A sustentabilidade nos prédios públicos: o exemplo do Centro Cultural Denise Stoklos

Nunca se explorou tanto os recursos naturais como na atualidade, afinal, as cidades (centros de consumo) se expandiram, a população, que em 1925 não chegava a 2 bilhões, em 50 anos dobrou, e agora, no século XXI, ultrapassa os 7 bilhões.

No Brasil, a população também teve um crescimento significativo, passando de menos de 10 milhões para mais de 200 milhões em um período inferior a 150 anos. População esta, que a partir de meados do século XX, deixou de ser predominantemente rural.


Figura 01- Crescimento populacional do Brasil de 1872 (primeiro Censo) até 2016 em milhões de habitantes
Fonte: Fernandes e Israel (2016)


Além disso, com as inovações tecnológicas e com as mudanças socioeconômicas e culturais, esta população tem um poder de consumo cada vez maior. Poder de consumo que caminha paralelamente com seu poder de exploração e destruição do meio ambiente.

Atualmente, máquinas modernas exploram a natureza e transformam em um dia o que se levava anos para ser alterado, não dando tempo do ambiente se recompor. Basta comparar a alteração provocada por uma enxada ou machado com a devastação (ou produção) realizada por um grande trator !

Soma-se ainda a ocupação desordenada das cidades, desrespeitando encostas, margens de rios, a produção excessiva de resíduos, a poluição e tantas outras fontes de impacto ambiental.

Este contexto fortaleceu o pensamento de que seriam necessárias alternativas para tornar tal exploração durável ao longo do tempo, possibilitando que as futuras gerações também consigam usufruir dos recursos, cada vez mais limitados diante das "necessidades" ilimitadas.

Diversas alternativas são apresentadas à sociedade, algumas mais radicais, outras reformistas: modelos socioculturais de vida alternativos; redução do consumo, reciclagem e reutilização; produtos mais eficientes; certificações e selos verdes; substituição de fontes de energia; uso de recursos renováveis e de fontes não esgotáveis, como a eólica e solar, etc.

Esta conscientização, ao contrário do que supõem alguns, não se trata de um movimento antimercado, anticapital, de levar uma vida “franciscana”, mas de uma resposta do próprio mercado para poder continuar produzindo e fomentando o consumo, reduzindo custos (ou ampliando lucros) e melhorando sua imagem perante o consumidor.

Tais conceitos de sustentabilidade, como não poderia ser diferente, são estendidos e aplicados aos mais diferentes setores, inclusive aplicados ao  setor de construção e à arquitetura dos prédios e residências, buscando a ecoeficiência.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente - MMA, "construção sustentável é um conceito que denomina um conjunto de medidas adotadas durante todas as etapas da obra que visam a sustentabilidade da edificação. Através da adoção dessas medidas é possível minimizar os impactos negativos sobre o meio ambiente além de promover a economia dos recursos naturais e a melhoria na qualidade de vida dos seus ocupantes."

De acordo com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a construção sustentável é "um conjunto de práticas que objetiva minimizar os impactos ambientais, sociais e econômicos negativos da construção civil, promovendo a utilização de recursos naturais de forma consciente e responsável, além de melhorar o desempenho das edificações e proporcionar qualidade de vida aos ocupantes".

Ademais, a NBR 15.575 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece critérios e requisitos mínimos para o desempenho de edificações habitacionais, incluindo aspectos relacionados à sustentabilidade.

A sustentabilidade deve estar inerente a todo o projeto, desde a sua pré-construção, onde são analisados o ciclo de vida do empreendimento e dos materiais que serão usados, passando pelos cuidados com a geração de resíduos e a sustentabilidade da sua manutenção e uso.

Para o Viggiano (2019) em uma interessante publicação do Senado Federal denominada "edifícios públicos sustentáveis", tal forma de construção é definida como sendo aquela capaz de proporcionar benefícios na forma de conforto, funcionalidade, satisfação e qualidade de vida sem comprometer a infraestrutura e gerando o mínimo possível de impacto no meio ambiente e alcançando o máximo possível de autonomia.

