”.
Mais importante que gerar lucro a poucos investidores, precisamos de políticas sociais que tragam distribuição de renda, que reduzam a desigualdade, etc. Gostaria, neste contexto, de compartilhar outros três textos: "A falácia da eficiência" e a "baixa produtividade do trabalhador brasileiro", bem como “a importância das micro e pequenas empresas”.
Ø Privatizações: Muitos aplaudem tal medida,
taxando as empresas públicas como ineficientes. Primeiramente, o objetivo de
uma estatal é diferente do objetivo de uma empresa privada. Esta última visa
exclusivamente ao lucro; muitas das estatais têm finalidades sociais, de
oferecer serviços públicos entendidos como direitos sociais. O problema da
ineficiência repousa no uso destas empresas pelos políticos e seus compadres. É
isto que precisa ser revisto. Além disso, não se compara alho com bugalhos para
medir a eficiência. Gostaria de compartilhar aqui um texto tratando do conceito de qualidade no serviço público e da cultura
do brasileiro de reclamar destes serviços.
Ø Criar uma nova carteira de trabalho
verde e amarela, em que o contrato individual prevaleça sobre a CLT. Sabemos que a flexibilização das
leis trabalhistas não reduziu o número de desempregados, porém, rebaixou os
salários, colocou mais pessoas no subemprego e tolheu diversos direitos,
chegando ao cúmulo de uma mulher grávida poder trabalhar em ambientes insalubres
sem nenhum direito à proteção. Enfim, mais uma reforma que favorece ao capital,
aos empresários e coloca os trabalhadores como recurso farto, barato e
descartável, sem as conquistas historicamente obtidas com lutas. Isto explica a
guerra contra os sindicatos, uma das poucas formas de proteção do trabalhador.
Por outro lado, nada se fala em extinguir as associações e entidades patronais
que pressionam políticos para aprovaram leis que favorecem esta classe.
Ainda tratando de benefícios às empresas, sabe-se que elas procuram se instalar onde há infraestrutura adequada e mão de obra farta e qualificada. Ocorre que estes investimentos são públicos, portanto, bancados com o dinheiro de impostos. A mão de obra qualificada e barata que gera lucro aos empresários é formada, via de regra, em instituições públicas. Por outro lado, muitas empresas ao invés de darem a contrapartida em tributos, sonegam. O consumidor para o tributo, embutido no preço, e a empresa não repassa aos cofres públicos. A taxa de sonegação no Brasil é assustadora, e nenhum dos candidatos expressamente pontuou alguma política para reduzir tal ralo de recursos. Talvez, com menos sonegação, a carga tributária fosse menor para todos. Sobre isso, tenho um texto tratando do jeitinho malandro do brasileiro.
Ainda tratando de benefícios às empresas, sabe-se que elas procuram se instalar onde há infraestrutura adequada e mão de obra farta e qualificada. Ocorre que estes investimentos são públicos, portanto, bancados com o dinheiro de impostos. A mão de obra qualificada e barata que gera lucro aos empresários é formada, via de regra, em instituições públicas. Por outro lado, muitas empresas ao invés de darem a contrapartida em tributos, sonegam. O consumidor para o tributo, embutido no preço, e a empresa não repassa aos cofres públicos. A taxa de sonegação no Brasil é assustadora, e nenhum dos candidatos expressamente pontuou alguma política para reduzir tal ralo de recursos. Talvez, com menos sonegação, a carga tributária fosse menor para todos. Sobre isso, tenho um texto tratando do jeitinho malandro do brasileiro.
Ø ·Cortar ministério e nomear
generais como ministros: Os ministérios deveriam ficar a cargo de pessoas
com conhecimento técnico sobre a área. Colocar pessoas com habilidades
políticas já se constitui em uma distorção. O que dizer então de tornar a
patente de um militar critério para definir sua competência para atuar em uma
área totalmente diferente daquilo que ele habitualmente executa ? O
corporativismo vai ser mais importante que a competência ?
Ø Medidas populistas, demagógicas e
obsoletas: Todos
estão percebendo os impactos das alterações climáticas. Cientistas, organismos
internacionais, pesquisas e o dia a dia comprovam a crise ambiental. Mesmo com
a pressão social, o candidato se apresenta como uma cópia tupiniquim de Trump
querendo abnegar o acordo climático de Paris. Quer ainda, ou melhor, perde
tempo em polemizar a mudança da embaixada de Israel, cogita sair da ONU, etc.
São medidas que pouco importam para o trabalhador pagador de impostos. São
medidas que simplesmente servem para este candidato manipular seus eleitores
através do viés ideológico. Tanto que ele fala em sepultar o Foro de São Paulo,
revogar a lei de imigração, deixar para trás o comunismo e o socialismo e
praticar o livre mercado. Chega ao absurdo de dizer: que quer fazer negócio com
todo mundo, sem viés ideológico, menos com a Venezuela ! Por que propostas mais
enviesadas ideologicamente do que estas ?
