Movimentos Sociais no Brasil: Resistência e Transformação

Os movimentos sociais no Brasil são organizações coletivas, formadas por grupos de pessoas que buscam transformar a sociedade em que vivem, articulando-se e reivindicando direitos sociais e constitucionais básicos e expressos nas leis, ou em outros casos, sugerindo leis com o fito de proteger, defender, melhorar, ou ampliar direitos ou questões socialmente relevantes, como meio ambiente, justiça social, uso e ocupação da terra, direitos trabalhistas, etc.

Genericamente falando, estes movimentos, de forma incisiva lutam por bandeiras que deveriam ser de toda sociedade, ou ao menos de grande parte da sociedade (a imensa maioria), tendo em vista que a maioria da população não é rica ou detentora do poder econômico, é trabalhadora. E mesmo afastando o viés econômico, pautas como justiça social e meio ambiente deveriam ser coletivas, já estão intrinsicamente relacionadas com a própria vida em sociedade.

São ainda um ponto de resistência contra as investidas do sistema de capitalista e suas contradições, um respaldo para grupos minoritários e para organizações sociais, especialmente tradicionais, que se opõem ao sistema arbitrário de exploração da natureza e do ser humano que visa a estritamente o lucro máximo ou a manutenção das históricas classes ou grupos dominantes.

Estes movimentos têm origem histórica em lutas sociais e políticas, como o movimento operário, movimento estudantil, movimento negro, movimento de valorização das mulheres, dito feminista, Movimento LGBT, movimento ambientalista, movimento dos sem-terra, entre outros. As pautas desses movimentos variam de acordo com a realidade social e política em que estão inseridos, mas muitos têm como reivindicações centrais a garantia de direitos básicos, como saúde, educação, moradia, emprego, acesso à terra e à água, igualdade de gênero, combate ao racismo e à homofobia, preservação do meio ambiente, entre outras.

No entanto, os movimentos sociais no Brasil frequentemente são alvo de críticas e de criminalização por parte de setores conservadores da sociedade e do Estado. Essa criminalização pode se manifestar de várias formas, como a repressão policial, os rigores judiciais (já que as leis são formuladas e aprovadas por quem detém o poder), a desqualificação moral, a deslegitimação política e a desvalorização midiática, além disso, distorcem até mesmo teorias acadêmicas, como o marxismo, e de forma enviesada, sem lógica ou sentido conceitual, histórico e material, tentam associar fantasias ou distorções a estes movimentos, com o intuito de manipular, confundir e até aterrorizar a sociedade com o objetivo de gerar antipatia se não a estas causas, aos militantes que as reivindicam.

Do ponto de vista marxista (conforme a interpretação dialética, academicamente proposta não apenas por Marx, mas por diversos pensadores das Teorias Econômicas e Sociais), os movimentos sociais, no Brasil, são vistos como expressões da luta de classes, ou seja, como formas de resistência e de organização popular contra a exploração capitalista, suas contradições, desigualdades e sua opressão social.

Nesta lógica, a luta pela terra e pela moradia é uma luta fundamental, pois a propriedade privada dos meios de produção, frise-se, não com a finalidade de uso, mas como reserva de valor / especulação, é um dos pilares do sistema capitalista, que gera desigualdade social e concentração de riquezas nas mãos de uma minoria, ao passo que uma grande parcela fica privada dos recursos básicos para subsistência, inclusive, recursos naturais livres, como a terra e atualmente, até a água, etc.

Se usarmos tanto o acesso à terra quanto à moradia como exemplo, o próprio arcabouço jurídico e político, expresso na Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, considera sua importância como muito mais que um bem material, mas como condição de dignidade, de subsistência, de direito social básico.