Com relação às iniciativas que buscam incentivar e definir tais formas de edificações, existem, segundo o MMA, as certificações ambientais. As mais utilizadas na construção civil brasileira são o LEED - Lidership in Energy and Environmental Design, emitido pelo United States Green Building Concil, e o Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental), certificação brasileira baseada na francesa HQE (Haute Qualité Environnemetale).

No setor público, há também a formulação de projetos de leis no sentido de padronizar e impor normas às edificações de modo que sejam eficientes, garantam conforto e a redução dos impactos ambientais em todas as fases da construção e de utilização. Medida que poderia ser desnecessária se ao invés dos construtores pensarem apenas na redução de custos das obras, considerassem a economia global do empreendimento durante todo seu ciclo de utilização.

De qualquer forma, a questão da sustentabilidade saiu dos gabinetes dos especialistas e é uma questão socializada. Desde uma pequena reforma doméstica, desde (evitar) o uso de uma sacola, passando por grandes empreendimentos estatais, tal assunto merece ser avaliado e ponderado. Afinal, impacta na vida de toda a sociedade.

Em outras palavras, a busca pela sustentabilidade vai além de uma consciência ecológica atrelada ao modismo. Os efeitos negativos dos impactos ambientais afetam a todos, sobretudo as camadas mais pobres, residentes em áreas de risco, sem infraestrutura e sem maiores condições de adquirir itens de consumo necessários às necessidades.

Por outro lado, muitas empresas e membros de classes mais abastadas lucram com a exploração ambiental. Ou seja, socializa-se apenas os custos. Um exemplo é a mineração, atividade de alto impacto ambiental, dominada por grandes corporações em regra, que lucram muito e impactam grandemente. E são elas, por exemplo, que atendem à demanda de muitos itens da construção civil, estendendo ainda mais seu raio de influência.

Diante deste contexto, torna-se interessante refletir sobre a realidade local, sobretudo quando paramos para observar a cidade e as obras em andamento, especialmente aquelas financiadas com recursos da sociedade.

Mesmo sem entender tecnicamente de arquitetura e de sustentabilidade, temos muitos exemplos em nossas cidades de obras que trouxeram impacto no meio ambiente. Sejam construções em fundos de vale (margens de rios), seja a realização de aterros, a canalização de rios, ou até desmatamentos para loteamentos, ou ainda, de modo mais específico, podemos encontrar exemplos nas próprias construções analisadas individualmente.

Um exemplo que pode chamar a atenção para este apelo de sustentabilidade pode ser observado no Centro Cultural Denise Stoklos.

Segundo o Lima (2021), a construção do Teatro foi iniciada pelo Governo do Estado, que recebeu a cessão do terreno da prefeitura de Irati. O projeto foi escolhido pelo governador da época, Roberto Requião, para beneficiar a cidade. No entanto, com a saída do governo para disputar as eleições e mudanças na gestão seguinte, a obra não teve mais movimentação.

Centro Cultural Denise Stoklos
Fonte: Arquivo Pessoal
Em 2011, a construtora desistiu do empreendimento, o que deixou o projeto sem continuidade até o momento. São cerca de 11 mil m² de área, com um espaço construído (ou a construir) de aproximadamente 5.000 m².

O simples fato desta obra estar inacabada por tanto tempo, sofrendo a deterioração natural, já se constitui em um passivo para a sociedade. Acrescenta-se que a falta de conclusão pode acelerar o processo de deterioração da estrutura, facilitar o vandalismo, a depredação, entre outros eventos que podem comprometer ou gerar mais custos para a consecução da obra. Sem mencionar que pesa na estética urbana uma obra inacabada e gera uma sensação subjetiva de descaso com a coisa pública.

Uma enquete realizada pelo Jornal Folha de Irati em 2021, apontou que 67% dos votantes preferiam que a obra fosse concluída e utilizada para outra finalidade e 33% queriam o Teatro como previsto inicialmente.

Do ponto de vista da sustentabilidade, a obra, em sua prolongada fase de conclusão chama a atenção pela pouca quantidade de janelas ou de áreas de iluminação e de ventilação natural em número e tamanho proporcional visualmente falando ao vulto da obra.