Ø Redução da maioridade penal: uma medida polêmica e que enfrenta a resistência de muitos
setores que defendem os direitos humanos, a infância e a juventude. Uma das
pautas sociais e teóricas de significativa relevância apresentada pelo
candidato, tendo em vista o número de infrações cometidas por adolescentes e
jovens, os quais não são punidos na medida em que grande parte da sociedade
espera para frear as ações e a reincidência. Sobre este tema, a fim de evitar
repetições desnecessárias, compartilho um texto no qual defendo a redução
da maioridade penal e outro texto que trata do Estatuto
da Criança e do Adolescente e do aumento da criminalidade.
Ø Políticas afirmativas: é de se enaltecer a atitude do candidato de enfrentar a questão das
políticas afirmativas, sobretudo, as cotas raciais. Primeiramente, o ser humano
não é dividido biologicamente em raças. Segundo, a etnia, por si só, não justifica
as diferenças. O poder econômico, a condição social, entre outros fatores
socioeconômicos são mais relevantes. Trago
um texto que visa a questionar tais políticas afirmativas baseadas na cor
da pele. Estas, dependendo da forma, como são implementadas, geram ainda mais
discriminação e divisão de classes, como temos visto nos debates nos últimos
anos.
Ø Outras pontos relevantes: rotineiramente, o candidato não se
entende sequer com seu vice, ou na pior das hipóteses, ambos não combinaram o
discurso mais conveniente para agradar seus eleitores, demonstrando que na
prática a teoria será outra. O general admitiu o interesse em extinguir o
décimo terceiro salário, desmentido depois pelo candidato. Não pretendem taxar
as grandes fortunas, regulamentando de uma vez por todas o Inciso VII do artigo
153 da Constituição Federal. Por outro lado, anunciou recriar uma espécie de
CPMF e definir uma tarifa única de Imposto de Renda para 20%, mesmo sabendo que
a classe trabalhadora paga proporcionalmente mais impostos que a classe média e
rica.
Ø Reforma Agrária e Bancária: Nada é apresentado sobre a Reforma Agrária, medida
adotada por todos os países que hoje são considerados desenvolvidos. Sabe-se
que no Brasil, são as pequenas propriedades e a agricultura familiar que geram
emprego, renda e alimento à população. Estas propriedades estão sendo engolidas
pela agricultura de larga escala, a qual, apesar de contribuir com a balança
comercial, produz commodities, isto é, produtos para exportação, para alimentar
gado em países ricos, pouco contribuindo com a segurança alimentar e com a
geração de emprego, já que, via de regra, é extremamente mecanizada. Bolsonaro,
perdendo tempo com questões ideológicas, nada comenta sobre a Reforma Agrária e
tampouco sobre a Reforma
Bancária. Somos campões do mundo quando se trata de pagar juros a
banqueiros. Sobre a Reforma Agrária, é importante destacar que considero esta
política como sendo obrigação e responsabilidade do Estado. Não cabe aos
movimentos sociais operacionalizá-la através de invasões e até mesmo de
depredações. Movimentos sociais têm o direito de cobrar, não de atuar
diretamente. Sobre isso escrevi um texto criticando e tratando da lógica dos movimentos pela terra.
Por outro lado, Haddad tem como peso aos pés as políticas
afirmativas e inclusivas, muito criticadas pela população. Cita-se ainda os
casos de corrupção do partido que ele está vinculado, embora o PT não seja a
única sigla envolvida em escândalos. Pesa também a política de integração
latino-americana, criticada por muitos, mas que se trata de um princípio
estipulado na Constituição, como cita o artigo 4º: “ A República Federativa do
Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações.”
Outro ponto criticado é o que se refere às questões
ideológicas, a doutrinação, a liberação das drogas, do aborto e outras pautas
progressistas. Neste caso, é uma escolha individual que dependerá dos valores
morais, religiosos e culturais de cada eleitor, depois, obviamente, de
distinguir o que realmente é proposta do que é boato.
Além de que, as propostas de ambos os candidatos agradam aos
seus respectivos eleitores, são interessantes, mas tudo na teoria. Por trás da
narrativa repassada ao eleitor há toda uma discussão política, acordos,
votações, e por que não, conchavos. Na prática, a teoria provavelmente será
outra, independente de quem ganhar.
Dessa forma, vejo que o que há de fato é uma crise de
representação. Nenhum candidato atende aos valores do eleitor médio. Muitos
votam em A por rejeitarem B e vice-versa. Muitos votam baseados em boatos, em
crenças ideológicas, como torcedores de um time de futebol. Mas poucos analisam
as propostas e menos ainda analisam o que há por trás delas, mesmo porque, isso
nem sempre fica evidente, nem sempre fica fácil.
Creio que o povo precisa parar de endeusar políticos,
defendê-los, de se dividir enquanto classe e se unir em prol de um projeto de
governo que traga benefícios à sociedade e não aos grupos de poder. Enquanto
cada um defende com unhas e dentes seu lado, os políticos preparam, regados a
champanhe importada, seus acordos para se perpetuarem no poder !
Enquanto o trabalhador se vê como uma classe dividida, se
digladiando entre si, se dividindo em N segmentos, a classe política, apesar
das diferenças ideológicas (só na teoria e no discurso), apesar da ambição pelo
poder, é a classe mais unida. Nos dão um belo exemplo de perdão de amizade,
pois inimigos hoje nas campanhas, amanhã dão as mãos e se unem para permanecer
no poder.
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