Nesse sentido, o movimentos sem-terra e de luta por moradia são vistos como formas legítimas de resistência popular contra a concentração fundiária e imobiliária, que priva a maioria da população do acesso à terra e à moradia digna. A visão marxista valoriza esses movimentos como protagonistas da luta pela reforma agrária e por moradia, o que tem como objetivo democratizar o acesso à terra e à cidade, reduzindo as desigualdades sociais, a segregação no espaço urbano e promovendo a justiça social de forma geral.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma das principais organizações de luta pela reforma agrária no Brasil. Sua origem remonta ao contexto da década de 1970 / 1980 quando ocorreu uma intensificação do processo de concentração fundiária no país e de expulsão de camponeses de suas terras.

Na época, a Ditadura Militar (1964-1985) implementava políticas de modernização da agricultura baseadas no agronegócio e na agroindústria, que expulsavam os camponeses das suas terras para implantar monoculturas voltadas para a exportação. Ao mesmo tempo, a crise econômica e o desemprego nas cidades levavam muitos trabalhadores a migrar para o campo em busca de trabalho e de terra para produzir. Diante dessa realidade, diversos movimentos de luta pela terra surgiram em diferentes regiões do país, como a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o MST, que foi fundado em 1984, em Cascavel (PR), durante um encontro que reuniu representantes de diversas regiões do país.

O MST se destacou por suas táticas de luta e organização, como as ocupações de terra improdutivas e as marchas em Brasília, que visavam pressionar o Estado a fazer a reforma agrária e a garantir o acesso à terra para as famílias camponesas. Além disso, o MST desenvolveu uma série de iniciativas de educação popular e de produção agroecológica, visando a autonomia e a sustentabilidade dos assentamentos.

Ao longo de sua trajetória, o MST enfrentou muitas dificuldades e desafios noticiados pela imprensa, como a violência policial e paramilitar (jagunços dos latifundiários), a falta de leis e apoio político, e por conseguinte, da própria Justiça, a falta de recursos e de infraestrutura para os assentamentos, entre outros. Apesar disso, o movimento se mantém ativo e mobilizado, lutando pela reforma agrária e pela transformação social no Brasil.

A concentração de terras no Brasil é um problema histórico que se reflete na estrutura agrária do país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, apenas 1% das propriedades rurais concentravam mais de 45% da área total da terra no país. Por outro lado, as pequenas propriedades, com até 50 hectares, representam cerca de 80% do total de propriedades rurais, mas ocupam apenas cerca de 20% da área total da terra.

O gráfico, com dados de 2017 do Censo Agropecuário, ajuda a ilustrar a questão.



Os latifúndios ainda são uma realidade no país, especialmente na região Norte e em áreas de fronteira agrícola, onde ocorrem conflitos pela posse da terra e pela exploração de recursos naturais. De acordo com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), em 2020, 83% dos imóveis rurais com mais de 10 mil hectares estão na Amazônia Legal.

Em relação às pequenas propriedades rurais, elas têm um papel importante na produção de alimentos e no fornecimento de matérias-primas para a indústria. De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, as pequenas propriedades rurais representam 38% do valor bruto da produção agropecuária do país e empregam cerca de 11,5 milhões de pessoas, o que corresponde a cerca de 68% do total de pessoas ocupadas no setor agrícola.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é uma das principais organizações de luta por moradia no Brasil. Sua origem está ligada às lutas populares por moradia que ocorreram no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Nesse período, a crise habitacional no país se agravou, com um déficit habitacional de milhões de moradias e uma política habitacional insuficiente para atender às demandas da população.

Além disso, o processo de gentrificação e especulação imobiliária expulsava os moradores mais pobres das áreas centrais das cidades, levando-os a ocupar terrenos abandonados ou sem uso.

Explicando, conforme o site Brasil Escola, gentrificação é o "processo de transformação de áreas urbanas que leva ao encarecimento do custo de vida e aprofunda a segregação socioespacial nas cidades. A gentrificação modifica a paisagem urbana e o perfil social dos bairros, provocando sua valorização mercadológica e a expulsão de antigos moradores".