Não se trata-se de apontar falhas no projeto, mas é normal que venham dúvidas e questionamentos sobre o porquê de ter se dado a opção por este tipo de modelo, com estas características específicas. Até mesmo porque, há de se considerar que a intencionalidade da obra era servir de teatro, o qual precisa de uma estrutura de iluminação, de acústica, etc. propícia.

Em suma, não se trata de uma crítica ou de questionar os aspectos técnicos ou arquitetônicos, ou mesmo artísticos da obra, que sem dúvida, em seu projeto completo e acabado seria de grande destaque regional, mas de uma reflexão que vem à mente quando se coloca contexto da sustentabilidade como lente.

Diante da observação deste prédio, surgem à mente alguns questionamentos, obviamente, com base no senso comum e aos olhares leigos:

· De quanto será o consumo de energia para garantir a iluminação de todas as salas do local quando ele estiver em pleno uso?

· Como garantir o conforto térmico sem a utilização de diversos aparelhos de ar condicionado ligados e consumindo ?

· De que forma a ventilação e a iluminação natural serão aproveitadas quando a obra for concluída?

Enfim, a grosso modo, o que chama a atenção de um observador leigo é que se trata de uma grande obra com poucas e pequenas janelas.

Interior do  prédio (2023)
Pode-se indagar ainda se existe algum sistema planejado para captação da água da chuva, se há medidas para amenizar o impacto das descargas de água, sejam elas pluviais, sejam águas servidas, tendo em vista que a impermeabilização do solo urbano também é um fator de impacto ambiental.

Obviamente, além dos aspectos técnicos e arquitetônicos, quando se trata de prédios públicos, algumas normas, às vezes mal compreendidas pela sociedade em geral, precisam ser respeitadas. Não há tanta autonomia quanto há em uma construção particular. Destacando que há ainda a questão da segurança e da acessibilidade que precisa ser respeitada, etc.

Assim, a obra foi tomada como exemplo, simplesmente pela sua notoriedade e popularidade da mesma na região, pois sem dúvidas, há diversos exemplos de construções que merecem a atenção sob esta perspectiva ambiental e sustentável.

Não se trata de uma crítica, mas de uma dose de curiosidade com relação a estas questões, ou na melhor das hipóteses, de um incentivo à reflexão sobre a necessidade de ecoeficiência nas construções, sobretudo, públicas.

A sociedade busca no setor público o modelo de atuação e de respeito à coletividade. Dessa forma, é natural que as cobranças sejam maiores. Pode-se até questionar se a atuação eficiente e ambientalmente correta do setor público trata-se de uma discricionariedade, de uma consciência louvável ou do cumprimento de uma obrigação.

Isto porque quando se leva em conta que a Administração Pública, segundo o caput do artigo 37 da Constituição Federal, deve atender, entre outros, ao princípio da eficiência, tal objetivo é uma obrigação.

Soma-se a isso o fato da Administração Pública ter como alvo sempre a finalidade pública, o interesse coletivo, de ser a responsável por grandes obras, e portanto, por grandes impactos, além de atuar como estimuladora da consciência social. Resume-se então a necessidade de que as obras públicas, em todas as suas fases, prezem pela ecoeficiência.

Vale ressaltar, que recentemente (17/08/2023), após a edição deste texto, foi publicado no site da Rádio Najuá, matéria trazendo a informação de que a Prefeitura de Irati e a Unicentro devem somar esforços para concluírem a obra do Centro Cultural Denise Stoklos.

A matéria destaca ainda que parte do terreno será doada ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) para a construção do novo Fórum, estando esta doação já aprovada pela Câmara dos Vereadores.

Enfim, a intenção do texto era discutir a sustentabilidade, mas cabe a título de informação, e como sugestão ao leitor, buscar conhecer também a história desta obra iniciada em 2007 pelo governo do estado, doada ao município, cedida à Unicentro e agora revertida novamente. Um imbróglio complexo política e juridicamente, que foge aos interesses deste texto.

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