A crise hídrica e outros problemas “ambientais” e a formação da consciência social

Fonte: correio.rac.com.br
         Enfim materializou a crise ambiental há tempos anunciada; a água efetivamente tornou-se um líquido precioso pela sua importância não apenas fisiológica, mas também econômica.

           Assume-se que a ação antrópica provocou e potencializou uma série de “problemas ambientais”. Culpa-se a população, a qual sofre as conseqüências dos impactos e geralmente arca com o ônus desses problemas. Essa visão, porém, é um tanto quanto simplista, pois como toda relação, causas e conseqüências se fundem, havendo de se considerar uma série de outros fatores conjuntamente influenciadores ou determinantes. Até mesmo o termo “problemas ambientais” tem uma concepção ideológica, sendo mais socioeconômico do que ambiental propriamente dito.
Fonte: meioambiente.culturamix.com
            Não se pode ainda desconsiderar que o comportamento humano é resultante também das pressões econômicas. Além da necessidade de explorar a natureza para garantir a subsistência e a realização de uma série de atividades, o sistema econômico vigente, cuja finalidade é o lucro, impõe uma série de influências, o que alimenta um ciclo em constante expansão de produção, consumo e desperdício, e consequentemente, de exploração sem limites da natureza. A reciclagem, por exemplo, não passa de uma resposta de cunho precipuamente econômico aos efeitos de um problema, já que o sistema só toma medidas ecologicamente corretas ou corretivas quando estas visam

garantir a continuidade dos lucros.

            A questão econômica, no entanto, é apenas uma destas variáveis. Há ainda o viés político, talvez o mais complexo fator que precisa ser considerado nessa inter-relação. Afinal, é inevitável a utilização dos recursos naturais, e cada vez mais se tenta a conciliação entre progresso e conservação e entre os diversos interesses conflitantes, o que faz da ação política, elemento de conciliação, de regulamentação, de planejamento e de conscientização.

            É através da ação política que o poder público determina, por exemplo, leis que definem áreas apropriadas para a ocupação residencial, propícias para a atividade agrícola e quais devem ser preservadas. Entretanto, a legislação e a ação política também são resultados de uma relação social de poder, de interesses e de inclinação ideológica. Por isso o social, o ambiental, o político e o econômico não são perspectivas isoladas, mas devem ser entendidas de forma integrada.

Fonte: pcsouzabv.blog.uol.com.br
Ilustrando, é quando mesmo sabendo dos efeitos sociais e ambientais, autoriza-se a construção de barragens pela necessidade de energia elétrica para manter as atividades econômicas. É quando ciente das conseqüências e da quase inviabilidade de uso de veículos em grandes centros, incentiva-se a produção e a frequente troca de automóveis e menosprezam-se formas alternativas de transporte.

Dessa forma, embora a relação política seja complexa, as ações políticas são o melhor meio de conscientização social, pois expressam efetivamente a orientação do poder público, mostram a consistência histórica dos planejamentos e a coerência entre discurso e prática.

Mas diante do atual contexto contraditório, seria cômico, se não fosse trágico, convivermos com escassez de reservas de água em determinadas regiões, ao mesmo tempo em que basta uma chuva de pouco volume em uma intensidade razoável, para ocasionar alagamentos.

            Dessa forma, não há como esperar conscientização da sociedade se as pressões são opostas a isso. Se a prática contradiz o discurso. Não seria previsível que a ocupação residencial em fundos de vale, muitas vezes proporcionada pelo aterramento dos canais naturais de escoamento, traria efeitos? A impermeabilização urbana também é outro fator que impede a infiltração da água, que gradualmente abasteceria lençóis freáticos, o que aliado à vegetação, evitaria enxurradas ao mesmo tempo em que prolongaria o ciclo de abastecimento de água nos reservatórios subterrâneos e superficiais. E não seria possível prever e determinar (para o bem social), uma taxa mínima de área permeável nas construções urbanas ? Mas e o custo do terreno ocioso, dirão alguns, sobrepondo o viés econômico novamente. É tarde, dirão outros, revelando a falta de planejamento.

Hoje se fala insistentemente na necessidade de economizar água. Incitam a população a fiscalizar o desperdício do vizinho. E apela-se para a consciência social. Por outro lado, ao recebermos a fatura de água, pagamos uma taxa pela utilização de 10 metros cúbicos, independente se o uso foi menor.

            Ou seja, não vivemos um problema ambiental ou uma crise hídrica. Vivemos o resultado de um problema político, que menosprezou o planejamento e os resultados previsíveis da ênfase dada aos aspectos socioeconômicos em detrimento dos aspectos socioambientais. Não vivemos o resultado da falta de consciência social, mas vivemos a falta de exemplos materiais que estimulem o uso racional dos recursos naturais.
            Esperar que a sociedade se transforme porque está sentindo a carência de água ou os efeitos de outros problemas de causa “ambiental” não é conscientização. É mera necessidade. E todos pagam, até os inocentes.

            
Leia nesse mesmo blog o texto referente à Tarifa Regressiva de Água, ou seja, pagar o quanto se consome de água e não uma taxa preestabelecida.

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