Foi nesse contexto que surgiram os primeiros movimentos de luta por moradia, como a Central de Movimentos Populares (CMP), a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). O MTST foi fundado em 1997, em São Paulo, a partir de uma ocupação realizada pelo grupo em uma área pública da cidade.

O MTST se destacou por sua luta e organização em ocupações de prédios e terrenos abandonados, nas marchas por moradia e nas negociações com as autoridades governamentais. Além disso, o movimento desenvolveu uma série de iniciativas de educação popular e de formação política, visando à conscientização e à mobilização dos moradores das ocupações, tal como o MST.

Ao longo de sua trajetória, o MTST enfrentou muitas dificuldades e desafios, como a criminalização das ocupações. No entanto, o movimento se mantém ativo e mobilizado, lutando por moradia digna e pelo direito à cidade para a população mais vulnerável.

O déficit habitacional no Brasil é um problema sério e complexo que afeta milhões de pessoas em todo o país. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, o déficit habitacional no Brasil chega a cerca de 5,5 milhões de moradias, sendo a maior parte (83,1%) concentrada em áreas urbanas. Além disso, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 11,4 milhões de pessoas vivem em situação de precariedade habitacional, ou seja, em domicílios com inadequações sanitárias, como falta de banheiro, água encanada ou coleta de esgoto.


O gráfico a seguir ilustra o déficit habitacional, com dados até 2015. O déficit é composto de famílias que têm um ônus exagerado ou insuportável com aluguel, famílias que vivem em coabitação, ou seja, dividem a casa ou cômodos da casa entre elas, além do adensamento excessivo, ou seja, número significativo de pessoas na mesma casa, sobretudo compartilhando o mesmo quarto, além das habitações precárias.


https://valor.globo.com/brasil/noticia/2018/05/03/deficit-de-moradias-no-pais-ja-chega-a-77-milhoes.ghtml

O gráfico seguinte ilustra o crescimento dos domicílios vagos, indicando que o déficit habitacional poderia ser reduzido se houvesse o pleno aproveitamento destes imóveis. Algumas estatísticas apontam que o número de domicílios vazios chega a ser de 3 vezes o número de famílias em déficit habitacional, revelando, entre outros fatores, a especulação imobiliária.


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E isso não é característica exclusiva de grandes centros. Em cidades interioranas, inclusive em nossa região (mesorregião sudeste do Paraná), o déficit habitacional é uma questão social, econômica e de políticas públicas complexa e relevante, conforme abordado no texto "o déficit habitacional nos municípios da mesorregião sudeste do Paraná", disponível neste blog em sua versão original e no livro "Vozes do Verbo: um álbum de opiniões e reflexões sobre tópicos regionais", disponível em PDF neste blog e em sua versão impressa.

Além disso, a atuação do MTST também é motivada por outros fatores, como a especulação imobiliária, que muitas vezes impede o acesso à moradia por parte de grupos de baixa renda, bem como pela falta de políticas habitacionais adequadas por parte do Estado. Busca pressionar o governo e a sociedade em geral para enfrentar o problema do déficit habitacional e garantir o direito à moradia para todos os brasileiros, especialmente os mais vulneráveis, direito este consagrado na Constituição Federal em sua poesia teórica, mas longe de ser materializada na prática.

A mídia tem um papel importante na formação da opinião pública e na construção de narrativas sobre os acontecimentos sociais e políticos. Em relação aos movimentos sociais, é comum que a mídia tradicional adote uma postura crítica e desfavorável, reproduzindo estereótipos e preconceitos que desconstroem a imagem desses movimentos.

Uma das principais razões para essa postura é o fato de que muitos desses movimentos questionam o status quo e lutam por mudanças estruturais na sociedade. Essas mudanças podem afetar interesses econômicos e políticos poderosos, que muitas vezes são representados pelos grandes grupos de mídia. Além disso, a mídia tradicional muitas vezes adota uma postura conservadora e elitista, que tende a ver os movimentos sociais como ameaças à ordem estabelecida e à segurança pública.

