O custo dos hábitos de vida

 http://maternar.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/
mcdonald%C2%B4s-visita-creches-e-pais-
temem-influencia-nos-habitos-alimentares/
É notória atualmente a preocupação das pessoas com a saúde e com a qualidade de vida. Muitos tentam reduzir o sedentarismo, deixam o carro em casa e trilham seus caminhos a pé, de bicicleta; tentam incluir alimentos ditos naturais em suas dietas, tentam construir uma rotina saudável.

Vivemos um momento de certa forma marcado por uma quebra de paradigmas. Afinal, a mídia e muitas pesquisas de saúde (financiadas por alguém, inclusive pela indústria alimentícia e farmacêutica) nos alertam que se nada for feito, os casos de
obesidade e de doenças crônicas tendem a se elevar nos próximos anos.
http://www.maesdepeito.com.br/como-a-pub
licidade-infantil-faz-mal-a-alimentacao-do-seu-filho/

Ao mesmo tempo a indústria, e com ela todo nosso modelo econômico sustentado na ampliação exponencial do consumo para se manter viável, amplifica suas pressões no sentido inverso, estimulando-nos a consumir cada vez mais.

Populações de países ditos em desenvolvimento, enfrentam problemas decorrentes do excesso de alimentos. Inclusive, perdem parte de sua cultura ao inserir diariamente em suas rotinas os alimentos globais, como os fornecidos pelas famosas redes de fast-foods. 

Enfim, a indústria gasta fortunas em publicidades (e estudos) para oferecer e estimular o consumo de produtos industrializados viciantes e nada saudáveis. Focam até mesmo nas crianças, estabelecendo padrões de consumo e angariando cada vez mais cedo novos consumidores. E apesar de muitos produtos serem sabidamente prejudiciais, a maciça propaganda os associa à saúde, ao esporte, à qualidade de vida.
http://www.criatives.com.br/2015/05/os-anuncios-mai
s-criativos-criados-pela-coca-cola-para-os-jogos-olimpicos/

Se não bastasse, aparelhos eletrônicos, cada vez mais automatizados, substituem o movimento e o trabalho humano e se tornam símbolos de conforto e de modernidade. E de certa forma respondem também à necessidade real da falta de tempo das pessoas enquanto também satisfazem a necessidade de status (o poder de consumir tem socialmente uma valoração simbólica imperativa).

Fonte: allgraphical.blogspot.com
Apesar do custo, dos congestionamentos urbanos, dos acidentes, o automóvel ainda continua sendo um sonho de consumo. E antevendo a impossibilidade material de ampliação do uso, bem como os efeitos da tecnologia da informação no encurtamento das distâncias e dos tempos, o mercado começa a oferecer novas modalidades de transporte com a roupagem de econômicas, ecológicas e ágeis. Dá, inclusive, novas utilidades ao veículo, que há muito deixou de ser um mero meio de locomoção, basta observar toda tecnologia embarcada nos modelos mais luxuosos.

Enfim, a força e o movimento humanos se tornam cada vez menos necessários em um mundo em que tempo é dinheiro e no qual os deslocamentos representam perda de produtividade.

Nesta mesma esteira, preparar seu próprio alimento é considerado como uma perda de tempo por muitos. Tempo, muitas vezes realmente indisponível, pois o sistema vigente exige que as pessoas assumam com produtividade e eficiência "n" papéis para manter-se apto (a consumir). E assim vive-se em uma rotina onde se faz muitas coisas e não há tempo para o essencial. Inclusive, no atual contexto de "empoderamento", realizar tarefas domésticas passa a ter conotação mais politica do que prática.


www.noticiasenegocios.com
O interessante, porém, são as contradições. As pessoas deixaram de fazer força ou de se movimentar nas atividades domésticas ou laborais, mas pagam para fazer força nos equipamentos de uma academia. A “força social” que as motiva não vem ao caso, no momento.

As pessoas utilizam o carro para se deslocar de uma loja a outra na mesma rua do centro comercial de suas cidades, mas ao entardecer, após o expediente de trabalho, saem para caminhar em círculos nos parques das cidades.

Poucos gastam tempo preparando um almoço, mas gastam significativas somas em dinheiro adquirindo suplementos alimentares, comidas industrializadas prontas, fast-foods. Basta observar, (se houver tempo), o entra e sai nos restaurantes e mercados, a vasta oferta de produtos e o vai e vem frenético dos motoboys entregando refeições prontas e lanches.

E nestes simples e evidentes exemplos fica claro como o atual sistema econômico (social e cultural) se apropria de todos os aspectos da vida do indivíduo e da vida em sociedade e os transforma em mercadorias. Os precifica !


