O paradoxo do uso da tecnologia e do aumento do volume de trabalho

O avanço tecnológico tem contribuído para a automação de diversas tarefas no ambiente de trabalho administrativo, o que tem permitido que os profissionais possam se dedicar a atividades mais estratégicas e criativas.

Com isso, é possível liberar tempo das atividades repetitivas para atividades com maior valor agregado. No entanto, é preciso analisar mais profundamente essa questão, pois nem sempre o tempo liberado é utilizado para atividades de lazer, cultura ou para o justo descanso do trabalhador. De certa forma, ocorre um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que certas atividades são modernizadas, mais tempo elas demandam.

Um exemplo são os aplicativos de comunicação instantânea (whatsapp, por exemplo). Ao mesmo tempo em que hoje não é necessário se deslocar para entrar em contato com um vendedor ou ajustar um negócio, economizando tempo e dinheiro, o mesmo programa faz com que o trabalhador seja contatado nos finais de semana, fora de horário, resolvendo problemas do trabalho em horário que deveria ser exclusivo para seu descanso ou lazer. Inclusive, vivemos uma fase que para acompanhar a evolução da tecnologia se manter apto ao trabalho, precisamos constantemente nos modernizarmos e reciclar os conhecimentos, o que é feito durante os horários de descanso.

De fato, a automação tem permitido que muitas tarefas sejam realizadas com maior eficiência e rapidez, permitindo que os profissionais possam se concentrar em atividades que exijam maior habilidade, conhecimento e capacidade analítica. Isso tem permitido que as empresas se tornem mais competitivas e se destaquem no mercado (mas como todas as empresas se tornam competitivas, na verdade trata-se de correr atrás da sombra para sobreviver). Além disso, os profissionais têm a oportunidade de desenvolver suas habilidades e competências, o que contribui para sua evolução profissional.

No entanto, é importante ressaltar que, mesmo com a automação, muitos profissionais continuam a trabalhar por longas horas e sob grande pressão. A busca pelo aumento incessante da produtividade pode levar a uma maior demanda de trabalho, o que pode resultar em jornadas mais longas e mais intensas. Isso pode levar a um esgotamento físico e mental, prejudicando a saúde e a qualidade de vida do trabalhador. E a pressão sobre o trabalhador não se resume em produzir mais, trabalhando mais horas. Busca-se ainda a eficiência, ou seja, produzir mais, utilizando menos recursos. E entre estes recursos, está o ser humano. Hoje, as empresas fazem com 10 pessoas o que produziam com 50 em anos anteriores. E o enxugamento ou corte se aplica também à remuneração, seja na redução absoluta de salários (não apenas reduzindo o valor do salário, mas aumentando a produtividade sem aumentar a renda do trabalhador), seja adotando formas flexíveis de contratação, onde o trabalhador perde uma série de direitos e garantias, inclusive a segurança, gerando uma carga maior de pressão e estresse, que sem dúvida, comprometem a qualidade de vida.

Além disso, a tecnologia da comunicação tem contribuído para que os profissionais sejam contatados mesmo fora do horário normal de trabalho. Com a popularização de dispositivos móveis, é possível se manter conectado a todo momento, o que pode levar a um estado de plantão não remunerado. Isso pode prejudicar o descanso e a qualidade de vida do profissional, levando a uma maior propensão ao estresse e a doenças relacionadas ao trabalho.

Dessa forma, é importante que as empresas estejam atentas ao bem-estar dos seus colaboradores e busquem implementar medidas que possam garantir um ambiente de trabalho saudável e produtivo. Isso pode incluir a implementação de políticas de flexibilidade de horários, o incentivo ao uso de férias e licenças, a realização de programas de capacitação e ações voltadas para a promoção da saúde e do bem-estar.

É fundamental que os profissionais tenham a oportunidade de se desenvolver e se capacitar para as atividades mais estratégicas e criativas, de forma que possam contribuir para a evolução da empresa e para o seu próprio desenvolvimento profissional. Isso pode incluir a participação em treinamentos, cursos, workshops e outras atividades que possam contribuir para a ampliação do conhecimento e das habilidades. No entanto isso não pode privar o trabalhador de entrar em contato com aquilo que é mais "sagrado": seu lado humano.

Antes de sermos trabalhadores, somos humanos, sujeitos a abalos emocionais, esgotamento físico, doenças. Temos sonhos, aspirações. Queremos momentos de descanso, de desligamento das questões profissionais. Queremos momentos com a família, com a natureza, lazer, aprendizagem para a vida (não apenas para o trabalho).

Embora a tecnologia tenha aumentado a produtividade do trabalhador administrativo, é importante lembrar que a jornada de trabalho não deve se tornar cada vez mais intensa e longa. O excesso de trabalho pode levar a problemas de saúde física e mental, além de afetar a qualidade de vida do trabalhador. Nesse sentido, medidas de redução da jornada de trabalho têm sido cada vez mais adotadas em vários países do mundo.

A redução da jornada de trabalho pode contribuir significativamente para a qualidade de vida do trabalhador, permitindo-lhe ter mais tempo livre para atividades de lazer, culturais, familiares, de descanso, entre outras. Além disso, estudos mostram que a redução da jornada de trabalho pode ter um efeito positivo na produtividade do trabalhador, reduzindo o número de faltas, atrasos, doenças ocupacionais e estresse, além de aumentar a motivação e satisfação no trabalho.

Um estudo realizado na Suécia, por exemplo, mostrou que a redução da jornada de trabalho para seis horas por dia teve um impacto positivo na produtividade, reduzindo o número de faltas e melhorando a qualidade do trabalho realizado. Outro estudo realizado na Alemanha mostrou que a redução da jornada de trabalho para 35 horas por semana teve um efeito positivo na saúde dos trabalhadores, reduzindo o estresse e a fadiga.

No Brasil, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais foi aprovada em 1988 na Constituição Federal, mas muitas empresas ainda não adotaram essa medida. No entanto, algumas empresas têm implementado a redução da jornada de trabalho com sucesso, como a montadora Volkswagen, que reduziu a jornada de trabalho para 35 horas semanais em 1994, aumentando a produtividade e reduzindo o número de acidentes de trabalho.

Além disso, a redução da jornada de trabalho pode contribuir para a geração de emprego e renda, pois as empresas podem contratar mais trabalhadores para manter a mesma produtividade. Um estudo realizado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em 2017 mostrou que a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais poderia gerar cerca de 2,2 milhões de empregos no Brasil, beneficiando a sociedade como um todo.

Em suma, a tecnologia tem contribuído para liberar tempo das atividades repetitivas na área administrativa para atividades criativas e estratégicas, porém, é importante estar atento ao fato de que esse tempo nem sempre é utilizado para atividades de lazer, cultura, descanso ou convívio familiar. É preciso analisar de forma mais abrangente essa questão, buscando garantir um ambiente de trabalho saudável e produtivo, que possa contribuir para a realização dos objetivos.

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