Essa visão é reforçada pela cobertura sensacionalista e superficial dos eventos relacionados aos movimentos sociais, que muitas vezes enfatiza a violência e a suposta falta de organização e liderança desses movimentos. E junto a esta visão enviesada da mídia, grupos políticos navegam nesta onda e a reforçam, especialmente aqueles com tendências de direita ou extrema direita.

Porém, é importante destacar que nem toda a mídia adota uma postura crítica em relação aos movimentos sociais. Há veículos de comunicação independentes e alternativos que buscam dar voz às lutas e demandas desses movimentos, contribuindo para uma cobertura mais plural e democrática dos acontecimentos sociais e políticos.

A academia, em geral, defende os movimentos sociais porque estes são vistos como importantes atores políticos na luta por transformações sociais e políticas mais justas e igualitárias. E o que reforça a tese de que o espectro conservador e direitista da política e dos grupos elitistas atacam qualquer movimento que busque justiça social, é o fato de que até mesmo a academia, ou seja, as universidades, são chamadas de "comunistas", esquerdistas, ou qualquer outra designação em tom pejorativo e distorcido, para manipular a opinião pública e gerar antipatia a estas causas nobres.

A universidade não tem um viés marxista, mas é um espaço plural de produção e circulação de conhecimento, que abriga diversas correntes de pensamento e perspectivas teóricas. No entanto, é importante destacar que a tradição marxista tem uma influência significativa em algumas áreas da academia, como a sociologia, a ciência política e a filosofia.

A teoria marxista, em particular, tem sido uma fonte importante de inspiração para as análises críticas das relações sociais, econômicas e políticas, especialmente no que se refere à questão da exploração, da opressão e da desigualdade. Nesse sentido, muitos pesquisadores e pesquisadoras utilizam os conceitos e categorias marxistas para analisar as dinâmicas sociais e para compreender as lutas e demandas dos movimentos sociais.

Não lhes cabe na cabeça que os movimentos sociais são sujeitos de suas próprias lutas, que têm o direito de reivindicar seus direitos e de buscar mudanças em suas condições de vida.

No entanto, é importante destacar que a academia é um espaço plural e diverso, que abriga diferentes perspectivas teóricas e ideológicas. Portanto, não é correto afirmar que a universidade brasileira tem um viés marxista, já que há uma ampla variedade de abordagens e correntes de pensamento presentes na produção acadêmica.

O que se pode concluir é que os movimentos sociais são legítimos, representam os interesses de uma ampla fatia da população, e mais, reivindicam direitos que estão assegurados na Constituição e que historicamente não são cumpridos. E em termos de valores, vão além, lutam por pautas nobres que deveriam ser de interesse de toda sociedade, como a preservação ambiental, a moradia, o acesso à terra, ao trabalho, à dignidade da pessoa humana.

Criminalizar e atacar estes movimentos, que têm sim, cunho político, é uma forma de atacar não somente os militantes, mas toda sociedade que preza pelos valores e princípios que eles defendem e bandeiras que levantam. É a expressão do elitismo, do preconceito, do conservadorismo distorcido e da falta de consciência social.

E sim, os movimentos sociais são movimentos políticos, pois em uma sociedade organizada, na qual o poder emana do povo, é através da política que, de forma pacífica e democrática, se busca melhorias, promoção da justiça social, do desenvolvimento justo e de valores morais e éticos como suporte.

Atacar estas bandeiras é atacar as pessoas que querem ter uma casa digna, que querem ter um espaço para produzir alimentos, enquanto se aplaude com orgulho grileiros, desmatadores, latifundiários que com terras improdutivas, muitas vezes conquistadas à força ou por meios questionáveis. É tentar manter as mesmas relações colonialistas e coronelistas do passado de nosso país. É dizer que preservar a natureza, produzir alimentos, incluir as pessoas de forma democrática, respeitar as diferenças, é errado.

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