Mas qual é o custo de uma vida de qualidade ?

O sistema capitalista nos oferece bolachas recheadas (em cujos pacotes, de modo proporcional, praticamente metade do conteúdo é açúcar e gordura), ao preço de pouco mais de R$ 1,00. Por outro lado, não conseguimos comprar uma cabeça de alface (especialmente se for orgânica) pelo dobro desse preço. Encontramos variedades de refrigerantes ao preço inferior ao de uma garrafa de água.

Constata-se então que a produção em massa teoricamente barateia os preços. E ela começa pelo plantio em grandes propriedades, empregando a força de máquinas cada vez mais eficientes, utilizando agrotóxicos cada vez mais fortes e sementes transgênicas para garantir a facilidade de cultivo, a maior exploração possível de todos os recursos e a abundância das colheitas e termina na industrialização em grande escala de alimentos repletos de ingredientes que desconhecemos. Porém, a produção em massa para ser viável, exige consumo em massa, o qual depende de estratégias que estimulem o consumo, além de um preço baixo. Embora o preço de um "méque" não seja tão baixo ! Mas nesse caso, o cliente está pagando pela marca, pelo status de consumir este alimento global que carrega tanto investimento em publicidade no seu preço !


Antagonicamente, ao passo que vemos uma espécie de retorno ao sistema de cultivo de produtos orgânicos, o que já era utilizado pelos nossos ascendentes, percebemos também uma elevação nos preços desses produtos, os quais atendem um nicho, de certa forma, privilegiado de consumidores. Ou seja, a lei de mercado afeta até mesmo as iniciativas que se contrapõem ao sistema de mercado. É muito mais caro e valorizado socialmente hoje comer um ovo caipira do que um ovo branco de granja. E o preço nos diz isso.


Saindo da seara dos alimentos, percebemos a mercantilização e contradição na busca e na oferta pela qualidade de vida em outras ações, como a atividade física. Fazer caminhadas, o que já foi inerente ao ser humano, hoje é quase uma prática elitista, que depende de tênis com design esportivo, repleto de tecnologias de amortecimento e de estabilização. O material deve ser leve, arejado e ter ação bactericida. E mesmo ainda estando em perfeito estado, sua eficácia tem validade ou limite de quilometragem. Ou seja, a cada 500 km deve ser descartado para dar lugar a um novo.

Além disso, não se pode apenas caminhar. É necessário consultar um médico, fazer exames periódicos, contratar o trabalho de orientação de um personal trainer (o qual irá mensurar o alcance das metas utilizando-se de equipamentos de monitoramento das grandes marcas esportivas), óculos de grife para proteger dos raios nocivos do sol, camisetas esportivas que mantém o corpo seco, garrafas de água especiais para hidratação, etc. E para seguir com segurança este estilo de vida (e conciliar saúde com corpo atlético para o verão), torna-se fundamental também buscar orientação de uma nutricionista, a qual irá indicar, muito provavelmente alimentos saudáveis, com preços condizentes. E se no meio da jornada ocorrer alguma lesão, novas necessidades virão.

Esta avalanche de metas e orientações se mistura às pressões emanadas por outros aspectos da vida pessoal, profissional, social, etc. E isso não raramente remete o indivíduo a buscar apoio psicológico (segundo a OMS, o stress atinge 90% da população global). Em alguns casos, isso conduz à necessidade de acompanhamento médico constante e ao uso ininterrupto de remédios, os quais dependem de outros remédios para amenizar seus efeitos colaterais.


Toda essa busca por saúde consome tempo e dinheiro (o binômio-sinônimo do capitalismo). E ao lutar para se ter mais dinheiro (para ter saúde, e também status, já que até a saúde se transformou em mercadoria), dedicamos mais tempo a tudo, menos à saúde. Dedicamos nossa vida a conquistar aquilo que externamente nos é imposto e deixamos de viver com a naturalidade que contraditoriamente buscamos.


Obviamente, estamos imersos neste sistema. Somos engrenagens. Mas ter consciência de que muitas pressões são externas e de que há alternativas mais condizentes com a essência de cada ser humano, talvez seja o gatilho para a construção de um contexto em que menos coisas sejam mercadorias. Que o valor das coisas seja mais intrínseco do que monetário.


Talvez tirar o peso de muitas pressões geradas para beneficiar poucos e impostas como sendo comportamentos naturais a todos seja por si só um remédio, ou a chave para não depender delas e não fazer da vida apenas uma busca, mas um viver.

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