Só os intelectuais odeiam o capitalismo ?

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Apesar do objetivo deste blog não ser resenhar ou criticar materiais bibliográficos, às vezes, surge o impulso de ir além de discordar silenciosamente de questões pontuais ou da ideologia ou apologia implícita no discurso. Isto se torna ainda mais instigante quando sabemos que não há em ninguém uma plena isenção ideológica, e mesmo assim, vêem o viés somente no outro, colocando-se como isentos e objetivos, portanto, donos absolutos da verdade, a ponto de rotularem qualquer pessoa ou grupo com forma distinta de pensamento.

Ouso criticar o texto em questão, pois a todos é concedida a liberdade de pensamento, além de que, as premissas, por mais lógicas que sejam, estabelecidas sobre uma base ideológica, não precisam ser necessariamente válidas para aqueles que preferem observar o mundo sob outro prisma.

Embora eu não seja um defensor absoluto dos discursos marxistas (especialmente a ortodoxia na dimensão econômica, tanto que visitei o site do Instituto Mises) creio que na prática social não há um referencial tão significativo quanto o método dialético-marxista na exposição das contradições do sistema capitalista e de sua lógica englobante. 

Os exageros dos militantes progressistas, especialmente em questões culturais, não desmerecem a base teórica que sustenta as críticas à contradições do sistema, os efeitos de sua reprodução e expansão sem limites, baseado na exploração (do homem e da natureza e na acumulação de capital como propósito final do sistema). Tampouco as contradições do próprio marxismo, as quais não são desconsideradas pelos teóricos marxistas (em suas diferentes correntes) e muito menos as contradições  que afetam o modo de vida pessoal e particular de teóricos e militantes. Grosso modo comparando, um cristão fazer o mal não anula a validade dos preceitos do cristianismo.

O texto comentado foi elaborado com base em um discurso de Jesús Huerta de Soto,  professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, um dos principais economista da Escola Austríaca da Espanha, um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário. O texto pode ser lido na íntegra, no site Mises.org, clicando aqui.

Soto inicia sua explanação de forma coerente com o título, tentando
explicar “por que os intelectuais odeiam o capitalismo?”. Cita ele que até mesmo atores e atrizes bem pagos (não sei se há uma regra que defina ator como intelectual) são contrários a livre interação do mercado. E adverte os futuros empresários  intelligentsia”.
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Para explicar esse “ódio”, ele aponta três causas principais. A primeira delas é “o desconhecimento teórico de como funcionam os processos de mercado”. Para explicá-la, o autor se fundamenta em Hayek.

De antemão, é oportuno destacar que o mercado como ordem econômica, entre outras argumentações de Hayek, foram superadas há tempos, por autores marxistas como Istvan Mészáros. É uma realidade que não existe, exceto na utopia libertária. Um mundo econômico perfeito tão idealizado quanto o comunismo.

Para explicar o segundo ponto de sua explanação, que é a soberba e o falso racionalismo dos intelectuais, o autor continua. Para ele, os intelectuais “normalmente são egocêntricos e tendem a se dar muito importância; eles genuinamente creem que são estudiosos profundos dos assuntos sociais.  Porém, a maioria é profundamente ignorante em relação a tudo o que diz respeito à ciência econômica.

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Primeiramente, não sei se é possível desvincular a Ciência Econômica da Ciência Social, afinal, a Economia, como outras ciências, estuda a sociedade, obviamente com um foco específico, tratando da produção, da circulação e do consumo, etc. Apresenta como problema fundamental, a existência de recursos escassos e de necessidade sociais ilimitadas. Embora o termo necessidades ilimitadas possa ser questionado em uma ótica marxista.

Mas pior que isso, é o autor dizer que não existe nada mais complexo que o processo de mercado. Vejo como uma contradição o autor simplificar as relações sociais e toda gama de influências que determinam e influenciam o tal mercado, pois se não há nada mais complexo do que o mercado, o que dizer então das relações socioeconômicas que formam a dinâmica desse mercado ? Incognoscíveis ?

Na sequência, o autor se arrisca até mesmo em traçar conjecturas sobre o perfil das pessoas que ele rotula de intelectuais, saindo do ramo da economia e se aventurando em uma análise psicológica ou sociológica sem fundamentos.

Para ele, tal classe julgar estar legitimada “a decidir o que temos de fazer. Riem dos cidadãos de ideias mais simplórias e mais práticas. É uma ofensa à sua fina sensibilidade assistir à televisão.  Abominam anúncios comerciais.  De alguma forma se escandalizam com a falta de cultura (na concepção deles) de toda a população.  E, de seus pedestais, se colocam a pontificar e a criticar tudo o que fazemos porque se creem moral e intelectualmente acima de tudo e todos. E, no entanto, como dito, eles sabem muito pouco sobre o mundo real.  E isso é um perigo.  Por trás de cada intelectual há um ditador em potencial.”

E com base nesta infundada análise da personalidade do que ele define como classe intelectual, que ele encontra os argumentos necessários para trazer à tona a terceira explicação sobre o porquê dos intelectuais odiaram o capitalismo.

Neste ponto, sequer vou entrar no mérito de que capitalismo e personificações do capital não são a mesma coisa. Tampouco é possível, independente de haver ou não, unir em uma única salada, o ódio ou a não concordância com um sistema econômico com o ódio contra as pessoas que exercem atividades econômicas para sobreviver nesse sistema no qual todos estamos inseridos, como é o caso dos empresários. Mas o autor abre margem para uma confusão simplória de conceitos entre capitalismo (sistema) e empresários (elementos, como todos nós, desse sistema). Sem considerar ainda que a maioria dos empresários (pequenos empreendedores), fora de uma concepção clássica do termo, não se comparam com os grandes detentores do capital (e do poder), pois sofrem semelhante exploração que aqueles que vendem a força de trabalho e enfrentam grandes dificuldades para se manter em atividade.

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Na última explicação (1ª desconhecimento, 2ª soberba), o autor fala ainda do ressentimento e da inveja. Ironiza o autor que para os intelectuais e artistas, geralmente contrários à sagrada ordem do mercado, a sociedade é injusta.  Para o autor, assim pensa essa classe: “a nós intelectuais não é pago o que valemos, ao passo que qualquer ignóbil que se dedica a produzir algo demandado pelas massas incultas ganha 100 ou 200 vezes mais do que eu". Reforça ainda que “o intelectual se encontra em uma situação de mercado muito incômoda: na maior parte das circunstâncias, ele percebe que o valor de mercado que ele gera ao processo produtivo da economia é bastante pequeno”

Porém, nem mesmo o autor, em sua objetividade, compreensão da ordem econômica, ignora as fúteis críticas dos “esquerdistas” e ataca quando tenta mostrar que os práticos defensores do liberalismo ou da ordem de mercado, são melhores e entendem mais de todas as relações socioeconômicas que controlam a vida da sociedade, a ponto de dizer que esse é o padrão que todos devem seguir...

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Ou seja, caiu no mesmo erro daqueles que criticou ? Como o próprio autor conclui, somos todos humanos e não há como eliminar a possibilidade de que as pessoas  atuem de maneira cega, obtusa e tendenciosa...seja para defender qual interesse for. 
Além disso, apesar de sermos humanos e imperfeitos, não é difícil percebermos que o sistema vigente é opressor, injusto e privilegia os poucos que o controlam, e sobretudo, que sua vigência não é natural ou divinamente imposta, mas parte de um processo histórico que pode ser superado.

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